quarta-feira, 30 de abril de 2014

Kinsey: Vamos Falar de Sexo




Irreverente, ousado, sério e outras coisas mais. 

Moralidade e conservadorismo. São conceitos que estão presos a muito de nós ainda. Numa época em que o tema “sexo” era tabu, falar sobre esse assunto era algo complicado, então, como se fazia? A década é de 1940 e simplesmente não se falava ou se dizia nada a respeito, ou no caso, se dizia baseado no mais puro moralismo cristão. 

Em “Kinsey, vamos falar de sexo” o filme aborda uma história real, a história de um homem indagado por estas dúvidas e que resolveu ir a campo e questionar as pessoas sobre o que elas pensavam a respeito deste assunto. Como elas se relacionavam com o sexo ou como elas o vivenciavam. Por meio desta pesquisa, produziu um grande estudo sobre o tema e nos mostrou que apesar de todo o conservadorismo, o homem ainda entre quatro paredes, conseguia se desprender destes preceitos e revelar seus reais desejos. 

Kinsey (Liam Neeson) cresceu sob uma forte crença. Seu pai desde cedo lhe dizia que o salário do pecado era a morte e que os desejos carnais deviam ser controlados e exorcizados a todo custo. Ele não entendia ou não aceitava de certa forma essa “verdade”. O único momento que se sentia livre era em contato com a natureza. Nesse filme, a natureza ganha contornos fortes como a mais pura liberdade. 

Quando se colocou frente ao seu pai ao lhe dizer que iria cursar biologia, sentiu-se livre dessa fé que o sufocava e então partiu para o que realmente desejava, a natureza. Estudando e pesquisando o universo das vespas em particular, descobriu que a individualidade está em todos nós, esse é o elemento que nos define. Todos somos seres únicos, com pensamentos, sentimentos e desejos únicos. 

Após conhecer sua esposa, Clara (Laura Linney) e se casarem, percebem que possuem algumas dificuldades quanto ao sexo, mas após procurarem um especialista, resolvem este problema. É nesse momento que Kinsey percebe como o tema “sexo” é algo não abordado, não discutido e não trabalho. 


Visto sempre pelo lado da fé/religião como algo imoral, promíscuo e pecaminoso, ele resolve então abordar esse tema pelo prisma da ciência. Colocando o “sexo” como objeto de estudo, vai a campo e percebe um mundo diferente, distante e marcado pela singularidade e a mais pura naturalidade. 

O que esse drama nos mostra é como somos seres engraçados e como o sexo é algo que revela muito de nossos desejos e medos. Temas como homossexualismo e adultério são revelados como práticas corriqueiras por uma sociedade conservadora. Apesar de muitos esconderem tais práticas, a vivenciavam nas noites escuras e lugares onde os olhos dos outros não poderiam enxergá-los, mas ainda assim, a praticavam e de forma contínua. 

Kinsey traz a luz há um tema delicado, uma sensação de liberdade a estes sujeitos marcados pelo preconceito e revela que eles não são anormais ou diferentes. Porém o drama revela um lado extremamente conservador também ao mesmo tempo. Quando os estudos voltados aos homens são publicados, todos se voltam os olhos para esse professor, elogiam seu trabalho e sua ousadia. Entretanto, quando o tema passa a ser os desejos das mulheres, a situação muda de lado e o moralismo e conservadorismo revelam sua força. 

“Kinsey, vamos falar de sexo” aborda o homem em suas complexidades. O homem que deseja e teme seus desejos, que não os aceita. Esse drama tenta compreender uma sociedade que afirma que tal fato é errado, porém o pratica e posteriormente sente a culpa por tal ato. Não é interesse do diretor, ou deste professor julgar ou condenar, mas ouvir e entender e é isso o que ele faz. 



Seus personagens são ricos, profundos e intensos. Estão presos a estes prazeres e se calam quanto a ele. É engraçado como podermos ser contraditórios quanto aos nossos pensamentos, a figura do pai de Kinsey é o melhor exemplo. Tudo é uma construção, valores e “verdades”, porém há momento em que certas “verdades” ganham contornos mais fortes e massacram o homem em suas particularidades. 

O depoimento da personagem final que afirma que Kinsey a salvou é tocante, terno e comovente. Ela é a personificação de muitos que assim como ela, não entendiam seus sentimentos, mas quando percebeu que não estava só e que o que desejava ou queria era algo que estava relacionado a ela e não era errado, sentiu a liberdade. A liberdade da natureza e o fim de uma culpabilidade imposta por uma sociedade.

Porém nessa busca por entender o sexo, Kinsey bateu de frente com outros entraves que não havia percebido e compreendeu que esse ato carnal vai além de prazeres, mas envolve também sentimentos como medo, amor, mágoa e tantos outros. Não somos meros animais, somos dotados de mais complexidade. 


No elenco, Liam Neeson e Laura Linney são o destaque. Nesson como Kinsey demonstra toda sensibilidade desse personagem, suas dúvidas e posteriormente o medo por ter tocado em temas tão espinhosos. Por essa atuação ele foi indicado ao Globo de Outro de melhor ator, poderia ter sido também ao Oscar, devido a grandiosidade e ousadia de sua atuação. 

