sábado, 22 de outubro de 2011

Shortbus: uiaaaaaa

James e Jamie são um casal de namorados que não conseguem mais ter empolgação em seu relacionamento. Por conta disso, eles começam a ter uma relação aberta com Ceth, um jovem sempre em busca de encontrar sua alma gêmea.

Sofia, a orientadora sexual deste casal, nunca teve um orgasmo, sempre fingiu ter para não magoar seu marido, Rob que esconde de sua esposa o fato de gostar de ser dominado por uma mulher na cama no estilo mais selvagem possível. Mais tarde, Sofia conhece Severim, uma dominatrix que sente-se solitária e por fim há um jovem fascinado com a vida dos outros a ponto de gravá-las em momentos íntimos, no melhor estilo de voyeurismo. Qual é o elemento que une essas pessoas? Uma boate chamada Shotbus e a cidade de Nova York.

Abusando de cenas quentes e sexo explícito, esse filme trouxe muitos debates no âmbito do cinema. Até poderíamos dizer que esse drama se enquadra no gênero porno, afinal, há cenas, muitas cenas de sexo, deixando o “Nine Song” no chão, mas não, não é tão bem assim. Esse longa possui toda uma complexidade. Todas as cenas são necessárias, pois refletem seus personagens, seus medos e seus temores.

Um grupo de pessoas se encontram esporadicamente numa boate estilo “underground” de Nova York Nesse local, conversam, bebem, se relacionam,debatem sobre os mais diversos assuntos e claro, transam muito. Como um certo personagem comenta no decorrer do filme, aquela boate seria um encontro típico como os da década de 60, só que sem toda aquela esperança.

Porém o que faz desse local ainda mais interessante para estes personagens é que ali estão todas os tipos de pessoas que não se sentem incluídas de uma forma na sociedade. Sentem-se como minorias, mas que nesse espaço totalmente aberto a todos os tipos de experiências, eles podem estravar toda sua tensão, prazeres e desejos. Seja você homossexual, hétero ou apenas curiosos, ou seja, simpatizante, não importa, a ideia é que todos possam ser bem vindos e viverem o ápice dos seus desejos, sejam eles imorais ou não. Liberdade, é a palavra que rege esses jovens.



Se passando pós 11 de setembro, o drama tenta invocar como esses jovens estão reagindo diante de todo medo, temor e preconceito gerado depois desse incidente. Incertezas, essa palavra irá nortear todos eles, tanto na vida amorosa, quanto sexual e pessoal ou simplesmente num próximo amanhã.

Apesar de serem atores amadores, todos de certa forma, se saíram muito bem no filme. É possível perceber solidão no olhar de Severin, dúvidas quanto a tudo no casal de namorados, uma busca incessante na tentativa de não ficar só em Ceth. Todos são personagens extremamente reais, dotadas de sentimentos, dor e profundidade. É nesse aspecto que reside o melhor desse drama. Apesar de abusarem do sexo, houve todo um cuidado em compor na melhor forma possível os dramas desses jovens.

Há também durante todo o longa uma Nova York representada por uma maquete que sempre hora ou outra, fica no mais profundo escuro. Isso talvez seria toda uma carga de incerteza a qual todos desta cidade estão submetidos, ou seria apenas o medo ? A resposta não fica clara, mas o que ela demonstra é que seus personagens estão mergulhados em grandes incertezas.



Outro destaque do filme fica por conta da trilha sonora, ela é simplesmente impecável. Envolvente e muito gostosa, ela dá um toque especial ao filme e às tramas. Assim como em Hedwig: Rock, amor e traição, o diretor soube trabalhar com esse recurso para valorizar os sentimentos, sem sobressair sobre as imagens. O começo do longa e seu final também merecem destaque. O rosto de Sofia em closer, denotando que finalmente ela chegou ao mais puro e verdadeiro orgasmo, suaviza e deixa com tons poéticos esse filme.

