sábado, 30 de julho de 2011

Andando sobre as águas

Uma história sobre perdas, culpas e diferenças. Um filme comovente que nos faz refletir sobre os nossos atos movidos pela dor e a raiva.

Andar sobre as águas é algo praticamente impossível, ou melhor dizendo, é impossível, mas que é usado numa passagem da bíblia para falar sobre fé. A fé pode remover montanhas e também fazer do impossível, possível. É sobre esse tema que o filme aborda

Eyal é um agente secreto da Mossad, serviço secreto israelense, que recebeu a missão de encontrar um dos últimos agentes vivos que operou no nazismo. Para isso, ele irá se envolver com o neto deste agente, Axel, como guia turístico, que veio para Israel se encontrar com a irmã Pia. Mas convivendo com estes dois jovens, ele será obrigado a lhe dar com o diferente, já que Axel é homossexual e os dois tem opiniões distintas da dele.

Eyal representa a tensão neste território. Ele é um homem marcado pela dor do passado. Seus pais foram obrigados a saírem da Alemanha durante o período nazista, largando tudo. Foram para Israel tentar uma nova vida. Quando cresceu, tomado pelo sentimento de raiva e vingança pelo qual seus pais e outros judeus sofreram durante o holocausto, entrou para o Mossad, agência do serviço secreto que realiza missões de forma ilegal.

No começo do longa vemos ele assassinar um homem que é ligado ao Hamas, por essa cena, podemos perceber a tensão que há nesse território entre palestinos e israelenses. Durante todo o filme é comentado pelas rádios, jornais e telejornais os atentados que acontecem em Israel por homens bombas. Isso se torna tão normal na rotina deles, que a certa altura, ele chega a brincar com o episódio.


Já Axel representa uma geração que têm um passado que não consegue compreender. Ele sendo alemão, sabe que seus pais permaneceram em silêncio e até ajudaram, no caso do seu avô, o nazismo a propagar o terror. Ele sendo liberal é confrontado por essa história. Se ele e outros da idade dele tem culpa, ele não sabe, pois como ele afirma em certa altura do filme, ninguém na Alemanha comenta sobre isso ou se quer fala sobre esse assunto. Já sua irmã Pia pertence à outra ala dessa história, a da geração que sabem que seus pais fizeram e carregam a culpa por isso. Ela sente raiva pelo que eles fizeram.

É com essas três personalidades distintas e carregadas por sentimentos que vão da dor a raiva, passando por compaixão e arrependimento, que o drama tentará tocar em temas tão delicados como a culpa alemã, homossexualismo e a tensão entre palestinos e israelenses.

Os diálogos são inteligentes, com perguntas diretas que tentam responder questões emblemáticas. A fotografia é bela, destaque para as paisagens, em especial, as da praia. Os atores estão muito bem: Ryal é fechado, Axel é cativante, expressivo e inocente e Pia tem um semblante que expressa dor.

 
A direção não peca, mantém seus personagens constantemente nesses questionamentos, a redenção não acontece simplesmente do nada. O que é certo e errado não é tão fácil julgar assim. Prova disso é a cena final do filme e as decisões que os personagens tomam em suas vidas.

A forma como o enredo tratou de colocar num único filme várias tensões foi ótimo. O homossexualismo está presente e o preconceito que estes sofrem por isso também, mas ele está em segundo plano, como um detalhe da obra, o que lhe confere mais autenticidade, pois afinal, menos é mais.

O final em off chega a deixar o filme, de certa forma, meio convencional, sem um desfecho mais criativo. Porém consegue invocar um lado mais poético, literário e metafórico sobre a relação atual dessas duas nacionalidades.

Enfim, Andando sobre as águas é um ótimo filme. Muito bem recebido pela crítica internacional, infelizmente esquecido pela mídia especializada aqui no Brasil e não é tão fácil achar essa película para comprar. Só é possível obter o longa em alguns blogs que tem uma linha bem independente, porém esse filme merece o sacrifício e as dificuldades de encontrá-lo, pois é uma história comovente e edificante sobre aceitação e culpa, seja sobre o passado, o preconceito ou as diferenças. A dor e a arrogância são um eterno ciclo que um pode ser quebrado.


Ágora

Ágora, o drama sobre a vida de uma mulher que marcou a história, influenciou homens, questionou princípios existentes na época e pagou um alto preço por essa afronta.
Hypalia foi umas das grandes filosofas dos tempos antigos, se não, a única. Tinha como paixões a busca pelo conhecimento e a dúvida, dentre essas, em compreender a teoria que regia o mundo antigamente, em que afirmara que a Terra era o centro do Universo e todos os outros planetas e astros giravam em torno deste. Para ela, essa teoria não era válida, mas precisava primeiramente entender esse esquema, por esse motivo, concentrou tempo e estudos da sua vida para esse questionamento. Enquanto o mundo girava e Hypalia tentava entender esse processo, culturas eram modificadas, dentre elas, a religião. A história se passa em Alexandria, Egito do séc. IV, quando o império romano dominava a região.
Num período em que o cristianismo começava a se proliferar em todo império romano, adorar a o outros deuses passou a ser questionado e proibido. A cada crescimento da religião cristã, os que se recusavam a aceitar o batismo e a crença em Deus eram punidos com a vida, e nesse caminho Hypalia sofreu as consequências.
O longa mostra numa primeira parte Alexandria em plena influência romana que a cada dia que se passa, está fortemente ligada ao cristianismo. Enquanto o pior não acontece, a cidade vai mantendo em suas praças as diversas religiões existentes, porém, com o tempo, a tolerância entre essas vão se desfragmentando, levando a um choque e uma guerra sangrenta que só termina com a intervenção dos soldados romanos. A partir desse momento, os cristãos obtém a vitória e passam a ditar as regras. Nem o poder do prefeito tem mais efeito do que o do bispo, representante da igreja.
Hypalia tem dois jovens apaixonados por ela, um escravo que mais tarde torna-se num seguidor da fé cristã e Orestes, um jovem discípulo que posteriormente torna-se o prefeito de Alexandria e faz dela sua conselheira. Porém ela se mantém séria no seu posicionamento em não se relacionar com nenhum destes homens, um preço justo em sua opinião, para se ter a independência e liberdade desejados por ela. Apesar da rejeição dela, esses dois jovens, cada uma a seu modo, tentarão conquistá-la e protegê-la.


