segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Antes do Inverno






Paul (Daniel Auteuil) é médico cirurgião e casado com Lucie (Kristen Scott Thomas). Possuem uma vida tranqüila, pacata, calma e bem sucedida. Num certo dia, ele recebe um buquê de rosas em seu consultório e o que era apenas um buquê, passa a ser entregue todos os dias, seja em sua casa, hospital em que trabalha ou consultório em que atende. 

Misteriosamente uma jovem, Lou (Leila Bekhti) o encontra dizendo que ela o conhece. Ele a operou quando ela era pequena, ele não se lembra, entretanto Loul sabe que foi Paul e se sente agradecida por tê-la salvo a vida. Aos poucos ele passa a desconfiar que essa moça seja a dona destas flores. Nesse meio tempo, seu casamento entra em abalo e toda harmonia da casa revela dissonâncias que antes não havíamos percebido. 

Além desta moça, há também na relação entre esse casal um amigo da família, muito próximo de Lucie. Percebe-se que há algo ali, algo que não sabemos, mas que pressentimos.

Em “Antes do Inverno” há um drama em que incertezas perduram no ar. Nada é dito e uma nuvem de dúvidas percorre toda história. Não sabemos de quem vem as rosas ou por qual motivo elas são entregues. Quem é a moça que sempre o encontra e qual a relação de Lucie com o amigo deste médico.


O filme se passa pelo olhar de Paul, então toda trama é aos poucos desvendada por ele e por nós também. Entretanto, algumas verdades são lançadas e estas nos levam a imaginar ideias e certezas. Neste momento percebemos como o longa constrói imagem e a desconstrói em seguida, e coloca em dúvidas, elaborando jogos de mentiras e verdades.
O drama possui uma trilha envolvente, ora às vezes seca que nos causa um distanciamento com relação ao drama, ora entrega uma sonoridade forte e envolvente. Essa trilha consegue dar sobriedade a trama e dar um clima francês a toda história.


A fotografia é gélida, denotando uma frieza que paira sobre todos os personagens e sobre o longa. É interessante perceber como esta fotografia e a trilha completam essa frieza, frieza esta estampada nas faces, nos gestos ou nas expressões dos personagens que estamos vendo, observando e conhecendo.

O longa caminha, caminha e a verdade revelada ao final do longa não é de fato importante ou impactante, mais importante fica sendo as incertezas levantadas pelo enredo, as incertezas construídas, as verdades diluídas. O diretor com isso estabelece um drama sólido, frio, dotado de força e jogos de verdades onde nada é dito de fato, porém que podemos perceber pelas falas, gestos e ações de seus personagens. 



domingo, 21 de dezembro de 2014

Fim de Semana





“Fim de semana” poderia até ser um drama simples, a primeira vista que fala apenas sobre sexo, drogas e coisas banais, entretanto não, esse longa vai mais além. Uma trama baseada em personagens que numa primeira vista são fechados, calados e reservados, mas que com o desenvolvimento do drama vemos que não, são sensíveis e sonhadores. Com o desenrolar da história, conhecemos melhor seus sentimentos e passamos a nos identificar e a compreender seus medos, devaneios e desejos mais contidos. 

Russel (Tom Cullen) está saindo de uma confraternização na casa de um amigo. Apesar dos sorrisos e da sua tentativa de ficar a vontade, percebe-se no seu olhar um mal estar em não querer estar ali. Voltando para casa, resolve descer numa boate, lá entra e permanece e acaba conhecendo um cara com quem vai para cama, Glen (Chris New).

No dia seguinte, Russel então leva café para Glen na cama que sorri da atitude dele, nessa hora percebemos as diferenças sutis entre estes dois sujeitos. Russel é mais fechado, calado, sentimental e que deseja no fundo encontrar alguém bacana com que possa ter um compromisso mais sério. Já Glen não, é mais solto, ousado e não está ligado a este tipo de relações ou sentimentos.