A dor está presente, a busca incessante de superá-la também. Uma ternura guia a todo momento esse drama. Tirando todas as cenas de nudez e olha que são muitas, o que fica é um trabalho intimo, tocante, comovente e terno sobre o homem em suas limitações. A dor está ao nosso derredor e por mais que venhamos tentar suportá-la, ainda sim a sentiremos. Assim como em Hedwig: Rock, amor e traição, e Reencontrando a felicidade, o diretor quer abordar como a vida pode ser injusta e dolorosa. É na dor que a certeza se desfragmenta.

Estes são personagens perdidos, anestesiados diante da vida, apenas esperando as horas passarem. É a cantora/cantor que se vê sem sorte em todos os seus passos ou o casal que perde subitamente o único filho num acidente de carro, ou aqui em especial, jovens que sentem-se sozinhos, solitários e incompreendidos, mesmo vivendo numa grande cidade como Nova York. Eles buscam algo e tentam encontrar no sexo e na união carnal essa realização.

Assim é Shortbus: terno, profundo e ousado, excitante e sensível. Um filme que não é para todos, e com certeza irá assustar aos mais conservadores. Ele trabalha com o preconceito de forma indireta, já que abusa das imagens com suas cenas de sexo homossexual explícitas para provocar a quem está vendo o filme. O diretor John Cameron Mitchell não perdoa em mostrar toda a ação dessa transa e ainda por cima faz uma brincadeira nada bacana com os americanos, pois afinal, ver um cara cantando o hino nacional americano literalmente na bunda de outro não deve ser nada patriota ou elogiável, mas sim uma feroz crítica no mais divertido tom cômico.







Não Se Pode viver sem o Amor


 
Realidade e ilusão se mesclam nessa história sobre a vida e o amor, sobre personagens perdidos e sem espectativas. Uma drama mágico, terno, descomunal.

O que move essa história é a fantasia, pois outra explicação melhor não existiria. Há um “q” de surrealismo percorrendo os diálogos, as ações e os destinos desses sujeitos. Todos estão perdidos em suas vidas, sem expectativas e sem esperanças, mas mesmo diante de todo o infortúnio, eles vivem e tentam. Alguns erram em seus passos, outros já estão praticamente anestesiados diante de tanta dificuldade e dor e outros, sorriem, apenas sorriem.

Roseli (Simone Spoladore) vai para o Rio de Janeiro com o pequeno Gabriel (Victor Navega) na busca de tentar encontrar o pai do garoto. Lá, eles se deparam com Pedro (Angelo Vieira), um professor que recebeu uma oportunidade única de morar na Suíça, porém sua esposa não concorda e acaba por o abandonando, mais tarde, outra tragédia decai sobre a vida dele.

Ainda nessa cidade, há João (Cauã Reymond), um advogado desempregado que está arriscando toda a sua sorte nos concursos que presta pra tentar melhorar de vida. Ele está perdidamente apaixonado por Gilda (Fabíola Nascimento), uma dançarina de uma boate. O desejo dela é sair daquela vida e daquela cidade, mas com João será muito difícil. Por conta desse fato, ele começa a se arriscar em tentativas de assalto para poder levantar a grana que os dois precisam para mudarem suas vidas. Só que na vida, nada vem facilmente.

O garoto que acaba por interligar todos esses personagens tem sobre ele uma áurea de mistérios. Nunca fica comprovado, mas coisas estranhas acontecem ao seu derredor ou por atitudes tomadas por ele. É o vento que balança fortemente, a chuva que cai sobre a cidade, é o som do perigo que ele ouve de longe ou o desenho que pode prever uma tragédia, sem contar no ato final dotado de grande incompreensão e irrealidade. Se ele possui algum dom, isso não fica claro, mas o surreal acontece devido a presença dele.



As histórias tem seu ponto de ligação próximo ao final do filme, mas tudo de uma forma muito vaga. A impressão que temos é que essa ligação não pode ser verídica, mas ao ponto que todos os arcos vão se entrelaçando, o espectador percebe realmente que a hipótese mais distante da realidade é que de fato pode prevalecer.