O que o novo filme do diretor Alejandro Amenábar conta não é apenas esse fato, mas tenta, acima de tudo, compreender a mulher por traz dessa história. Uma jovem sábia, que enfrentou o preconceito devido ao seu sexo e teve que se impor para obter respeito. Um drama épico, profundo e que traz para as telas do cinema inúmeros questionamentos, como a fé que cega, o preconceito contra a minoria e como todos estão sujeitos a tais práticas.
O diretor consegue compor um drama rico em detalhes, seja no figurino, na cidade criada para representar Alexandria ou em suas acomodações. Os questionamentos sobre a existência de Deus e sobre as ideias defendidas em cima do teocentrismo estão bem demarcadas e claras. Entretanto, o que fica mais nítido e interessante é o ponto de vista defendido por Amenábar em mostrar que todos estão passíveis a cometerem erros, falhas ou a se colocarem acima dos outros, seja pela sua crença ou pela sua condição. Nem Hypalia, que é a protagonista desta história sai ilesa. Suas ações também demonstram desigualdade, prova maior é que ela possui escravos. Ainda sobre esse assunto, é interessante perceber como esse tema foi abordado, nunca é levantado por ela ou pelo seu pai um posicionamento diante da escravidão.
A fotografia do filme em certas cenas consegue obter grandes momentos de beleza, destaque para cena de Hypalia sentada num rochedo observando o pôr do sol. A trilha sonora não chega a marcar ou ser brilhante, não que tenha percebido. No elenco, Rachel Weisz como Hypalia merece todos os créditos, uma atriz com atuações fortes, intensa, sempre profunda e delicada ao mesmo tempo. Oscar Isaac como Orestes também se sai muito bem, sua mudança de um jovem apaixonado para um prefeito tendo consciência de suas escolhas foi muito bem transmitida pelo ator.


 Ágora foi lançado em 2009 e teve um orçamento de 50 milhões, acho eu que não tenha conseguido se pagar. Sua estréia em Cannes obteve ótimas críticas da mídia especializada, mas no Brasil, ou até mesmo na América, não teve o mesmo êxito. Apesar de ter uma atriz de peso no trabalho e ter como diretor o ótimo Alejandro Amenábar (Os outros, Mar adentro), pouco se comentou desse drama.
Bom, apesar desses detalhes, o longa só possui elogios de minha parte, ao vê-lo é chato perceber como pensamentos tão antigos como o preconceito à minoria e a ignorância derivada das religiões continuam tão presentes no nosso cotidiano. O final do filme nos deixa comovido, mas ainda somos poupados de ver um fim totalmente trágico para Hypalia. Algo que não consegui compreender é por quais motivos o nome dessa filosofa não está escrito na história da filosofia de forma acessível para leigos como eu, que só tive a chance de conhecer essa personagem real por meio desse filme. É, se a história as vezes peca, ainda temos o cinema pra reviver alguns episódios.

domingo, 24 de julho de 2011

Deixando o vento apenas te levar


Dandelion conta a história de Mason Mullich, um jovem solitário que não vê muita perspectiva em sua vida. Sonha constantemente com seu suicídio, possui uma relação fria com sua família. O pai, Luke, trabalha numa fábrica e tenta uma vaga para vereador, sua vida nesse momento gira tudo em torno disso, sua mãe Layla, sempre deprimida, tem como únicos companheiros uma garrafa de vodka e comprimidos. Mas tudo muda quando chega a cidade Danny, uma garota extrovertida e sensível. O longa que começa de forma previsível e com personagens em até certo ponto clichês, simplesmente muda de rota após alguns minutos. O que era previsível torna-se instigante.
A família de Manson vive sob um eterno silêncio, seus pais não são felizes, há um grande abismo entre eles e o jovem percebe tudo, ou seja, nós todos podemos perceber. Não há diálogos entre eles e são nos olhares que estão contidas todas as palavras de dor, angústia e raiva por eles estarem vivendo uma vida que não planejavam em uma cidade pequena e distante de tudo.
Até esse ponto, todos os dias são iguais aos outros, até que devido ao um fato que acontece na história, Manson é levado a ficar longe de casa por dois anos. Após voltar, o que poderia ser um momento para ele se revoltar com todas as circunstâncias de sua vida, ele simplesmente mostra o contrário, a aceitação. A aceitação dos problemas, da falhas e imperfeições da vida.




É nesse momento o filme começa a brilhar e ganhar notoriedade, aqui a história não fica presa àquelas comédias dramáticas adolescentes em que o rapaz se revolta e apanha para compreender o valor da vida. Aqui, Manson olha tudo há em sua volta e percebe o que tem e o que não tem.
Após voltar à cidade, a relação com sua família ainda continua a mesma, mas pouco a pouco algumas coisas vão mudando. Sua relação com Danny também. Movido por uma ação espontânea por parte dela, os dois ficam juntos. Até esse momento tudo vai bem, mas novos ares aparecem sobre a vida de Manson novamente e o final, posso garantir, não é previsível, mas também não é surpreendente, é apenas aceitável.
O espaço geográfico consegue compor muito bem o drama do personagem. Durante o longa aparecem grandes vastos campos onde o vento sopra constantemente sobre a paisagem. Há nesse cenário um imenso silêncio, ausência de som essa que nos permite somente ouvir o ruído do vento guiando as folhas decaídas das árvores.
A própria flor Dente-de-leão, que dá nome ao filme, retrata muito bem de forma metafórica essa trajetória, a de deixar o vento te levar a todos os lugares possíveis e não se rebelar contra a vida ou o destino, mas simplesmente aceitá-lo. Pois serão nessas oportunidades que poderemos amadurecer, compreender a nossa vida e compreender o sentido de ser forte.






