quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A Casa De Alice



Num drama sobre uma mulher, vemos, observamos e deixamos ser levados pelas imperfeições que regem a vida. 

Alice (Carla Ribas) tem quarenta anos, possui três filhos, mora com o marido, filhos e a mãe Jacira (Berta Zemel) em São Paulo. Ela é manicure, faz o que pode para manter a estrutura da família unida. Para isso fecha os olhos, se cala e deixa de ver algumas verdades.

Seu marido a trai constantemente, inclusive com uma adolescente, vizinha de Alice, jovem essa que sempre vive pedindo conselhos para ela sobre a arte do amor. Seus filhos não se entendem, ela não se entende com sua mãe ou seu marido.

No fundo, vemos uma família marcada por feridas, desunião e desestruturada. Cada um vive de um modo, tentando a seu modo viver, sem olhar para o outro, sem se preocupar com o outro. Jacira, a velha, é apenas a ver, perceber e compreender tudo o que cerca a essa casa, mas ela está ficando cega, surda, muda e louca, coisas da velhice.



Em “A casa de Alice” muito se fala, mas pouco se diz. Há uma economia nas palavras e uma superexposição nas imagens. Tudo é dito indiretamente. A infelicidade de Alice, as traições de seu marido, a relação próxima de dois do filhos do casal, a falha de base dessa família. Todos são movidos por sentimentos e instintos, a única a seguir a razão é Jacira. Mas ela já está velha e ninguém dá ouvidos a ela.

Em “A casa de Alice” temos a construção de um cinema no estilo documentário. A câmera trafega pela vida de seus personagens e nos revela suas inquietações e seus medos. Ela diz e não diz e deixa para aquele que vê a cena entender o que está acontecendo.

Um filme intimista e introspectivo que foca em Alice e por meio dela descobrimos a imperfeição da vida. O que dizer dessa mulher? Ela é forte, é fraca, é racional e ao mesmo tempo tão sonhadora. Seus olhos demonstram tristeza, mas revelam esperança.



Ao se lançar num caso extraconjugal, sente o prazer pela vida novamente, sente-se desejada e querida. Mas ao final, percebe que a realidade é dolorosa e não tão bela assim. Esse drama nos mostra que toda a beleza de fato não é bela e essa esconde dores, desprazeres e medos. Nos revela uma vida perfeita, porém ao vermos de perto, percebemos que é a mais pura mentira e imperfeição.

Vivemos de máscaras para enganar os outros ou a nós mesmos? O pior cego é aquele que não quer ver. Ou nos caso, se ele vê, mas prefere fechar os olhos? Diante de tantas dúvidas, ficam as incertezas e são estes os questionamentos que veremos em cada ato, em cada fala, em cada atitude destes personagens. Alice, nossa protagonista, é dotada de falhas e acertos.


“A casa de Alice” é profundo, visceral, poético e belo. Muito se fala, pouco se diz. Podemos perceber tantas coisas, como não percebemos nada. Assim é o cinema, assim é a vida. 


terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Eu, eu mesmo, Verônica



As ondas do mar são fortes. O céu está numa cor azul tão bela. Corpos se batem, sorrisos e olhares, tudo é tão perfeito que só pode ser um sonho.

Um mergulho na dor de uma jovem. Uma dor sem explicação, um vazio que assola e maltrata. Uma ferida que sangra e persisti em sangrar. "Eu, eu mesmo, Verônica",o que filme quer perguntar é: Quem é Verônica? Ou quem sou eu diante de tantos outros?

Verônica (Hemilda Guedes) é uma jovem residente em psiquiatria. Os estudos chegaram ao fim, agora ela atua num hospital público de Recife diretamente com os pacientes e estes que lhe aparecem são dos mais diversos. Tudo que aprendeu em teoria, agora irá vivenciar na prática.Ela tem como função tentar curar as dores, feridas e sentimentos de repulsa que nos aflige, mas ela mesmo sente um vazio e um mal estar que não compreende. 

Mora com seu pai em um bom apartamento, tem um relacionamento de amizade e sexo com Gustavo (João Miguel). Seu pai deseja que os dois passassem a namorar, pois ele vê o rapaz com bons olhos, mas ela não deseja, ela não deseja, no fundo, ela não sabe de praticamente nada, ou não deseja nada, vive a deriva. 

Quando ela descobre que seu pai possui uma doença que faz com que tenha pouco de tempo de vida, ela chora, se cala, não sabe como reagir. Como reagir? Diante desse vazio, dessa realidade, ela se tranca em seu quarto e passa a se analisar e se perguntar: "Quem é Verônica? Verônica, paciente de mim mesma".




Do mesmo direto de "O céu de Suely" e "Viajo porque preciso, volto porque te amo", esse drama é um mergulho na dor e no vazio de uma jovem e porque não de uma geração? Verônica conquistou tudo o que podia conquistar até o momento, mas ainda sim algo lhe falta, algo que ela ainda não sabe.

Pessoas trafegam por ela, ela se destaca no emprego, dança pelas ruas, pula o carnaval, mas ainda seu semblante é de um olhar perdido, como se estivesse perdida. Um vazio nos move e ela percebeu esse vazio e quer entender de onde ele vem.