O elenco é composto por grandes nomes do cinema nacional. Todos se saem muito bem. Simone Spoladore, Cauã Reymond estão incríveis, da mesma forma que Angelo Vieira. Em falar nisso, esse longa vem para comprovar o trabalho excelente que Reymond tem feito nos últimos anos, pautado por boas escolhas de personagens, de filmes e em ótimas atuações. Se distanciando um pouco dos apelos comerciais, tem se entregado a pequenas produções independentes. Spoladore, ao meu ver, á praticamente uma musa, diva (ou qualquer outro adjetivo que se prese à toda sua beleza e competência) do cinema nacional e o o pequeno garoto Victor é uma graça.

Na direção, Durán realiza um ótimo trabalho. Se distanciando do convencional, esse filme lembra de vago o excelente Em busca da terra do nunca, um drama em que a realidade e a fantasia caminham lado a lado, sempre juntas. A trilha sonora é gostosa, a fotografia mostrando uma Rio de Janeiro bem distante dos cartões postais foi uma boa opção. A montagem alternando as lembranças e delírios do garoto foi bem costurada, ela vem para quebrar a naturalidade do enredo.



Ao final, o que fica é um certo momento de dúvida e tentativa de compreender o que vimos na cena que encerra o filme. Esse desfecho não é tão fácil aceitar, pois como o diretor deixa claro durante todo o longa, é o irreal que irá guiar o destino destes personagens. Sendo assim, o diretor nos propõe a ideia de mergulhar nessas possibilidades, nessas circunstâncias. Não há muita explicação, mas apenas o interesse do diretor que é abordar como esses sujeitos irão se deparar com a vida diante da falta de certezas e como eles vão se manter.

O que resta no fim de tudo é o amor, a alegria, a esperança e a fé, não numa religião, mas em algo que não se pode ter a certeza, mas que sabe que ao final, tudo dará certo. É com ternura que o diretor Jorge Durán trabalha com esse drama, nunca apelando para o lado dramático, mas sempre buscando no escape da fantasia um refúgio para o mundo.


QuanTo Dura o Amor?




Quanto tempo dura o amor? Quanto tempo dura a paixão? Quanto tempo dura uma ilusão? Às vezes décadas, em outros casos, anos, mas também há momentos que ela dura apenas semanas ou dias. Pessoas solitárias, que veem na perspectiva de um amor a chance de serem felizes, mas que ao final, percebem que nada dura para sempre, nada.

Quanto dura o amor? é um filme terno em seus sentimentos e sincero em suas ações. Ele não adiciona tensão onde não há e nem provoca risos quando as circunstâncias não pedem. Ele trata com respeito alguns temas delicados e sem ser sensacionalista, não exagera nos medos ou problemas relacionados a este fato. Tudo é colocado de uma forma muito natural.
Ao final, quando vemos a tela escurecer e os créditos subirem, ficamos em dúvida se o longa terminou realmente, tanto pelo fato do drama durar menos de 90 minutos, quanto pelo momento em que isso acontece. Nos apegamos a esses personagens e queremos ver como eles realmente terminam ao final de tudo. São pessoas reais, dotadas de falhas e acertos, que vivem pelo amor ou tentam se esquivar dele, pois sentem que jamais viverão esse sentimento.


Marina (Sílvia Lourenço) é uma aspirante a atriz que vai tentar a sorte em São Paulo. Ela passa a dividir o apartamento com Suzana (Maria Clara Spinelli), uma advogada séria e bem solitária. Nesse condomínio, Marina conhece Jay (Fábio Herford), um escritor de um livro só. No decorrer desses poucos minutos, conheceremos os dramas que envolvem esses três personagens. Suas tramas não se cruzam de fato, o único ponto que os ligam é o condomínio em que moram.