A fotografia do longa é bela, conseguindo aproveitar muito bem o cenário dessa pequena cidade, obtendo ótimas paisagens. Os atores jovens, apesar de serem novos, conseguem levar seus personagens, destaque para a mãe de Manson, Layla, uma bela atuação. A direção do filme é boa, nos entrega uma pequena produção independente cheia de qualidades.
Enfim, Dandelion é um filme contido, com poucas palavras, mas de grandes emoções e sensibilidade. Uma história sobre amadurecimento, sobre como adolescentes descobrem a vida e um dos seus lados mais negativos e percebem que nada é como flores, mas que mesmo com seus espinhos eles abraçam a vida de forma colossal.


quinta-feira, 21 de julho de 2011

Vivendo o acaso


“A gente se esforça tanto pra prever as coisas, mas uma coisa acontece agora e a gente não sabe onde vai dar”
Com uma trilha sonora envolvente, terna e constante em todo filme e tendo São Paulo com seu caótico trânsito como metáfora sobre a vida, o longa Não por acaso mostra como tentamos controlar nossas vidas e como o destino se coloca forte diante de nós. 
Enéias (Leonardo Medeiros) é um homem quieto, com uma vida presa ao seu trabalho, ou seja, seu trabalho é a sua vida. Seu emprego: guiar o trânsito por sistemas eletrônico. Por esse motivo, conhece todas as ruas, vias e rodovias da cidade. Tenta conduzir sua vida como coordena o seu trabalho. Tudo seguia normal até que um acidente de carro envolvendo sua ex-mulher muda sua visão sobre os fatos que lhe cercam. Ele simplesmente perde toda a estrutura. Mas outro porém acontece novamente em sua vida. Após alguns dias, aparece em sua casa uma garota chamada Bia (Rita Batata). Ela diz ser sua filha que havia descoberto pela mãe, pouco antes dela morrer, a verdade sobre ele.
Pedro (Rodrigo Santoro) é um jovem dono de bar que adora jogar sinuca. Mas o jogo não é simplesmente uma diversão, mas um modo dele levar a vida. Ele fabrica mesas e tenta participar de torneios. Namora uma garota simpática que ele ama. Ela acabou de se mudar para o seu apartamento e passou a alugar seu antigo para Lúcia (Letícia Sabattela). Tudo seguia normal na vida dele até que sua namorada morre no mesmo acidente de trânsito envolvendo a ex-mulher do Enéias. A partir desse momento o filme mostrará como esses dois personagens irão reagir a esse acidente que não estava planejado em suas vidas.




Vivemos planejando todos os passos, todas as decisões ou escolhas. Porém a vida não é tão simples assim. Tanto o trânsito como a mesa de sinuca representam essa nossa ideia de tentar gerenciar o nosso destino. Tudo é calculado e direcionado de forma sistemática, nada pode sair errado, porém, quando algo sai, todos ficamos paralisados, perplexos, sem reação.
Mas do mesmo modo como surgem fatos que nos deprimem, a vida nos coloca escolhas e situações que podem ser o momento de nos levantarmos e seguirmos adiante com a vida. Para Enéias é a descoberta de ter uma filha e a nova sensação de ser pai, para Pedro é a chegada de forma inesperada de Lúcia. Seus personagens estão amargurados e ressentidos, mas ainda tentam viver. É nesse ponto que o longa toca e passa a ser tão comovente.
Há muito mais silêncio do que palavras. Muito mais momentos de dor do que alegria, nada é forçado entre os personagens. As paisagens completam o que eles sentem. Eles não falam dos seus sentimentos. Nada é dito, nada é falado ou comentado, mas podemos perceber pelos seus olhares perdidos, pelos seus diálogos não completados.
O que é mais interessante nesse drama é que as profissões destes dois personagens representam e simbolizam o modo como levam a vida. As imagens das ruas e avenidas materializam a dor e a tentativa de compreensão de tudo o que aconteceu a Enéias. Com Pedro, as imagens das bolas sobre a mesa e a forma como elas são batidas e rebatidas compondo movimentos calculados e precisos, mostram a desorientação dele em não conseguir entender como aquela catástrofe podê acontecer.  




A dor está presente, a sensação de estar desorientado também. Porém, mesmo diante dessa ideia de estarem perdidos, eles tentarão prosseguir com suas vidas. Presos a lembranças do passado, ainda impactados com a situação do presente, tanto um quanto o outro tentarão dar continuidade à suas vidas.
Não por acaso é um filme brasileiro fora dos padrões da estética da fome ou da pobreza que consegue captar a alma, a dor e angústia de seus personagens. Um drama terno e sensível em que o grande de sua história está na condução dos seus personagens. Pessoas comuns em situações comuns a todos nós.
No elenco Leonardo Medeiros e Rodrigo Santoro levam com competência seus personagens, assim como Letícia Sabatella, Cássia Kiss e Rita Batata dão um brilho a mais nessa história.  




segunda-feira, 18 de julho de 2011

O som do cinema: Trilha sonora


“A música surge [...] como um elemento-chave, ou seja, como uma necessidade do cinema” (MORIN, 1997, p. 101). 
Aprofundar a percepção, perceber olhares, dramatizar cenas. Um assassinato, uma morte trágica, um silêncio prolongado, uma cena marcante, nada disso seria plenamente possível se não fosse a trilha sonora. Ela dá peso ao filme, consistência ao drama, suaviza uma tragédia, aprofunda e oferece ao espectador a sensação de agonia e eternidade a uma simples sequência de segundos. Ela traz beleza à história. Quem não se lembra da cena clássica de Psicose, de Hitchcock, em que a personagem Marionde (Janet Leigh) é assassinada no banheiro de um motel. A sequência que teve uma duração de 45 segundos ficou eternizada pela montagem inovadora da época e pela música que simplesmente marcou o filme.
Assim é a trilha sonora, é capaz de fazer o espectador se lembrar de uma cena ou longa somente pela sua melodia. Ela marca tanto um filme e se torna tão necessária que se a película existisse sem essa trilha em especial, não teria o mesmo sentido ou impacto. Mas para compreendê-la é preciso primeiramente perceber o som, é necessário buscar suas raízes, ir um pouco mais profundo nas bases de sua essência.
Como se percebe o som? Como captar suas mensagens? Como ele interfere em nossas lembranças? Como escutá-lo? “Para ouvir, basta-nos que os ouvidos sejam capazes, fisiologicamente, de captar o som; para escutar, é necessário que haja intenção deliberada, por parte de quem ouve, em desejar captar o som” (VALENTE, 1999, p. 35). Nesse sentido, ouvir e escutar, apesar de serem sinônimos, nestes estudos terão conotações distintas. 

