terça-feira, 27 de outubro de 2015

Sangue Azul


Quando um filho retorna para casa, traz consigo sonhos antigos, alegrias antigas e uma paz, o filho para casa retorna.

Neste novo drama nacional, temos Zola (Daniel de Oliveira), um jovem que há muito tempo deixou sua cidade e viajou pelo mundo com um grupo de circo. Anos se passaram e tornou-se numa grande apresentação, o homem bala. Conheceu lugares, cidades e pessoas, viajou o mundo e depois de anos, retornou a sua antiga cidade, uma ilha, esquecida pela tecnologia, esquecida pelas grandes cidades, um local onde o tempo está como o grande senhor.
        
Ao retornar trouxe consigo esta alegria, a do filho que retorna, entretanto envolta de preocupações. Seus familiares e amigos ficam num misto de alegria e desconfiança. Fantasmas do passado podem retornar e com mais força. Há um drama que envolve este rapaz, jamais ninguém comenta, mas todos sabem o que de fato acontece.

“Sangue azul” faz referência ao poder que estava sobres os reis, dado por Deus. Somente eles podiam reinar e governar suas terras, eles tinham sangue azul. Para manter tal pureza, casavam-se entre membros de sua própria família. No Egito Antigo, o casamento dava-se até entre irmãos. É sobre esta relação que o drama aborda. Sobre irmãos, que crescem juntos e que desenvolvem entre si uma relação que vai além de um simples elo de irmãos.

Zolah é este irmão que quando pequeno é enviado pela mãe para ser criado por essa trupe do circo. Raquel (Caroline Abras), sua irmã, fica na ilha, torna-se mergulhadora e se casa. Quando os dois se encontram, há uma relação e uma tensão entre eles que se percebe de longe, pelos olhares, pelos gestos e pela expressão facial.
            
Zolah tem uma relação com a dançarina do circo, mas durante todo o drama ele mantém relações sexuais com outras mulheres. Há uma tensão sexual em seus atos, seria isso uma forma de escape? Uma forma de amenizar o desejo que sente pela irmã? Já Raquel, após a chegada do irmão na ilha, se afasta cada vez mais de seu marido. Estas relações entraram num conflito e todos da ilha serão impactados por tais atos.
            
Presos na ilha, todos desejam deixar a cidade, mas Zolah insiste em permanecer. Mas o público do circo cai e acidentes acontecem. Neste meio termo, este jovem tem que enfrentar os próprios sentimentos do passado, sentimentos este ligado ao abandono de sua família e tentar compreender qual foi o motivo que permitiram que ele partisse com o circo.



            
“Sangue azul” caminha lentamente, buscando seu próprio caminho. Com uma abertura moldada por uma fotografia em preto e branco, este drama não deseja ser adorado por todos, mas mostrar uma história ousada, com um tema delicado e difícil de ser trabalhado. Neste filme, temas como incesto e homossexualismo são abordados com uma delicadeza impressionante. Não há sensacionalismo em cima, mas uma abordagem singela e com respeito.
            
Um ponto a se perceber neste drama, é que ele faz uma leve referência a outro grande drama, cheio de simbologias e metáforas, “Lavoura Arcaica”. Neste, como naquele filme, o retorno do filho que partiu, traz consigo conflitos, tragédia e desgraça. O pior está para acontecer, mas se em “Lavoura Arcaica” o mal acontece, neste “Sangue Azul” ela é apenas mencionada, dita, mas não mostrada, deixando para quem vê o longa, apenas imaginar a tragédia que estará para acontecer.
            
A trilha sonora presente no drama tem uma interação muito gostosa, um instrumental delicado, que as vezes chega a ser profundo, as vezes suave. A fotografia sempre privilegia as paisagens naturais, com destaque para a praia, um lugar intocável, um lugar em que a modernidades das cidades grandes não conseguiram penetrar. 



O elemento da água sempre está constante no filme, como elemento de fluidez, de transformação, de confronto e de constância. As águas correm e por mais que venhamos colocar obstáculos à sua frente, ela corre e nada pode impedi lá. Esta relação pode ser colocada na ideia que se estabelece entre estes irmãos. Por mais que os familiares tentaram separá-los, por mais que a distância entre eles tenham sido grandes e tempos tenham passado, ainda sim, nada disso foi de fato forte para impedir que o pior acontecesse e este mal fosse evitado.

            
Divido em capítulos, cada capítulo demarca a estrutura do filme. Em todo drama há um “q” de existencialismo, um tom de mistério e de predestinação. Uma certeza paira sobre todo longa, uma certeza envolta de tragédia. 