Marina conhece numa noite Justine (Danni Carlos) e seu namorado Nuno (Paulo Vilhena). Ela acaba se envolvendo e entrando de cabeça nesse triangulo amoroso, esquecendo facilmente seu antigo namorando que ficou em sua cidade. Suzana inicia a passos lentos um caso com Gil (Gustavo Machado), porém ela guarda um detalhe/segredo de sua vida que aos seus olhos, pode atrapalhar o deslanche desse possível romance.
Jay sai com frequência com Michele (Leilah Moreno), uma garota de programa. Nessa relação movida a sexo, ele passa a acreditar que os dois têm algo a mais e começa a ver nela a sua musa inspiradora, desenvolvendo uma paixão que vai render ao filme bons momentos divertidos.


Todos esses três personagens quebram a cara em algum momento dessa história. Apesar de ser um filme sobre o amor, o que vemos na tela é a dor que fica quando um relacionamento não dá tão certo quanto esperávamos. Seja Marina em sua paixão por Justine e seu receio quanto ao caso dela com Nuno, ou Suzana em temer que Gil não irá aceitar com facilidade o fato que ela esconde ou Jay que se ilude ao imaginar que Michele possa gostar dele realmente a ponto deles saírem sem isso estar classificado como um programa.

Todas essas três tramas tem seus clímax nos minutos finais ao longa. Somente na história envolvendo Jay que não há um peso de fato nesse drama, pois já sabemos desde o começo que não há amor entre eles, isso por parte dela, então apenas esperamos que em algum momento do filme ele perceba isso.
O segredo que Suzana esconde se percebe no meio do drama. É algo forte e que não se vê todos os dias no cinema nacional. Esse é o arco mais dramático e intenso desse filme e esse longa já levaria um bom prêmio para casa, somente pelo fato de tratar desse assunto com calma, delicadeza e sutileza. A história envolvendo Marina, apesar de aparentar ser a mais importante, não chega a instigar tanto assim. O ponto bacana dela está em mostrar como essa grande cidade suga os sonhos dela, a ponto dela se esquecer completamente do motivo principal de ter vindo à São Paulo.


Em falar nisso, o diretor constrói muito bem esses dramas envolvendo essa capital. Ela está agindo e interagindo com todos os personagens. Uma cidade que não para, que não faz seus moradores se sentirem menos solitários. Pode ser a grande chance de crescimentos para alguns, como a ruínas para outros, já que nem todos têm a mesma sorte de se dar bem assim na vida. Uma das qualidades ligadas a esse detalhe no filme é que a cidade sempre é mostrada em plano geral e em muitas das cenas, é vista de cima. Esse fato confere mais peso, densidade e beleza ao filme.

A trilha sonora é bem produzida, destaque para a música que abre o longa. No elenco, poucos nomes de peso do cinema nacional. Quem chama a atenção é Maria Clara Spinelli, a Suzana, carismática, com uma boa postura e um olhar que expressa sentimentos. Leilah Moreno se arriscando como atriz no cinema não faz feio e isso já é um elogio, as cenas dela com Jay são as mais hilárias. Na verdade, esse casal é o mais engraçado, essa trama segura o lado engraçado do filme, mostrando como a vida pode ser hilária.

Ao final, esses três personagens terão suas vidas marcadas pelo amor, ilusão e a dor. Ficarão em suas casas, olhando para a janela e revendo sua vida. A vida continua até que um novo e possível amor possa aparecer.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Bem Vindo a Dogville