Essência
Com o decorrer da história do cinema, poucos foram os estudos dados a essa área. Devido a sétima arte ser constituída em sua base por imagens, um estudo ligado exclusivamente ao ouvir torna-se difícil e quase impossível encontrar ou conhecer. Para se compreender o som no cinema, é preciso num primeiro momento, focar os estudos sobre o campo da música, pois afinal, a trilha sonora é feita ruídos, sons, ou todo e qualquer tipo de sonoridade e o que é música? Segundo Dantas (2010) a “música é a sucessão de sons e silêncio organizada ao longo do tempo”, ela pode ser divida em melodia, harmonia e ritmo. Melodia “é a organização simples de uma série de sons musicais, constituindo-se o elemento principal da música. É a sequência de sons que você vai cantar ou tocar” (DANTAS, 2010), ritmo é o tempo de cada parte da melodia, ela age em função da duração do som, ela dá o movimento sonoro na música e harmonia “é a combinação dos sons ouvidos simultaneamente, é o agrupamento agradável de sons” (DANTAS, 2010).
A música assim como o cinema sofreu diversas transformações com o passar dos anos. Amplamente estudada, o conceito sobre essa sucessão de sons tornou-se polêmico com o avanço dos estudos, ou seja, a junção de qualquer som é por obrigação uma música? Nesse caso, não entraremos nos detalhes e méritos dessa questão, mas é preciso perceber que qualquer sonoridade, pode-se receber o conceito de música e sabendo usá-la, poderá perfeitamente obter uma melodia agradável e rica em complexidade e estudos. Duas dessas sonoridades que os teóricos da música perceberam com o tempo são o barulho e o silêncio .


Com a revolução industrial, novos sons como interferências e ruídos foram incorporados ao ritmo da sociedade, nesse sentido, o homem teve que aprender a acompanhar essa nova melodia. Segundo Valente (1999, p. 33): “As conseqüências da ploriferação do ruído – o barulho – foram indubitavelmente determinantes no que diz respeito aos modos de ouvir, pois promoveram uma mudança perceptiva [...] cuja origem se encontra na transformação da paisagem sonora”.
Nesse caso, entende-se por paisagem sonora os estudos sobre qualquer ambiente, seja real ou abstrato, natural ou industrial, qualquer esfera sonora, desde uma partitura musical, um programa de rádio, o som de um trânsito ou aos sons naturais de uma fazenda (SHAFER, 1991) e compreende-se como barulho ou ruído todos os tipos de melodias ou arranjos que interferem no som comum das harmonias, trazendo uma dificuldade ao que está ouvindo em tentar decifrá-la. Esse ruído pode ser desde a buzina de um carro a uma produção industrial, construção, um trem em movimento ou da água escorrendo por uma calha, em relação ao ruído, iremos abordar mais a frente.
Numa sociedade marcada pelas imagens, se ater ao som não é uma tarefa fácil, entretanto não é impossível, já que o “nosso século é marcado, desde os primeiros anos, pela invasão deste barulho“ (VALENTE, 1999. p. 30), ou seja, perceber o som é um exercício de ouvir, pois ele está abundantemente ao nosso derredor, “foi somente o crescimento abrupto do barulho que permitiu ao ruído ser percebido, delineado, questionado” (VALENTE, 1999. p. 43). Ruídos, murmúrios, gritos, silêncios, todos esses detalhes fazem parte dessa melodia.
Segundo os estudos de Pierre Schaeffer (1966|), o ato de escutar passa por quatro fases, quatro níveis: ouvir, escutar, entender e captar, mas em relação a essa característica do som, outros teóricos também desenvolveram teses e trabalhos que tentam classificar a captação do ouvir. Conforme os estudos de Santaella (1986) e J.J. Moraes (1985) pode-se separar o ouvir em três níveis: de forma emotiva, com o corpo e intelectualmente. “Ouvir emotivamente (qualidade de sentir incerto e vago, comoção, emoção), ouvir com o corpo (característico da dança ritual, dança coreografada e música e corpo encontram-se em contigüidade), ouvir intelectualmente (apreensão hipotética, apreensão dos elementos estruturais, apreensão da música como forma de pensamento)” (SANTAELLA, 1986 apud VALENTE, 1999, p. 35).

Referencias
DANTAS, Tiago. Música. 2010.
Disponível em < http://www.brasilescola.com/artes/musica.htm>.
MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginário. Tradução António-Pedro Vasconcelos. Lisboa: Editora Relógio D’Água. 1997.
SANTAELLA. Lucia; NOTH. Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Editora Iluminuras, 2008
SHAFER, Murray. O ouvido pensante. São Paulo: Editora UNESP. 1991
VALENTE, Heloisa de Araújo Duarte. Os cantos da voz: entre o ruído e o silêncio. São Paulo: Annablume. 1999.

sábado, 16 de julho de 2011

7 Minutos no paraiso

 

Um filme simples, porém bonito, simpático e extrovertido

Esse é um daqueles filmes da década de 80 que, em minha opinião, conseguiu marcar uma geração. Sem se prender a uma garota deslocada que se apaixona pelo cara mais popular do colégio, o filme retrata apenas a amizade de três adolescentes e suas buscas incessantes de simplesmente se conhecerem e viverem desilusões comuns dessa idade.

Esse longa passava constantemente na sessão da tarde, eu o assisti na minha adolescência umas três vezes, nunca consegui mais informações sobre ele, o que me marcou fortemente foi o título e a música tocada ao final ilustrando o desfecho do longa.

Com suas roupas em até certo ponto ridículas, músicas gostosas e despretensiosas, tardes em que se passavam nas ruas conversando, jogando algum esporte, “paquerando”, enfim, situações comuns, o longa consegue invocar esse momento tão década de 80. E isso não é nada fácil no cinema, poucos são os filmes que conseguem retratar de forma verdadeira e convincente uma geração.