E Laura está simplesmente sublime. Indicada ao Globo de Ouro e Oscar de Melhor atriz por este filme, ela mostra a sensibilidade, força e ousadia dessa personagem e revela uma grande mulher por de traz de um grande homem. Ela que é uma atriz de talento, tem feitos produções interessantes e fortes, uma atriz de peso e destaque. Outro destaque no filme é Peter Sarsgaard como Clyde, amigo próximo de Kinsey e possivelmente teve uma relação a mais com esse professor. 

Esse drama é terno em suas imagens. Apesar do tema ser o “sexo” nada é mostrado com indelicadeza, mas com a mais pura suavidade. Um filme em que se fala muito através de suas imagens, de seus personagens e de suas “transas”. É no ato de provocar, pelos não dizeres, pelas cenas não mostradas que esse drama trabalha e nos conquista. 



segunda-feira, 28 de abril de 2014

Philomena

 




Passado e Presente, perdão e redenção

Indicado ao Oscar de Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Trilha Sonora e Melhor Atriz, esse filme tipicamente inglês é um misto de comédia com drama. Uma história trágica, que caminha com leveza, ora nos entregando momentos engraçados, leves e despretensiosos, ora nos entregando um drama intenso e doloroso capaz de nos levar as lágrimas fáceis.

“Philomena”, com direção de Stephen Frears, traz em seu elenco a grande atriz Judi Dench como Philomena, uma mulher que guarda um grande segredo. Ainda quando jovem, na Irlanda, teve uma relação sexual com um rapaz e engravidou. Expulsa de casa pelos seus pais foi recebida num convento. Pelo parto realizado pelas freiras, foi obrigada a trabalhar por longos quatro anos, em serviços braçais dos mais diversos. Porém, diante de todo esse sofrimento, foi obrigada a ver seu filho ser doado à uma família norte americana pelas freiras do convento.

Passado cinqüenta anos, sua vida continua, mas ainda ela guarda essa dor, até que conta tal “segredo” a sua filha. Nesse momento entra em cena a figura do jornalista Martin Sixsmith (Steve Coogan). Demitido a pouco tempo, ele num primeiro momento se recusa a fazer uma reportagem sobre o drama de Philomena, pois considera histórias de caráter humano muito sensíveis, fracas e para mentes fracas. Mas devido a sua nova situação, aceita a proposta. E os dois seguem juntos nessa empreitada.





Em “Philomena” o que se estabelece é um contraponto de diferenças entre a figura da simpática senhora e esse arrogante jornalista. Enquanto ela é inocente, dotada de uma bondade inigualável e uma fé inabalável, ele é cético, orgulhoso, temperamental, egoísta e arrogante. Ou seja, dois personagens que não se batem, mas tem que se conviver.

Não há um segredo de fato nessa trama. Tudo se releva facilmente e o mais interessante é que toda verdade se dá muito rápido. Quando chegamos à verdade, paramos e pensamos: e agora, o que acontece? Nesse momento, sai de cena toda investigação e o lado cômico do filme e entra em cena a grande atuação dessa atriz e o lado mais dramático do filme ganha fôlego. É a partir desse instante que esse pequeno longa impressiona, comove e nos encanta. 

Um olhar amargurado, vários silêncios que nos impactam, uma trilha sonora contida e super bem utilizada, revelando e mostrando o seu melhor no cinema, é dessa forma que “Philomena” mostrar o seu poder, em  sua sua simplicidade, esse drama nos conquista. É na sua história e em sua personagem que está o grande deste material. Essa mulher já sofreu demais, porém mesmo diante deste sofrimento ela perdoa se cala e aceita. Não consegue ver maldade nos olhos e ações dos outros, mesmo quando isso está de forma clara diante de nós. Isso faz com que aos poucos Sixsmith compre essa briga e leve essa trama adiante. 





Mas ao mesmo tempo que uma inocência paira sobre Philomena, sua visão de mundo é dotada de uma modernidade incrível. A cena em que é falado sobre a homossexualidade do filho e em que ela encontra o antigo namorado dele revela esse lado compreensivo dela. Em nenhum momento ela mostra empatia, ou recriminação, mas sim um olhar acolhedor e carinhoso, compreensivo sobre o outro. Como ela diz em certa altura do filme, ela conhecia o filho dela, e simplesmente o aceitava. Ela não julga ou condena, ela apenas aceita. 

Em todo tempo, Sixsmith debate com ela o tema fé, e sua capacidade de perdoar, mas o que se pode fazer diante de tal ato? Se rebelar e guardar uma mágoa e dor que com o tempo, nos tornará pessoas mais infelizes? Sua postura, seu olha e seu silêncio não expressam uma aceitação do fato, mas apenas da dor. 

Duas cenas são emblemáticas e sintetizam todo sentimento de Philomena: quando ela tenta se confessar ao padre pelos seus pecados e o momento em que se depara com toda verdade e com todas as palavras ditas. Estes dois instantes revelam o lado inocente e amável dessa mulher. Um lado capaz sim de perdoar, porém que sabe que a verdade tem que se dita e ser mostrada.