Dogville, com direção de Lars Von Trier, conta a história de Grace (Nicole Kidman), uma fugitiva da máfia que encontra abrigo numa pequena cidade dos Estados Unidos. Nesta cidade, ela consegue a amizade e o apoio de Tom Edison (Paul Bettany), um morador da vila que convence todos a aceitá-la, em troca de pequenos serviços. Com o decorrer dos dias, o que parece ser um paraíso, aos poucos torna-se num verdadeiro inferno. Com a intensificação dos bandidos e também da polícia atrás de Grace, eles percebem que a segurança da vila está em perigo e por isso começam a cobrar algo muito mais do que apenas simples serviços, expondo Grace às piores humilhações, mal tratos e abusos. O que era para ser um refúgio mostra-se como uma prisão.
Dogville retrata um povoado em meio a Grande Depressão, na década de 30. A história do filme se passa no período após a queda da bolsa de Nova York, que levou os Estados Unidos e vários outros países dependentes deste, a uma profunda crise econômica. Sendo assim, o que se vê em toda cidade é a pobreza e pessoas tentando se manterem vivas. Grace entra nesse momento. Sem muito que fazer, passa a realizar pequenos serviços, singelos afazeres. Ajudar as crianças com as leituras, na limpeza e organização da cidade e na colheita das maças que é único meio de subsistência da vila.
A medida que as semanas vão passando, ela vai ganhando cada vez mais a admiração e aceitação por parte de todos em Dogville. Simplesmente, ela se sente feliz, mas não há felicidade ao final dessa história. Com o decorrer dos meses, a cidade começa a receber cada vez mais e de forma freqüente a visita de homens à procura de Grace, entretanto, não apenas da máfia, mas também da polícia que começa a caçá-la afirmando que ela é perigosa. A partir desse momento, todos da aldeia começam a repensar se foi uma boa ideia a terem acolhido. Com as dificuldades referentes a pobreza aumentando, a repressão por parte da máfia e polícia intensificando e a chegada do inverno, as pessoas de Dogville começam a mostrar um outro lado delas, uma face mais obscura e sem escrúpulos.
Deste momento em diante, pouco a pouco os habitantes vão agindo com frieza, desdém, impacientes e irritados com as ações e serviços de Grace. Tarefas essas que antes eram feitas voluntariamente por ela, transformam-se numa obrigação diária, levando-a a um imenso cansaço.



Violência, essa é a palavra que vai direcionar a história em Dogville. O filme consegue expor toda a fragilidade e sentimentos mais profundos e violentos dos moradores desta cidade, dos personagens mais característicos a cometer atos extremos até aos mais, aparentemente, inocentes. Ninguém está ileso, todos têm uma parcela de culpa, não há bons moços ou heróis nesta história. Toda violência cometida vai se tornar no estopim para o ato final.
Um dos pontos que mais chamaram a atenção para o filme, além da sua história, é a construção do cenário. No caso, não há uma cidade de fato, tudo se passa num palco de teatro, sobre um fundo escuro, ou claro, dependendo do momento da cena. Neste espaço estão desenhados traços que representam casas, janelas, portas, armazéns, jardins, árvores, as demarcações e as fronteiras da cidade. Enfim, todo o espaço físico da história é construído sobre esse chão.
O que de início pode soar estranho, faz com que o espectador use a imaginação para projetar sobre esses elementos o necessário para que a história possa fluir. Esse elemento pode fazer alusão também, a idéia de que todos estão à mostra revelando suas verdadeiras faces. Não há paredes que escondam seus sentimentos, pensamentos e ações e que somente o público que assiste ao filme pode perceber, e ou, o fato de que todos sabem o que acontece com Grace em quatro paredes, pois cada um dessa cidade conhece o outro como a si mesmo, e tem o conhecimento do que estes e todos são capazes de fazer e a não presença do cenário é a materialização dessa verdade que querem acobertar e ocultar. Todos veem o que acontece, mas fingem não ver, há uma falta de cenário, onde deveria haver.