Um filme de sentimentos, não de palavras, de sentir, de perceber, de vivenciar. Algumas dores jamais poderemos curar de fato, algumas feriadas jamais poderemos ver, quanto mais cicatrizar. Deixe sangrar, deixe sofrer. 

Nesse drama, os diálogos são corriqueiros, mas as perguntas levantadas são fortes. Não se chega a alguma resposta de fato, pelo contrário, apenas a mais perguntas. A câmera foca nos olhos, nos lábios, na boca e nos movimentos. Na trilha sonora, o som natural se destaca, o som das ruas e dos ruídos de uma cidade que cresceu e se perdeu em seu crescimento. A atuação é exuberante e a direção intimista. 



Ao final, não se tem uma resposta, se tem uma aceitação. As ondas do mar são fortes e o longa nos leva à cena inicial do filme. Corpos se batem, sorrisos e semblantes de felicidade, banhados por um olhar de tristeza. E Verônica está ali, calada, com um sorriso calmo e leve, um olhar direto e concentrado. 

"Eu, eu mesmo Verônica" se centra num estilo de cinema nacional que ganha força aos poucos na industria independente. Não é ideia do autor abordar as questões sociais, econômicas, mas o sujeito, o "eu" dessa historia. Ele é dotado de ideologias, de fatores sócio-econômicos, mas também de dúvidas, de incertezas, de questionamentos e de um existencialismo. É esse o sujeito que esse drama quer abordar.

Verônica possui tudo e ao mesmo tempo nada, no filme se fala sobre tudo, ao mesmo tempo não nos diz nada. Uma falta está sobre esse longa, um silêncio gostoso e prazeroso toma conta do drama, nos conduzindo e nos levando, como as ondas do mar. 



sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Sociedade Dos Poetas Mortos


Capitão, Meu Capitão

Robin Willians é John Keating. Ele retorna ao lar, seu antigo colégio preparatório, para ministrar aulas de literatura aos jovens estudantes.

Bem recebido pela academia, devido ao seu histórico, ele possui uma visão diferente sobre o “ensinar” e esse seu método baterá de frente com o modelo seguido pela direção do colégio. Sua idéia é propor que os alunos pensem, sintam, bradem, chorem, mas que faça apenas aquilo que estejam sentido. Sem regras, sem cobranças, sem medo.

Porém esse colégio funciona como um sistema preparatório para grandes médicos, advogados e futuros empresários. Estes alunos não são simples alunos, mas são jovens que tem que ser grandes na vida e não podem pensar pequeno. Seus pais não desejam que seus filhos se percam num caminho de sentimentalismo, mas querem que eles alcancem tudo o que eles não puderam ter. Enfim, não há tempos para sonhos bobos.

Com uma direção segura e tradicional, esse drama trabalha de forma bem calma e lenta possível o elo entre estes personagens. A amizade que nasce entre ambos e como os conceitos deste professor conquistam a cada um.




Liberdade, ser livre para pensar, amar e ser o que deseja ser. Essa é a idéia que esse professor quer passar aos seus alunos e essa será a lição mais difícil. Seus alunos vêm de famílias que já traçaram todos os passos deles. Eles não teem vozes ou vez.

É diante deste cenário que Keating irá trabalhar a poesia. Será por meio da poesia que mostrará aos seus alunos que eles são livres, nada os prende, nada, nem mesmo um nome de família. Alguns destes jovens serão despertados por tais ensinamentos e juntos re-fundarão a “Sociedade dos Poetas Mortos”. 

O grupo formado por Keating, quando aluno, se baseava na idéia de reunir um grupo de amigos e em numa gruta/caverna ficarem recitando poesias, dos grandes autores ou deles mesmo. Apenas recitar, sentir a liberdade das palavras. Sentir as próprias palavras.

Após essa série de atos, esses jovens serão transformados. Overstreet (Josh Charles) conseguirá conquistar a garota que tanto deseja, Perry (Robert Sean Leonard) entrará para o grupo de teatro, que é algo que sempre desejou, mas que teve medo da negação de seu pai e Anderson (Ethan Hawke) saíra da sombra do irmão e se focará em seu próprio caminho.



O que estes jovens conseguem é se libertarem de seus medos, de seus receios, das cobranças. Seus pais, irmãos e famílias representam algo que os oprimi e os sufoca.  O amor que eles não tiveram com seus pais, será reestruturado na figura de Keating. Para estes alunos, ele não é apenas um professor, mas é um mestre, um capitão.

Sociedade dos Poetas Mortos fez sucesso por nos trazer um drama bem trabalhado, uma história terna e o mais interessante: foi trazer o drama sobre um professor que ousou e quebrou regras para libertar seus alunos. Estes não estavam presos à violência, ou falta de perspectivas, mas estavam presos pelas ambições de suas próprias famílias, seus pais. Ora, liberdade é viver para si e não para o outro.