Nesse filme, Frears trabalha em cima da fé e da religião, mas com delicadeza. O tema sexualidade que por tanto tempo fora visto como algo abominável pela Igreja, ganha presença nesse longa. O drama que é baseado em uma história real revela um lado sombrio da Igreja na Irlanda. Uma verdade dolorosa e que marcou muitas vidas. 

“Philomena” é simples, dos indicados ao Oscar na categoria de melhor filme, é o mais simples em sua estrutura, trama e direção. Entretanto, menos é mais e esse drama é a prova disso. 






terça-feira, 22 de abril de 2014

"Frances Ha" e a falta q nos move




A falta  nos move, um vazio nos completa

Frances Há” é divertido, leve, despretensioso, um verdadeiro achado no cinema independente. Depois da comédia ácida não tem bem recebida assim pela crítica, “Margot e o Casamento” que teve sim suas qualidades, Noah Baumbach acerta com seu mais novo filme. 

Frances (Greta Gerwig) é sorridente, divertida e esforçada, porém também é insegura, atrapalha e levemente triste. Tentando se encontrar, acaba sempre se perdendo. Tentando demonstrar afeto e lealdade, acaba sentido-se traída e deixada de lado. Mas apesar de todos esses males, ela vai tentando, mesmo quando seu sorriso parece forçado e o momento em que esteja vivendo faça com que ela pense “o que estou fazendo aqui na verdade?”

Quando seu namorado pede para que ela venha morar com ele, Frances reluta, afinal sua melhor amiga Sophie (Mickey Summer) não pode pagar um aluguel sozinha e as duas são muito próximas. Essa atitude faz com que o namoro entre em crise e posteriormente chegue ao fim. Mas Frances sente que fez o que era o certo a fazer, e em sua opinião, sua amiga em mesma situação, faria o mesmo por ela. Entretanto ela não faz. 

Uma amiga chama Sophie para dividir o apartamento com ela numa região nobre da cidade, uma região em que ela sempre quis morar. Ela não pensa duas vezes e aceita a proposta deixando Frances numa situação delicada, traída pela amiga e tendo que arcar com o aluguel sozinha. 

Frances participa de uma companhia de balé, seu desejo é participar do grupo principal. Apesar de ser boa, não é excelente, então nunca consegue a tão desejada vaga. São nessas idas, subidas, descidas e perdas que Frances vai tentando, sempre focando em seu objetivo maior, torna-se numa grande bailarina.





Em “Frances Ha” há uma ternura, uma falta e uma leveza. A falta nos move e move também a essa jovem. Seu silêncio expressa esse desejo e seu olhar sua esperança. Um filme feito com delicadeza, ternura e poesia. Frances é sorridente, atrapalhada, sonhadora, e não deseja mudar, não deseja desistir. Corre de um lado a outro, muda de casas, viaja, assume os empregos mais loucos. 

Porém nesse drama há uma contraposição interessante, se de um lado temos nossa protagonista que busca realizar seus sonhos, sempre batendo de frente com dificuldades, e sempre se sentindo incompleta. Do outro lado há sua amiga Sophie que consegue concretizar tudo o que deseja, morar num apartamento dos sonhos, um excelente emprego, um belo casamento, se mudar de país. Entretanto mesmo diante destas conquistas, sente-se ainda mais perdida e vazia. 

Baumbach com sua comédia leve e sutil nos mostra os caminhos pelos quais percorremos para alcançar nossos sonhos e como as vezes estes são apenas sonhos e que perceber a hora de mudar a rota de nossas vidas, só nos fará bem. O longa caminha, caminha e caminha e cada vez mais Frances vai se perdendo e sentindo-se perdida. Até que num encontro inesperado com sua melhor amiga que tanto já lhe machucou, muda seu olhar, muda seu foco e se ela lança em novos objetivos. 



Belamente iluminado por uma fotografia em preto e branco que apenas confere mais poesia a essa comédia/drama, “Frances Ha” fala sobre uma geração que busca e busca, mas sente-se cada vez mais perdidas em seus objetivos, sonhos e metas. Jovens que vão e ousam, batem de frente, mas que não conseguem obter a felicidade que tanto desejam. Talvez o filme fala sobre essa falta que nos move, essa busca por esse sentimento de completude que nunca nós iremos alcançar de fato.

Ter um apartamento próprio, essa é a materialização de Frances de sentir que chegou realmente a um local seu de fato. Não mais dividir uma casa, uma cama, mas saber que isso lhe pertence, porém mesmo quando essa conquista ela obtém, algo fica incompleto, agora seu nome, sua identidade. Mas diante dessa incompletude, ela sorri. 

A falta nos move, o vazio nos completa e nos faz trilhar por caminhos e caminhos. Por um local que seja nosso, por um sonho que possa realizado, por um amor que possamos vivenciar. Todos esses são os desejos dessa jovem e porque não tem de uma geração? E Baumbach com sua câmera, capta a essência esses dilemas. Greta Gerwig como Frances mergulha profundo nessa personagem. Participando também na produção do roteiro confere peso e naturalidade em sua atuação. Enfim, um belo acerto no cinema