Natalie é uma garota séria e muitas vezes aparenta ser madura demais para alguém de sua idade. Seu pai trabalha constantemente e por esse motivo, passa dias fora de casa. Ela tem uma amiga, Polly, que vive se apaixonando pelos rapazes que trafegam pela sua vida. E por fim Jeff, que vive um momento meio desconfortável e delicado com seu padrasto. O longa vai retratar como esses três jovens conseguem lhe dar com as dificuldades imposta pela vida, ou por problemas rotineiros.

Amores, maturidade, futuro e sexo são temas que rodeiam esses adolescentes. Desilusão é a palavra que vai marcar todo o filme. Natalie se envolve com um rapaz que possui um relacionamento bem aberto com outras garotas. Ela sabendo disso, não entende como é esse relacionamento até viver na experiência. Polly terá uma tarde meio eufórica com um jogador de beisebol, achando que ele realmente gosta dela, ela irá até Nova York atrás dele. Jeff saiu de casa por que não agüenta mais a pressão de seu padrasto lhe cobrando que valorize os estudos e no meio disso tudo, sente a falta de seu pai.

O longa tem uma simplicidade muito cativante. A trilha sonora é usada ao máximo durante todo o filme, as vezes estraga as cenas, mas em outras acerta, entretanto ela ainda consegue dar identidade ao filme. O que vemos são apenas adolescentes em suas descobertas. A música que toca ao final do longa é deliciosa, pena que a diretora deu pouco espaço nas cenas finais do filme.

Os diálogos são simples, com alguns toques engraçados, principalmente quando Polly pergunta a Bill o que é e como é um orgasmo. Em falar nisso, muito interessante o modo como o filme aborda a virgindade e o quesito sexo. Bem diferente dos dias atuais com suas comédias escrachadas que são destinadas aos jovens e adolescentes.

A direção é simples, faz um filme comum, sem grandes planos ou grandes momentos criativos, ela resolveu dar mais enfoque aos personagens. Em falar nisso, no elenco temos uma Jennifer Connelly em inicio de carreira, seus traços e expressão permanecem os mesmos até hoje. Cenas marcantes deixo para a final, como já comentei anteriormente, os três juntos correndo numa rua ao som de “Dear You” interpretada por Josie Aiello.

No mais é um filme bacana para se curtir numa tarde lembrando de como foi essa década, para os que a viveram, a sensação deve ser de saudades e para os que não viveram, no caso eu, a sensação é de curiosidade.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A Árvore

Qual é o tamanho de uma alma?”

A história que gira em torno desse filme é forte, intensa e comovente. Simone (Morgana Davies), uma garota com seus oito anos, leva uma vida normal com sua família, até que uma tragédia acontece> seu pai morre repentinamente diante dos seus olhos.

O que poderia ser a ruína para essa garota, torna-se algo que não ganha tanta importância, pois aos olhos dela, o espírito de seu pai ainda continua perto dela, agora habitando dentro de uma grande figueira do jardim de sua casa.

Dawn (Charlotte Gainsbourg), a mãe de Simone, sente o peso da morte do marido. Após o enterro se afunda num luto sem fim. Não consegue receber visitas em casa e nem tem forças para levantar da cama. Seu filho mais velho, Tim (Christian Byers), tenta ocupar o lugar do pai como homem da casa: estabelece ordem entre os irmãos, tenta procurar um emprego e cobra de sua mãe simples tarefas.

Quantos aos outros pequenos, vão vivendo da maneira que podem, mas todos da família estranham a normalidade de Simone e sua estranha ligação com a árvore até que ela revela a todos o motivo para tal conforto.


O que é mais interessante nesse momento do drama é que apesar dessa história não ser real e tanto a mãe, quanto o irmão mais velho de Simone saberem que ela apenas criou essa ideia para conseguir suportar a perda do pai, todos brincam e tentam acreditar que isso possa realmente ser verdade.

Apesar de fatos estranhos acontecerem à família envolvendo essa figueira, todos sabem que isso não é real, mas ainda eles têm fé que de uma maneira, o espírito desse pai/marido ainda esteja perto deles.

A vida continua e toda família tenta seguir adiante, menos Simone. Dawn fica presa numa balança, guiada pela dor, não quer esquecer o passado, porém ao se relacionar com um novo homem, tentará construir um novo caminho. Porém Simone não aceita essa nova relação da mãe. Mesmo tendo passado meses após a morte do pai, ela sente e acha que sua mãe o está traindo. A própria Dawn fica apreensiva em continuar com essa relação, pois ainda sente-se presa ao falecido marido.

Para piorar a situação, a figueira começa a apresentar graves problemas que passam a prejudicar os vizinhos e até a própria casa da família, mas a insistência de Dawn em deixar a árvore como está apenas aumenta o imaginário que Simone projetou sobre a figueira.

Com um drama profundo, a diretora Julie Bertucelli (Desde que Otar partiu )entrega um longa muito terno em seus sentimentos. Em nenhum momento do filme há provas de fato que isso possa estar realmente acontecendo. Nada fica claro, mas o modo como a câmera foca na árvore, a trilha que ganha peso nas horas em que Simone conversa com seu pai, ou melhor, a figueira, dão a entender que a diretora quer que acreditemos na visão ingênua dessa garotinha. Porém, no fundo ainda temos conhecimento de que a verdade está presente e essa é dura e dolorosa.

A perda é algo irreparável, a confrontamos de modos distintos, ou às vezes, fugimos dela, nos acovardamos ou apenas, criamos mundos, ideias ou situações irreais para que assim possamos continuar com a vida. Simone está passando por esse momento, a ideia desenvolvida pela pequena sempre se dá por meio de indiretas: é o vento que balança os galhos da figueira, são as raízes que sobem a superfície, é um tronco que cai sobre o quarto de Dawn, mas tudo isso diante de uma explicação racional.



Do mesmo modo que a diretora propõe que venhamos a acreditar nessa história, ela quer que não esqueçamos o ponto em que ilusão e verdade devem se separar. Tanto a realidade quanto a imaginação são importantes para nós, pois cada uma ao seu tempo é imprescindível para o nosso crescimento. Assim como a imaginação nos dá forças, a verdade nos move e essa virá sobre a vida de Simone, com ela aceitando ou não o fato sobre a morte de seu pai.