O filme é divido em capítulos que separam a história e esses são nomeados conforme o que acontecerá no enredo. Uma voz em off nos apresenta a cidade, seus moradores, situação de vida e seus pensamentos e sentimentos. Um personagem não presente, mas que conhece cada um profundamente. Essa voz entrará constantemente na ação do filme, ela demarcará as fases pela qual Grace irá passar nesta cidade.
A trilha sonora desempenha a função de complementar o cenário, dando veracidade as ações e ilustrar os sentimentos dos personagens. O silêncio também está presente como forma de reflexão. A iluminação, de extrema importância ao final do longa, terá o papel de mostrar o interior das pessoas e revelar suas verdadeiras faces, uma luz que é capaz de clarear tudo.
Dogville, um filme forte, polêmico, audacioso e violento, consegue levar tanto seus personagens, quanto as pessoas que a ele assistem, ao extremo da violência e do limite desta. O longa foi amplamente aclamado em Cannes, na mesma proporção que foi criticado negativamente por expor uma violência crua e supervalorizada.  O filme faz parte da trilogia Estados Unidos – terra das oportunidades fazendo uma referência aos país, terra dos aproveitadores. Essa trilogia que se inicia com esta película, segue com Manderlay, que foi lançado em 2005 continuando com a história de Grace e finaliza com Washington, que como dito, ainda está em fase de produção. Tanto Dogville como Manderlay possuem a mesma estrutura em relação a construção dos cenários por parte do espectador.



terça-feira, 11 de outubro de 2011

Marie & Bruce

Introspectivo, tocante e poético.

Existem momentos em nossa vida em que simplesmente percebemos que não somos felizes. Que a vida que levamos e nossos relacionamento ou simplesmente tudo que possuímos nos causa náuseas, angústia e desgosto. Mas mesmo com essa sensação de crise, nos sentimos presos a nossa vida. Presos em redomas que não podemos quebrar. Que não podemos nos livrar. Por mais que o desejo de ser livre e de mudar tudo seja imenso, não é mais que o nosso estado de inércia. É sobre esses sentimentos de mudanças e comodismo que o filme retrata.

Marie e Bruce por ser independente e não seguir aquela linha da família feliz, mas que na verdade vive de aparências, já é louvável. Com uma trilha sonora gostosa, uma fotografia com uma qualidade bem diferente da que costumamos ver e belas atuações de seus protagonistas é um filme que merece ser visto.

O longa retrata a história de Marie (Julianne Moore) que descobre em um ato de desespero que não ama mais o seu marido Bruce (Matthew Broderick), mas pelo contrário, o odeia, despreza, sente pena, tudo o que possa imaginar, menos paixão ou amor. Ela está decidida que vai largá-lo no fim da noite. É nessas doze horas antes do ato de separação desse casal que a história acontece.


Primeiro conhecemos os sentimentos que percorrem a mente de Mary. Suas cenas são mais dramáticas e intimistas. Duas cenas são verdadeiramente poéticas. A primeira e mais bela, em que ela está em um jardim, que mais tarde se parece com uma floresta. A fotografia fica mais reluzente, os sons das águas e do vento tornam-se perspectiveis. Ela se sente livre, seu corpo fica em um estado de êxtase. Ela fecha os olhos e sente a total e plena liberdade. A segunda é a cena de um sonho. Complexo, sem muito sentido aparentemente.

Após conhecermos Marie, o filme nos apresenta em menor escala Bruce. Ele é um sujeito legal, mas preso a receios. Teme tudo e todos. Uma cena explica claramente isso. Ele numa lanchonete, então entra uma garota bonita. Em seus pensamentos imagina uma possível conversa com ela e que se dando tudo certo, os dois transando. Mas quando vai agir, simplesmente fala: Cuidado, está quente.

Depois dessas apresentações, nos deparamos com o fim ou um começo e uma sensação de como desejamos ser livres, mas criamos receio a essa liberdade. É como se depois de tanto lutarmos por algo e estamos prestes a consegui-lo, nos questionamos se esse caminho é o mais sábio a seguir.

O drama não possui grandes ambições cinematográficas ou psicológicas. Ele é simples em seu contexto. Há uma fotografia granulada, uma câmera meio amadora observando nosso casal de protagonista. Em alguns momentos, o longa parte para uma análise mais sensível, tentando materializar sentimentos e dúvidas em imagens desconexas, mas não vai além disso. O elenco é carismático, tanto Julianne Moore, quanto Matthew Broderick estão muito bem em seus papéis. Um drama independente bem feito, pouco divulgado, com um bom roteiro e boas atuações.


terça-feira, 4 de outubro de 2011

Transamerica

Um filme de contradições: denso e leve; complexo, mas simples.

