sexta-feira, 10 de junho de 2016

Uma constante Procura



Carismática, divertida e ousada. Em “Looking”, nova série da HBO, temos histórias, amores e desilusões de um grupo de personagens que não vemos com muitas frequência nas séries atuais, mas que a cada dia, tem mostrado sua face.
                                 
Looking”, série norte americana do canal fechado HBO, ousa em sua temática. Traz para o centro da trama uma histórica focada em três amigos que vivem na cidade de São Francisco, abordando suas vidas, seus amores, seus sonhos e suas vivências. Uma série como qualquer outra, com personagens, dramas, traições, desilusões e amores. O tabu está no fato de que os autores abordam o mundo gls e tem como protagonistas três homens homossexuais.

Patrick/Paddy (Jonathan Groffé) é um rapaz bacana, sensível e carente. Possui um bom emprego, sempre sorridente, sempre um pouco meio melancólico. Deseja encontrar alguém que busque algo sério, mas sempre nestas buscas, acaba entrando em situações constrangedoras.

Dom (Murray Bartlett) trabalha como garçom há dez anos num mesmo restaurante. Possui um sonho de abrir seu próprio negócio, mas ainda está preso a dificuldade e também a sua própria incapacidade de seguir adiante com tal ideia. Está solteiro há um tempo, seu último relacionamento não acabou muito bem e ele ainda sente-se preso a este sentimento. Mora com uma amiga, Doris (Lauren Weedman), personagem esta que é um dos pontos mais hilariantes do seriado.

E por fim, Augustin (Frankie Alvarez) mora com Patrick. Ele se considera um artista, intelectual e sempre se mostra muito arrogante. Namora um rapaz bacana, mas possui uma visão do relacionamento marcado por uma liberdade que o namorado não aceita.



O que se percebe neste seriado é como este tema tão delicado, a homossexualidade, ainda visto como tabu pela sociedade, é colocado em cena com tanta naturalidade. Há na série a presença do preconceito e do julgamento, entretanto tais práticas se estruturam no exterior deste seriado, ou seja, daqueles que estão fora da vida destes sujeitos, seja na representação da família que não aceita, que não compreende ou simplesmente que não toca no assunto.

Quando se fala em tais relações homossexuais, tudo bem, podemos conviver belamente e lindamente com tais diferenças. A partir do fato em que vemos e presenciamos tais práticas e fatos, nossos olhares mudam o foco e passamos a questionar tais ações e atitudes, agindo muitas vezes com pré-conceitos.

Apesar da trama mostrar um preconceito envolvendo a estes personagens, o enredo do seriado não se preocupa em se resumir a isto. Os diretores querem mostrar mais, querem ir além e revelar o cotidiano destes sujeitos. Eles trabalham, caminham, namoram, brigam, traem, enfim, tem uma vida. Uma vida tão natural, tão corriqueira e tão normal. Neste sentido, fica a pergunta, onde que está a diferença e a “não normalidade”?

Dom busca abrir um negócio, Augustin se encontrar como artista e Patrick um relacionamento estável. Em cada episódio, os títulos são guiados por tal procura, por tal busca. Uma busca constante que muitas vezes não encontramos ou achamos de fato, ou quando a encontramos, a perdemos novamente para que em seguida, venhamos voltar a procurar por ela.



Nesta primeira temporada, temos Dom querendo abrir seu próprio negócio. Saindo de um relacionamento que o marcara fortemente, ele apenas se envolve sexualmente com outros homens, nunca deixando de fato por envolver-se. Por acaso conhece Lynn, um sujeito mais velho que ele. Entre uma ajuda e outra, um conselho e outro, nasce entre estes dois homens uma certa tensão, desejo e insinuações. O envolvimento entre estes dois acontece da forma mais natural possível, sem ser premeditada ou realmente desejada.

Augustin é um rapaz que nesta primeira temporada se mostra muito arrogante. Ele possui um pensamento liberal quanto a relacionamentos e aceita a relação sexual com outros homens de forma natural. Seu namorado, Frank, não. Mesmo tendo este pensamento contrário, Frank aceita algumas posturas de Augustin. Tais ações provocarão ao desenrolar da temporada um desgaste sem retorno entre estes dois sujeitos. Com este casal, a série trabalha um tema caro ao homossexualismo: é possível uma relação tranquila entre dois homens, sem ter terceiros envolvidos?

Já com Patrick temos uma maior participação sua na trama. Ele é um jovem bacana e carente, em busca de um amor, de um namorado. Patrick busca algo sério nos lugares mais errados. Neste sentido, suas tentativas de namoro nunca dão certo e ao final da história ele sempre acaba sozinho. Nesta primeira temporada ele conhece Richie, um jovem divertido, meio calado e muito focado no que deseja. Os dois se conhecem por acaso e por este mero acaso continuam seu envolvimento.

Paralelamente a Richie ele também conhece Kevin, seu chefe. Este outra rapaz também provocará em Patrick uma forte confusão de sentimentos. Se a temporada se inicia com Patrick iniciando uma relação com Richie, ela se encerra com o desfecho deste relacionamento, ao mesmo tempo que abre o leque para possíveis novos casos.



Nesta primeira temporada de “Looking”, os diretores apenas nos trazem para a trama a apresentação destes personagens, fazendo com que se crie entre o público e os protagonistas desta série uma certa intimidade e carisma. A trilha cumpre bem o seu papel. As cenas de sexo são medianas, nada muito intenso. O seriado revela um outro lado do mundo gls, um lado romântico, terno e mais sensível. Mostra homens que choram, se declaram, que são emotivos.