Com delicadeza “A árvore” nos mostra como o luto pode ser doloroso, mas vivê-lo é um modo de seguirmos adiante. Sentir a dor e a perda e chorar pelos que se foram faz parte da vida. A imaginação e a ilusão podem até nos dar uma sensação de conforto, mas elas não mudarão a verdade ao qual nós estamos inseridos.

No elenco, Charlotte Gainsbourg brilha como Daw, assim como Morgana Davies na pele dessa garotinha tão imaginativa e meiga. O filme possui uma bela fotografia com cores quentes e secas. A trilha é envolvente e a direção é segura e de certa forma um pouco distante dos acontecimentos. Enfim, um filme terno e belo.

domingo, 10 de julho de 2011

O quarto do filho: um momento para a dor

A morte é algo irreparável. Nos deparamos com ela de maneiras distintas. Cada um, ao seu modo, tenta superá-la. É sobre esse assunto que o longa O quarto do filho trata

Com uma história simples, somos apresentados a uma família como qualquer outra. Como todas, eles também possuem problemas, às vezes, uma falta de comunicação, atenção ou afeição, mas ainda são unidos.

Giovanni, o pai, trabalha num escritório dentro de casa como psicanalista. Lá, seu trabalho é ouvir e tentar orientar os pacientes que lhe aparecem com os mais diversos problemas. Nesses pacientes, percebemos que todos apenas desejam ser ouvidos, desejam falar das coisas mais simples, como o que fizeram no seu dia, à assuntos mais complexos, como o desejo da morte ou problemas sexuais. A função dele é ouvir e é isso que ele faz, mas o trabalho lhe rouba tempo, muito tempo. 

Paola, a mãe, trabalha fora como editora. Divide a agenda do dia ainda como mãe e os afazeres domésticos. A filha mais nova é séria e decidida, um pouco distante, parecendo não precisar da atenção ou carinho dos pais e possui um namorado ainda mais estranho. Por fim, Andreas, o filho, é sensível e distante.

O filme começa com o pai indo ao colégio para conversar com o diretor sobre algo que o filho fez. No caso, um fóssil foi roubado do laboratório e acusaram Andreas do crime. Ele nega, depois descobrem que o garoto que o acusou havia mentido, mas o fato dele ter roubado era verdade. Apos isso, Giovanni acha que tem de passar mais tempo com o filho.

É nesse momento que acontece uma tragédia levando Andreas a morte . O que vemos depois é a quase degradação de uma família. Cada um sofre essa perda. A mãe se lança em lágrimas. O pai tenta manter o trabalho e a filha tenta se manter forte. Todos tentam se manterem vivos, mas na verdade estão se desmoronando.

Sensibilidade, ternura, graciosidade, é com essas características que o diretor vai guiar esse filme. Um drama onde as lágrimas estão sempre presentes, em cenas em que sua presença é mais do que real e nada forçado.


Todos os personagens tentam encontrar um culpado para tal fato, mas nada falam sobre isso. Todas as dores e amarguras são interiores, nada é expresso, apenas a certeza da perda, a certeza de que algo está faltando. Em certos momentos, Giovanni tem pensamentos que se constroem em sua imaginação ilustrando como seria se isso não tivesse acontecido, se tal paciente não tivesse ligado. O remorso e a incapacidade de retroceder o tempo o martiriza.

Com uma história sensível sobre perda e culpa, uma trilha sonora sempre presente, uma bela canção ao final do filme, ótimas atuações, singelas e constantes e uma direção segura que não deixa o filme cair em nenhum momento no melodrama, o filme consegue nos mostrar como a dor e a morte podem ser difíceis de serem aceitas. O longa se sustenta pela sua simplicidade, seja em sua história ou no seu roteiro. Não é algo para ser ter um fim, mas para tentar ser superado.

O quarto do filho levou a Palma de Ouro em Cannes, mas foi pouco comentado e divulgado no Brasil. Uma pena, pois é uma pequena jóia que nos mostra os valores familiares numa sociedade marcada pelo individualismo.

Julie & Julia

Simples, prazeroso, divertido, uma comédia mais que gostosa.

A culinária sempre rendeu bons filmes para o cinema. Quem não se lembra da divertida animação Ratatouille ou da deliciosa comédia independente A garçonete.

Nesse sentido caminha esse Julie e Julia. Uma história simples, porém recheada de ótimos momentos, atuações esplêndidas e uma leve trilha sonora, além de uma direção que consegue fazer com que o filme caminhe entre uma comédia suave e prazerosa e um drama consistente e comovente.

Julia Child é uma americana que passou a morar em Paris por causa do trabalho do marido, Paul (Stanley Tucci). Em busca de algo para matar o tempo, ela passa a se interessar por vários assuntos, até que encontra na culinária sua real vocação. De uma mulher que adora comer a uma grande cheff, foram anos de dedicação, mas que valeram à pena, pois se tornou tempos mais tardes numa das grandes cucas nessa área, chegando a apresentar um programa de culinária para a TV e escrever um livro que se tornou referência no meio.

Cinqüenta anos mais tarde Julie Powell está prestes a completar 30 anos e entra numa verdadeira crise, frustrada com a vida que está levando. Em busca de um objetivo, ela resolve fazer e testar as 524 receitas do livro de Julia num prazo de um ano. Ao longo dessa jornada ela irá escrever um blog sobre as receitas e as dificuldades que está tendo.


Com duas histórias reais, a diretora constrói um filme simples, porém muito engraçado e radiante. As duas correm paralelamente, sendo que uma dá gancho a outra. O arco em torno de Julia retrata a sua vida na França, a busca por tentar escrever um livro de culinária francesa para americanas (algo inexistente na época) e posteriormente, suas diversas mudanças de cidades e países devido a trabalho do marido.

Já a historia de Julie se centra apenas em seu objetivo, conseguir cozinhar todas as receitas do livro de Julia, receitas essas nada simples, pois venhamos, desossar um pato não deve ser nada fácil, se já um frango é um trabalho imenso (rsrs, já fiz isso), um pato, nem quero imaginar

Mas além dos pratos franceses excelentes que nos são apresentados, o longa possui uma química, uma liga muito deliciosa. Apesar do filme ser um pouco longo, ele consegue manter um ritmo agradável que faz não percebermos o tempo.