Transamérica poderia ser um filme simples, afinal, as cores predominantemente rosa e as músicas que tocam durante todo o longa tentam deixá-lo com um olhar de um drama road movie calmo e light. Porém o tema que estamos vendo na trama não é nada comum ou simples assim.

O filme conta a história de um transexual Bree (Felicity Huffmam). Ele está prestes a fazer uma cirurgia de mudança de sexo, mas descobre que possui um filho chamado Toby (Kevin Zogers) e este quer conhecê-lo. Devido ao rapaz estar em maus bocados, Bree vai então ajudá-lo, mais por pressão da sua psicóloga do que por si próprio. Em uma longa viagem rodando por vários lugares, estes dois tentarão descobrir um ao outro. Bom, a sinopse parece simples, porém não é.



O jovem está envolvido com drogas, se prostitui para manter seu vício e ele possui segredos em seu passado que faz com que ele não queira voltar para sua antiga cidade. Por fim, Toby quer conhecer seu verdadeiro pai, mas nem sonha que ele está em sua frente só de uma forma diferente.

Mas não é somente o rapaz que tem problemas, ela também possui vários. Prestes a realizar a cirurgia que mudará sua vida, Bree se vê presa numa relação paternal que não queria nesse momento e além do mais, nunca havia imaginado que tinha um filho. Nesse drama, a relação desses dois sujeitos será trabalhada com muita ternura, nunca forçando nenhum sentimento.

Vários são os elogios para esse filme: a direção é segura, não deixa cair no melodramático e o roteiro é inteligente. Durante o começo da trama, são feitas várias perguntas a Bree, nelas podemos de uma forma ainda superficial ver o que vem pela frente.

De todos os aspectos do longa, o que mas impressiona é a atuação de Huffmam, seja pelo seu carisma e ou pela sua presença em cena, ela simplesmente encarna uma transexual. Sua postura, sempre caminhando tentando esconder aquilo que lhe faz ser um homem ainda, é hilária. Por ainda ter um pênis, ela se sente como uma mulher incompleta. Por meio da maquiagem, tenta esconder suas feições, suas roupas e seu corpo. Os aos olhos dela, por mais que tenha passado por inúmeras cirurgias, ela sempre ainda se lembrará do velho homem que era.

Mas de todas as características deste filme, o trabalho da atriz com relação a voz é o mais engraçado. Treinando várias vezes para afinar o tom, provoca vários risos, um trabalho belíssimo da atriz, merecendo sua indicação ao Oscar de melhor atriz e levando o Globo de Ouro na mesma categoria.

Além dos aspectos físicos, sua atuação é marcante. Nos comovemos com ela. De forma discreta, ela consegue mostrar que apesar de ser um homem, sua alma é de uma mulher. Ela sofre com isso, sofre por sua família e sofre por seu filho. Mas no decorrer da história, ele também se envolve com ela, mas sem saber da verdade e por se sentir protegido ao lado dela ele acaba misturando seus sentimentos. Como prova dessa mistura, sem nos apegarmos a cena clara ao final do filme, é o que ele faz pelos dois pra conseguir levantar grana.

Transamérica é um filme que trabalha com uma temática pouco mostrada no cinema normalmente. Lado Selvagem, filme europeu, desenvolveu uma mesma ideia sobre esse assunto, só que de forma mais crua, forte e dramática. Já este trabalha com o cômico para tratar um assunto sério.

O orçamento do filme foi de 1 milhão, valor bem pequeno até para os padrões de filmes brasileiros, mas conseguiu uma bilheteria muito mais do que generosa, ultrapassou os oito milhões somente nos Estados Unidos. Isso nos mostra que aos poucos estamos perdendo o moralismo preconceituoso que nos cegava e estamos deixando com que os outros simplesmente vivam suas vidas sem precisarem de se preocupar com a que a sociedade irá pensar de suas ações.