A trilha soberba, o elenco jovem e a direção sempre eficiente conferem a esse drama uma suavidade, uma ternura e uma força incrível. Indicado ao Oscar de Melhor Ator e Roteiro, Sociedade dos Poetas Mortos nos leva a sentir nossa dor, a falar sobre ela, a recitar sobre ela, seja por meio da poesia, do grito ou do ato de atuar. 


Gravidade


Não se entregue

O que dizer sobre Gravidade? Alfonso Cuarón em seu mais novo filme, entrega um longa grande e intenso. Um drama sobre a dor, sobre o silêncio, sobre a vida, morte e renascimento. O que fazer quando tudo que a sua volta se desmorona? Agarra-se a algo e tenta permanecer vivo. 

Ryan Stone (Sandra Bullock) está com uma equipe de astronautas realizando um pequeno trabalho de rotina no espaço. Tudo segue normal. Seu comandante Matt Kowalski (George Clooney) observa a vista, está em sua última viagem e sentirá saudades daquele lugar tão silencioso. Ryan está concentrada no serviço. Nos primeiros minutos percebemos como ela é séria, fechada e reservada e ele, sempre tentando obter a melhor piada de todos os momentos.

Após alguns instantes é dado um aviso de que eles estão em risco. Pouco tempo se passa e já não há mais nada que possa fazer. A nave e toda tripulação é atingida por destroços de um satélite. Nesse momento, há o confronto e depois o silêncio. Ryan se perde da nave e dos outros, e roda e roda perdida, sem ter em que se apegar. Seus olhos veem apenas o universo e mais nada e ela fica a deriva, rodando, rodando, tentando se comunicar com alguém e nada.

Kowalski chega até ela, se prende a ela e tentam retornar para a nave. Porém, eles são os únicos sobreviventes desse acidente. O que fazer agora é apenas tentar sobreviver e voltar para casa. Mas aí que fica a questão. Pelo que vivemos, pelo que iremos voltar para a casa? Ryan possui um passado marcado pela dor que é nos revelado em poucos minutos. É estranho como tanta dor, tantos anos de lágrimas e amargura podem ser dito em apenas segundos. Nesse momento, compreendemos o motivo dela estar lá e estar fazendo o que faz.




"Gravidade" fala sobre a falta de termos a o que nos apegar, é um retrato sobre uma mulher que está perdida em sua vida, inerte em seu próprio mundo, vivendo um dia após o outro e mais nada. É nesse ponto que está o grande do filme. O drama possui uma história simples de certa forma, pois mostra um grupo de tripulantes em trabalho rotineiro, um imprevisto acontece, apenas dois permanecem vivos e assim lutam para poderem voltar à Terra com vida. Mas não, Cuarón vai mais longe  e revela todo o lado de dor dessa personagem.

Não serão apenas os obstáculos que se levantarão contra ela para se manter viva e voltar com vida à Terra. Será seu próprio desejo de permanecer viva. Para Ryan falta a vontade de viver, o desejo pela vida. Na verdade, esse drama não fala somente sobre uma mulher que tem que enfrentar todas as impossibilidades para se manter viva, mas fala sobre alguém que está perdido na vida, sem motivos, que apenas abre e fecha os olhos e mais nada.

Pelo que vivemos? Pelo que morremos? A busca por compreender a dor que nos cerca, entender seus motivos e não se entregar à morte em vida, esse será o caminho dessa mulher. "Gravidade" nos fala sobre isso. Há um espaço e um silêncio tão reconfortante. Mas ele também pode nos levar a morte, uma morte silenciosa e imperceptível. Todo filme trabalha em cima dessa questão, o confronto com a dor, o reconhecimento desta e a percepção de que estamos vivos e por esta vida lutarmos. 




Durante o drama cenas são mostradas, o filme nos conquista pela seus efeitos especiais. A cena inicial em plano único, é dotada de uma técnica cinematográfica que dificilmente se vê no cinema, tamanho trabalho que dá para realizá-la. As cenas fazendo uma alusão ao nascimento de Ryan, ao confronto com sua dor, a conversa singela e sincera com Kowalski e a cena final em que faz toda uma alusão a um renascimento. São cenas como estas e trabalhos como estes que nos revelam a grande força do cinema.

Em "Gravidade" não temos apenas um filme de ficção cientifica que nos prende do começo ao fim, mas uma trama sobre o homem, sobre suas dores, seus sentimentos, sentimentos estes tão abstratos e difíceis de se compreender, mas que ganham forma diante dos nosso olhos.

Mas se filme consegue chegar onde chega, isso se deve também ao excelente trabalho de Sandra Bullock. Sozinha na grande parte do tempo, só vemos ela e por meio dela vemos tudo. Seus olhos são nossos olhos, sua respiração é a nossa respiração. Sua vontade passa a ser a nossa vontade. Um  trabalho incrível, difícil tecnicamente e emocionante. Essa atriz que até o momento havia se lançado em comédias fracas, apos o drama "O lado cego", se lança nessa trama profunda e poderosa, num trabalho cansativo e desgastante e arranca uma atuação grande e avassaladora. 

Enfim, o que dizer sobre "Gravidade" se não que ele é um grande filme, uma obra que com toda certeza, ganhará força com o tempo e com os anos.