Com atuações magníficas, Julia e Julie se concentra nas duas atrizes para conseguir a sua maior graça. Meryl Streep está radiante como Julia Child, uma americana que se aventura na culinária francesa e tem como sonho e objetivo de vida lançar um livro com as mais altas receitas da culinária gastronômica francesa para a língua norte-americana. Desde suas cenas inicias, ela mostra um ar de simpatia, sua risada ecoa por todos os lados, seu jeito exagerado do mesmo modo que espanta a todos, os conquistam. Por mais que todos lhe falem que isso é simplesmente impossível, ela sorri e com um estilo contagiante segue em frente. Sua atuação é soberana, ela simplesmente rouba todo filme para si.

Amy Adams como Julie Powell está incrível, uma norte-americana que está passando por um momento de crise e que vê nas receitas de Julia e no desafio de fazê-las em um ano, uma forma de confrontar a situação de sua vida, não vencê-la, mas apenas confrontar. Sua atuação é graciosa, singela, divertida e verdadeira

As ações que regem a história de Julie são mais interessantes dos que as Streep, mas ainda não conseguem a vibração dela, devido a presença mais do que forte dessa atriz, que além de contar com um ótimo carisma, tem como elenco de apoio Stanley Tucci, numa atuação discreta e formidável e também a excelente Jane Lynch, a Sue do seriado Glee, com irmã de Julia, as duas juntas são uma figura.



Tanto uma quanto a outra dessas Juli, têm uma jornada a seguir. Seus caminhos não se cruzam, mas a forma como a diretora guia a história é muito boa. Nora Ephron é uma diretora com filmes regulares. Suas duas comédias românticas Mensagem para você e Feiticeira foram boas, entretanto faltava algo a elas, um ingrediente que as deixa-se não apenas boas, mas também interessantes. E é esse algo que a diretora consegue colocar nesse novo longa. Uma simplicidade guia o filme, ele não possui grandes ambições, há cenas cômicas, mas também há momentos em que se percebe um pequeno drama profundo e coeso que chega ao existencial.

A maneira como a história de Julie é desenvolvida é muito boa, a atriz consegue nos passar as dúvidas desta personagem e a pressão que ela mesmo cobra sobre ela para ter algo na vida que seja de valor.

A insistência de Julia em continuar a gastronomia francesa não a impedem de apoiar o marido num momento pelo qual ele está passando que é um dos mais delicados. Além do mais também, há também a questão dela não poder ter filhos, fato esse que se percebe apenas pelos olhares e circunstâncias de dor dos dois. Essa informação não foi bem trabalhada pela diretora, que resolveu citar por meio de duas cenas muito marcantes.

Todas essas questões e inquietudes são transmitidas com competência pelas mãos da diretora e com uma ajuda maravilhosa graças ao trabalho extraordinário dessas duas grandes atrizes. Um drama terno, com bons momentos, está certo que ele é um pouco longo demais, mas seu desfecho compensa. Enfim, assim é Julie e Julia, um filme que literalmente dá água na boca.

sábado, 9 de julho de 2011

Meia noite em Paris

Woody Allen entrega um filme cheio de graciosidade, numa história gostosa e irreal e com um elenco espetacular, em que até um regular Owen Wilson leva com maestria seu personagem.

Gi (Owen Wilson) é um escritor de roteiros para filmes e está escrevendo um romance, porém sente que a obra não está rendendo. Numa visita a Paris conjuntamente da noiva, Inez (Rachel McAdams) e dos pais dela, ele sente como se essa cidade fosse a inspiração que lhe faltava. Apaixonado pelo passado, em especial pela década de vinte, e por grandes escritores que trafegaram por esse momento histórico, Gil quer conhecer todos os cantos, cafés e esquinas de Paris. Definitivamente ele deseja morar na França, mas sua noiva não pensa do mesmo modo.

Numa das noites caminhado pela cidade, ele é transportado para essa década que tanto deseja onde conhece e passa a conversar com todos os seus ídolos: grandes escritores, músicos e homens que marcaram presença na história.

Após essa noite, enquanto sua esposa sai, bebe e dança com os amigos, incluindo um sujeito chato que está claramente dando em cima dela, Gil caminha pelas ruas da cidade, esperando ser transportado para o passado novamente, para sentir toda a vibração dessa Paris que respira arte.

Pelas noites conversará com as mais altas figuras como Pablo Picasso, Zelda e F. Scott Fitzgerald, além de pegar uma carona com T. S. Eliot, trocar assuntos com Ernest Heminggway e conhecer uma bela e atraente moça chamada Adriana.


 

Meia noite em Paris é um filme divertidíssimo, em que a imaginação do diretor flui de uma forma impressionante. Alguns nomes reconheceremos rapidamente, outros, bom, depende do nosso grau de conhecimento, pois várias serão as personalidades apresentadas no decorrer do longa.

Após alguns filmes não tão bem sucedidos como Vick Cristina Barcelona, Scoop – O grande furo e Você vai conhecer o homem dos seus sonhos, Allen agora escolhe Paris como sua cidade e faz dela sua protagonista neste belo filme em que o passado ganha glamour.

Mais do que glamour, o que o diretor quer abordar é como somos apaixonados, atraídos e aficionados pelo passado, por uma década, por um tempo. Um tempo em que, aos nossos olhos, tudo era mais belo, gostoso, idílico e vivo. Mas em meio a tanto fascínio por um tempo que já passou, o que percebemos é que sempre lembraremos do passado pelos seus bons momentos, pelas suas alegrias e não pelos seus defeitos, falhas, dias cinzentos ou chuvosos em que a vida não trafegava com tanta vivacidade.

Gil representa esse sujeito, um homem preso a um passado belo e que não consegue ver a grandiosidade em seu tempo. Não que ele esteja fugindo de sua realidade, mas apenas acha que tudo seria mais interessante, diferente e contagiante se tivesse vivido numa década diferente, pois a dessa ele não consegue se estabelecer.




