sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Melancolia e a tragédia do fim


Belamente trágico, terrivelmente profundo. O fim de toda Terra pelos olhos de Lars Von Trier

Justine (Kirsten Dunst) está indo para a festa do seu casamento. Devido a um contratempo, o casal chega atrasado à festa que foi sistematicamente organizada pela sua irmã, Claire (Charlote Gainsbourg). Durante a cerimônia, toda a família juntos de amigos estão reunidos. O que era para ser um momento de felicidade, na verdade esconde algo, há uma penumbra de incertezas no ar. Algo não está certo e nos primeiros momentos podemos perceber uma infelicidade nos olhos de Justine. Nem essa festa, sendo realizada num grande castelo, com uma arquitetura medieval digna de sonhos, conseguem mudar os ares de tristeza dela. Claire percebe, mas nada pode fazer, a não ser esperar pelo pior e ele acontece.

Passado uma semana, ficamos sabendo que um planeta chamado Melancolia está vindo em direção a Terra. Alguns afirmam que ele passará sem se chocar com o planeta, outros corroboram com toda a certeza: é o fim do mundo. É com esse drama, envolvendo o medo da morte e do fim inevitável, que Trier irá trabalhar com as fraquezas, medos, receios, temores e limitações do homem.




Há um sentimento de angústia há todo o momento percorrendo os caminhos destes personagens. Se na primeira parte, intitulada Justine, é com relação a própria protagonista deste prólogo, na segunda parte, chamada Claire, é dela e seu marido temendo o fim da Terra.

O drama é divido em duas partes, Justine e Claire. Em cada parte, conheceremos um pouco melhor cada personagem. Na primeira, temos como centro das atenções Justine. Ela é bela, jovem, com um futuro promissor na vida profissional. Está noiva de um homem que a ama e que sempre tenta compreender a tristeza dela, mesmo com ela o desprezando e o abandonando por diversas vezes. Porém, mesmo com tudo isso, ela se sente infeliz. Há uma depressão em seus olhos, uma verdadeira melancolia sobre sua existência. Ela é a própria materialização desse sentimento. Suas ações são desconexas, nem nós a entendemos direito.

Na segunda parte, conhecemos Claire. Ela é casada com John (Kiefer Sutherland), um homem que confia cegamente na ciência. Eles têm um pequeno garoto. Ela é super sistemática e controladora, aos seus olhos, nada pode sair errado. Sente que deve proteger a irmã, pois a considera muito frágil. Mas ao saber da possível colisão desse planeta com a Terra, seu mundo desaba e ela se perde em toda a sua certeza. Assim como ela, John também. Nessa segunda parte, esse planeta é a própria melancolia, esse estado de profunda tristeza sem fim e sem um motivo aparente.


Essas duas irmãs são pessoas extremamente oposta. Se uma é mais melancólica com relação a vida, a segunda parece estar ciente da vida e das suas escolhas. Porém, próximo ao final, meio que se invertem os papéis, Justine toma uma consciência e uma aceitação da vida e do fim, enquanto sua irmã fica desorientada. Ela ainda não está pronta para esse fato.

Ainda com relação a essa separação dentro da história, na primeira parte do longa, Trier meio que se volta ao seu antigo movimento, o “Dogma 95”. Usando de uma iluminação meio artificial e a câmera em movimento, trafegamos pelos vários momentos dessa festa, outro filme que lembra muita essas cenas é o “Casamento de Rachel”. Aqui a trilha é suave, os tons são quentes e o peso está sobre a atuação de Dunst.

Já na segunda parte, a fotografia é mais fria e gélida, com cenários campestres dando uma sensação de total abandono. Só há na residência Claire, John, o filho do casal e Justine. Nessas cenas e nas demais, a trilha é usada belamente e constantemente.

Trier com esse drama faz um belíssimo trabalho. Tanto a trilha sonora, quanto a fotografia, o trabalho com o elenco e os planos estão fenomenais. Tudo é orquestrado com precisão. No começo do longa são mostrados cenas desconexas das duas irmãs, na verdade é como um prólogo do que será o filme e esse início é o “Prólogo”. Essas cenas são simplesmente soberbas, pois há tanta técnica e sensibilidade, um trabalho único dentro do cinema atual. A trilha, se utilizando em grande escala o prelúdio da ópera Wagner intensificando a angústia e as ações das personagens. A posição dos atores, do campo, das árvores, tudo foi minimamente planejado. Após essa sequência de imagens, há um forte clarão, o fim e título do filme, Melancolia. A partir desse momento, temos o começo do drama.

Apesar de toda tristeza e um final tão trágico para essa história, esse filme é ainda uma reflexão positiva sobre a existência. Na vida tudo passa, inclusive a dor e a amargura e esse planeta significa isso.

Em tudo há um fim e Melancolia é materialização dessa dor sendo expurgada da vida, levando consigo toda sua desilusão, amargura e hipocrisia. O que fica ao final é uma sensação de descanso e conforto, pois se a vida chega a seu derradeiro fim, com ela também todo o seu sofrimento e infelicidade em existência.

Com relação ao elenco, Trier mostra mais uma vez ser extremamente competente em direcionar o elenco, pois todos estão ótimos em suas atuações, desde as duas protagonistas, Kirsten Dunst e Charlote Gainsbourg, quanto o elenco de apoio, cercado por ótimos atores como Kiefer Sutherland e Stellan Skarsgard. Mas quem se sobressai é Dunst numa atuação belíssima, premiada em Cannes como melhor atriz.

A meu ver, esse filme poderia ter recebido a tanto deseja Palma de Outro, se não fosse a declaração inconivente de Trier a respeito de compreender Hitler. O filme que levou esse prêmio foi o “Árvore da vida”. Tanto esse filme, quanto “Melancolia” trabalham com a mesma temática: uma reflexão sobre a vida, diante da inevitável morte. Porém a obra de Trier tem muito mais peso e profundidade.
Há uma densidade na história, um melhor trabalho sobre os personagens. Há uma causa motivando as ações e os pensamentos deles e por mais que essas sejam subjetivas e abstratas, podemos perceber. Um filme belíssimo que nos causa o amor ou o ódio pela obra desse diretor, mas sempre provocando em nós alguma reação.