A temporada tem um total de oito episódios apenas, com uma duração de apenas meia hora. Pouco, mas diante da temática apresentada e pelo canal por traz de tal produção, a HBO, é algo muito forte e representativo. Se antes, os homossexuais estavam representados por alguns personagens dentro de uma trama maior, nesta, eles tomam para si toda a história. 

O seriado teve apenas mais uma temporada, com 10 episódios, porém infelizmente foi cancelada em seu segundo ano. Mas mostrou ter qualidade, carisma, belos personagens e um roteiro bem construído. Uma bela aposta do canal, que apesar de sua vida curta, realizou um belo trabalho e conquistou uma excelente percepção da crítica, ao mostrar com naturalidade, sem estereótipos, este mundo gls, com seus problemas, diferenças, normalidades, vivencias e por ai vai. 


sábado, 4 de junho de 2016

Beirar-mar: Um tempo de descobertas, um tempo de amadurecimento


Um tempo de descobertas, um período de novas experiências.

O cinema nacional tem experimentado novos olhares, novas narrativas e novos pontos de vista sobre o homem. Se antes, apegado a um cinema marginal, como denuncia social, agora tem aumentado seu leque de produções e desenvolvido tramas que dialogam com novos públicos, novos personagens e novos enredos.

Em “Beira-mar”, temos Martin (Mateus Almada) e Tomaz (Mauricio José Barcellos), dois amigos de infância que por algum motivo desconhecido, ficaram um breve tempo sem se verem. Neste tempo, seguiram caminhos diferentes, mas resolveram então viajar juntos pare rever a amizade.

Martin precisa resolver uma pendência de seu pai e Tomaz vai para fazer companhia. O destino é uma cidade litorânea ao sul do Rio Grande do Sul. Em meio a um inverno rigoroso, nesta cidade que não acontece nada e onde apenas o silêncio reina assustadoramente, vemos estes dois adolescentes reverem sua amizade e restabelecerem seus diálogos.





A história do filme então é esta: dois jovens nesta cidade, andando pelas praças e pela praia, se dividindo entre fumar, beber e conversar. Uma cidade onde o sol não tem força e a noite é quieta, revelando uma beleza que somente as cidades pequenas possuem.

Num primeiro momento, esta estrutura gera um desconforto, mas talvez proposital, pois talvez represente a própria presença destes personagens. Eles são amigos que estão há um longo tempo sem se verem. Não há mais aquela intimidade entre eles, então os diálogos são sempre lançados para quebrar o silêncio, o tempo que não passa ou o constrangimento que tenta reinar.

Com o desenrolar da trama, vemos o motivo que os leva a esta cidade. Uma dívida familiar, mas isso não fica muito claro. Talvez o diretor do longa não queira explicar tudo, talvez esta falta de explicação é o que prevalece sobre a vida destes jovens. Eles vivem um dia após o outro sem terem noção do que talvez esteja acontecendo ou por qual motivo que tais experiências estejam vivenciando.

Com a chegada de uma amiga de Tomaz, vem também os jogos, as conversas, as risadas, os ruídos que quebram o silêncio. Três rapazes, três moças. Muita bebida, jogos e brincadeiras. Mas também as primeiras insinuações, revelações e percepções sobre a sexualidade.

Tomaz já sabe o que deseja, apenas guarda para si sua sexualidade. Martin ainda tem um caminho a seguir. A parte final do longa revela um tensão sexual, um jogo de insinuações, de desejos, de busca por descobertas. Assim é a sexualidade, um momento de descobertas, onde os prazeres vão ganhando vida e forma e mostrando o caminho pelo qual devemos trilhar, sendo apenas pautado pelos nossos desejos e não por uma sociedade que tenta se impor sobre nós.
  

“Beira-Mar” é sobre descobertas. Os garotos que protagonizam este longa são bem novos, isso gera um desconforto, talvez um mal-estar. Mas o longa caminha com muita ternura, sem desrespeito, sem cenas desnecessárias. Martin e Tomaz tem suas intimidades aos poucos sendo restabelecidas e percebe-se que entre eles um sentimento mais intenso e forte começa a brotar. Por mais que não haja diálogos, há os olhares, os gestos e o silêncio que constrange e que a todo momento tentam materializar desejos antes calados e reprimidos.

Este longa estabelece uma conexão com um novo cinema, um cinema mais introspectivo e mais intimista. A preocupação deste longa não é apresentar uma história de fato, pois história não há, mas é abordar esta descoberta da sexualidade, dos sentimentos tão abstratos, das dúvidas tão presentes.

A fotografia do longa acompanha a estrutura do enredo, cores frias e apáticas, fazendo referência a este inverno tão intenso que se estabelece nesta cidade. A trilha sonora é composta pela paisagem sonora, uma paisagem formada por silêncios e pelo som do mar, das ondas do mar e o mar ganha uma conotação interessante. 

Apesar do filme se chamar “Beira-mar”, este não vemos nunca praticamente no longa. Sua referência se estabelece pelo som das águas que podemos ouvir ou pela visão parcial da orla da praia, mas o mar mesmo nunca vemos, com exceção da cena final em que o personagem de Martin vai em direção a este, sendo confrontado pelas águas, pelas ondas, pela força do mar.

Talvez este mar represente os desejos contidos que ganham proporção ao final da trama, talvez sejam as dúvidas que transcorrem sobre ele devido aos desejos que ele realiza ao final da história. Talvez representem outras coisas ainda.


Um filme de silêncios, de olhares, de gestos, de desconforto que revela descobertas, olhares, dúvidas e desejos.