Assim é este “Sangue azul”, calcado no melhor da tragédia que as histórias podem conter. No elenco grandes nomes do cinema nacional como Daniel de Oliveira, Milhem Cortaz, Matheus Nachtergaele. 


terça-feira, 6 de outubro de 2015

"Entre abelhas" e a beleza do cinema nacional


Quando o silêncio ecoa, a solidão prevalece e a morte entra em cena.

Bruno (Fábio Porchat) terminou seu relacionamento recentemente, no caso, terminaram com ele. Ele ainda ama a esposa e não compreende porque chegaram onde chegaram. Voltando a morar com sua mãe, ele claramente está deprimido.

Seu amigo, Davi (Marcos Veras) tentando ajuda-lo, o chama constantemente para sair, seja bares, baladas ou qualquer lugar, menos ficar em sua casa. Ele aceita, mas não possui vontade, desejo ou algum motivo que o mova.

Entretanto, em meio há tantos problemas, algo de estranho acontece. Pouco a pouco, todas as pessoas a sua volta começam a desaparecer, no caso, ele não consegue mais vê-las. Por qual motivo? Como resolver este problema?

Sua mãe ao saber disso, não entende, ela até tenta acreditar, mas parece algo impossível isso. Ela então o leva a um psicanalista. Durante as análises, um dos motivos dados pelo especialista é que Bruno está tão mergulhado em seus problemas que simplesmente ele não deseja mais ver as pessoas ao seu redor; ou no caso, estas pessoas não tem mais importância para ele, por isso esta invisibilidade. 

A alegação do psicanalista faz sentindo, pois as primeiras pessoas a simplesmente sumirem são desconhecidos ou antigos amigos. Bruno entra em pânico, porém num primeiro momento nós, espectadores, não vemos isso dessa forma. Entretanto, pouco a pouco a lista dos invisíveis torna-se maior que a dos visíveis. Após uma cena em específico, o drama muda de direção e o que era engraçado, torna-se preocupante e Bruno se vê numa situação delicada. Então o que fazer?





“Entre abelhas” se utiliza de uma metáfora para abordar um tema interessante, a depressão. Ora, quando a tristeza vem, ela chega de forma avassaladora. Perdemos a razão, os motivos ou qualquer outro ponto de referência. Simplesmente tudo torna-se sem chão. Bruno está passando por este processo de luto, porém há sobre ele além desta tristeza necessária, um egoísmo que sempre existiu sobre ele. Bruno se fecha em seu mundo e só dá atenção a sua dor, ao seu mal-estar, a sua mágoa. Não percebe os problemas que estão relacionados ao seu amigo e ele sempre os comenta para ele, não percebe os problemas que envolvem sua mãe e há todo momento, o longa nos dá indícios que ela não está bem. O único problema que ele está interessado em resolver é voltar com sua esposa.

Nada o preocupa mais, nada o faz pensar em mais nada, todo seu mundo está direcionado a resolver este problema. É neste aspecto que se encontra a graça deste longa, ele trabalha com um tema pesado de forma leve e a medida que o problema revela sua seriedade, o longa também torna-se sério e dramático.

Neste longa percebe-se dois filmes, numa primeira parte há um tom de comédia perdurando sobre todo o longa. As cenas iniciais do drama se apoiam numa comédia moldada pelo cotidiano. É um humor leve, despretensioso, cheio de graça com inteligência e jogadas que dão certo. Não há aquela manipulação, personagens estereotipados ou cenas forçadas para promover a rizada. Tudo soa tão naturalmente. Até este momento a trilha é leve e damos rizada de todos os elementos que envolvem ao Bruno.


A partir de uma cena em particular, a estrutura do filme muda radicalmente. Sai de cena a comédia e o drama ganha força. Neste momento percebemos que o problema que envolve a este personagem é mais sério do que imaginávamos. A trilha muda o foco e o instrumental torna-se mais pesado.

“Entre abelhas” brilha ao seu modo, entretém, contudo, quando o momento pede, trata o tema com seriedade. O personagem de Fabio Porchat consegue dar vida a um homem amargurado, solitário e que não vê mais sentindo em sua vida. Tudo permanece lá como sempre esteve e ele tem essa ideia, mas ele apenas não consegue mais visualizar as pessoas que fazem parte de sua vida, o motivo, ele simplesmente não deseja.


Ao final do drama, quando achamos que não há mais saída para este homem, uma luz brilha ao final de todas as trevas e a morte dá sinais de vida. Um rosto sempre presente, nunca importante, se revela a ele e ele se dá conta de sua existência. Drama nacional com roteiro, dramaticidade e profundidade. Assim é este filme, calcado em uma boa ideia, moldado por uma excelente equipe técnica e que revela um cinema em plena expansão.