Mas como ao final sempre há uma boa lição, aqui nosso herói também compreende o que tem. Percebe o real valor do presente e a doce e mera ilusão do passado, mas ele demora um pouco pra chegar até tal conclusão e enquanto esse momento não chega, somos agraciados com ótimos momentos, conversas hilárias e encontros maravilhosos e com figuras interessantíssimas. Afinal, Salvador Dali (Adrien Brody) e seus rinocerontes são uma cena a parte e merece todos os créditos.

No elenco, grandes nomes em atuações deliciosas, Allen ate conseguiu a proeza de obter uma ótima presença de Wilson, ator meio regular de comédias românticas. Rachel McAdams está insuportável, como sua personagem deve ser, assim como Marion Cotillard está encantadora na pele de Adriana. Outros nomes ainda aparecem no longa como Katy Bates e Adrien Brody. Tem até uma primeira dama Carla Bruni convincente no papel.

Na trilha sonora, ótimas músicas. Na abertura, belas paisagens de Paris em que até aqueles dias chatos de chuva ganham contornos belos, intimistas e gostosos. Realmente, Allen consegue transportar para o cinema o melhor desta cidade.

Meia noite em Paris é isso, um filme charmoso, elegante, divertido, inteligente, com um roteiro super genial e um elenco agradável. Na verdade, esse filme é um fôlego de vida na carreira deste que é um grande diretor.


terça-feira, 5 de julho de 2011

Dúvida

Seguro, denso e instigante.

Com uma bela fotografia mostrando os subúrbios de uma Inglaterra; uma trilha sonora marcante e forte; uma direção firme com um roteiro inteligente, ácido e indireto e por fim, um elenco formidável, o competente Dúvida se estabelece como um dos melhores filmes do ano de 2008.

Flynn (Philip Seymour Hoffmam) é um novo padre na paróquia. Carismático e querido por todos, ele quer colocar em prática suas ideias de uma igreja mais acolhedora e compreensiva do que autoritária. Nesse caminho vai enfrentar o poder e teimosia da Irmã Aloysius (Meryl Streep), uma freira rude que conduz com mão de ferro o colégio que a igreja administra.

Ela preza pelos dogmas e bons costumes antigos e faz de tudo para mantê-los, orientando as irmãs em seus serviços, as ajudando com as crianças e de certa forma as protegendo. Todos os alunos e freiras a temem e os padres a respeitam. Porém quando a Irmã James (Amy Adams) vê uma cena um pouco estranha aos seus olhos e comenta para ela, começa um confronto entre a Irmã Aloysius e o padre. Uma guerra que pode ser injusta, pois entre um padre e uma freira, ele de longe possui mais visibilidade diante da congregação. Mas qual é a acusação que impera sobre o ele: a pedofilia com relação a um garoto negro.



O filme começa de forma magistral. Ao som de um piano e com uma fotografia gélida é mostrado em estilo gótico o ambiente do pequeno subúrbio e a catedral da igreja. Durante a missa, alunos tentando se livrar das rédeas das freiras e sendo pegos pela Irmã Aloysius e o Padre Flynn usando da palavra para falar sobre valores que devem ser respeitados. Nestas primeiras cenas podemos perceber a diferença no comportamento e ponto de vistas desses dois personagens que são extremamente opostos.

As diferenças de tratamento entre essas duas figuras (padre/freira) são mostradas pelo diretor de forma bem interessante, pelos detalhes. Uma cena que demonstra isso é as que abrem o filme mostrando as irmãs jantando. Nela todas oram e respeitam esse momento, a refeição é saudável e simples, em seguida tem-se o ambiente dos padres totalmente distinto. Vinho no lugar de leite, uma refeição nada humilde, com todos conversando sobre os mais diversos assuntos, contrariando o jantar silencioso das freiras. A iluminação serve também para distinguir esses dois ambientes: claro e lípido para as freiras, tons escuros para os padres.

Ao decorrer do drama o que se vê na história é um jogo de acusações, com ou sem fundamentos, entre essas duas figuras de extrema importância da Igreja. A dúvida é posta por todos. Melhor título não poderia existir para esse filme, pois tudo está ligada a essa palavra. A irmã Aloysius o acusa, mas sem ter total certeza. O padre se defende, mas não sabemos até onde vai sua inocência. No meio dessa luta está a Irmã James que fica apreensiva em quem confiar. Ela seria um tipo de termômetro sobre quem está mentido melhor.




Mas diante desse fato a freira também fica apreensiva em levar essa história a diante, pois o garoto envolvido nessa trama é pobre e o primeiro negro a freqüentar o colégio. Vitima de humilhação e racismo, só tem ao padre como pessoa que pode protegê-lo e ela tem conhecimento disso. Atacando ao padre, acertará o garoto. Sabendo sobre esse fato, ela vai conversar com a mãe do adolescente, nesta cena se concentra um dos melhores momentos do filme, com diálogos fortes e grandes interpretações. Nessa história ninguém é inocente.

Meryl Streep está radiante nesse drama, seu olhar e postura são digno de uma indicação ao Oscar de melhor atriz. Ela simplesmente carrega o filme, suas insinuações ao crime do padre e a forma como ela manipula a irmã para que ela fique ao lado dela são incríveis.

Hoffmam também entra em cena com uma atuação vigorante e forte, assim como Amy Adams, mas quem rouba a cena e ainda por cima fatura uma indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante é Viola Davis como a mãe do garoto. Em uma única cena ela demonstra toda a força de sua personagem, uma mãe que faz de tudo para proteger e assegurar um futuro melhor para o seu filho.



O fim como todo o longa é emblemático, porém finaliza de forma quanto um pouco comovente, meio que estragando toda frieza de uma personagem tão marcante, mas ainda sim, o filme se mantém como um bom drama.

Não há como não se deleitar nessa história em que todos estão jogando com as verdades e ninguém sabe ao fato até que o ponto o que é verídico ou não nesse drama todo.

Baseado numa peça, Dúvida teve três indicações ao Oscar, todas ligadas ao elenco, ou seja, um filme de atores. Além disso, esse filme colcou ainda mais lenha na fogueira sobre a relação da Igreja Católica e o envolvimento de padres com adolescentes