Durante a conversa, Glen pede para que Russel faça uma declaração do que ele achou da relação sexual que tiveram, sobre ele e sobre a noite. Segundo Glen, é para um trabalho da faculdade, é uma pesquisa que ele está desenvolvendo para compreender as atitudes do outro que nos cerca. Em certa altura dessa cena, Glen relata que quando uma pessoa chega a um lugar desconhecido, ela pode ser o que deseja ou transparecer quem ela deseja ser. Entretanto, ela não consegue, há uma barreira que não a permite fazer isso. Entre esse desejo de ser o que deseja de fato e esta barreira que a impossibilita, há uma camada, uma parede e esta que revela de fato quem a pessoa pode ser nessa vida, mas que não consegue ser. 

Assim que os dois se conhecem, uma informação é nos dada, Glen está de viagem para os Estados Unidos e só terá apenas mais um fim de semana em Londres. Ou seja, estes dois sujeitos só terão um fim de semana para poderem viver esse breve caso, romance ou lance e assim fazem, continuam saindo, se encontrando, ficando e conversando.



 


“Fim de semana” aposta num drama intimista, profundo, calcado no diálogo e na presença apenas de seus dois personagens. Nada mais vemos nesse drama, outros personagens não ganham importância, tudo está ligado entre Russel e Eduardo. Não há muito o uso de espaço ou lugares abertos, sempre as cenas são em lugares os mais fechados possíveis, apenas para demonstrar a relação destes dois sujeitos. Ora vemos este dois homens em diálogos entre si na casa de Russel, seja na cama, sala ou terraço.  Ora em espaços mais abertos, entretanto mesmo quando se usa espaços abertos, como bares, parques, ainda sim, todo o resto perde a importância e ficam como plano de fundo, como se nada importasse, apenas a interação entre Russel e Glen.

“Fim de Semana” trabalha com uma estrutura que nos lembra muito outro filme, “Antes que o dia termine” e suas continuações, “Antes do por do sol” e “Antes da meia noite”. Nessa trama, o roteiro e as atuações dos atores se sobressaem. Num começo temos apenas uma troca de olhares, onde cada um mostra o que deseja. Com o desenrolar da projeção, vemos que cada um revela de fato quem é e a conversa entre eles fica mais ácida, verdadeira, crua e nua. Há um choque entre as verdades e entre os pensamentos de ambos. Cada um revela de fato quem são, ainda sim mergulhados em suas mais diversas máscaras. 

Nesse sentindo, o que esse drama faz é uma análise do comportamento de tantos e tantos nesta vida. Homens e mulheres em suas defesas que tentam apenas se manterem vivos. Russel, apesar de saber o que deseja, tem dificuldade em aceitar sua homossexualidade. Eduardo, mesmo tendo uma maior aceitação de quem realmente é nessa vida, possui sérias dificuldades em aprender a confiar no outro. Todos vêem de traumas passados, seja a ausência de uma referência, ou dores vindas de relações que não deram certo.


Nesse universo, estes dois jovens se fecham e vivem enclausurados, cada um ao seu modo. É nesse choque de pensamentos, entre Russel e Glen, que o longa se concentrará todo o seu drama e cada elemento cinematográfico será usado ao máximo e com delicadeza para nos transpassar isso. 

Ambientes fechados, promovendo um grau a mais de intimidade, como se nada mais importasse ali, a ausência de qualquer trilha sonora, sendo apenas moldada pela paisagem sonora, promovendo um silêncio avassalador, onde quando todas as vozes se calam, ainda sim podemos perceber o som da vida. A troca de olhares constantes e a câmera sempre focada na face e nos olhos de seus protagonistas,tentando expressar o que eles sentem, sofrem, mas sem o uso das palavras.

Os diálogos são incríveis, sempre tocando nos mais diversos temas, mas nunca entrando em contato direto com as feridas que mais doem na vida destes sujeitos. É como se eles quisessem falar sobre o que sentem ou sofrem, mas não tivessem coragem ou estrutura para isso. 

Apesar de ser um filme com temática gls, esse drama aborda as dores, sofrimentos, receios de todos, sem exceção.  

Ao final do longa, algumas atitudes são refeitas, mas de outras formas, como se a percepção que cada um tem sobre a vida mudasse. Pessoas nos marcam de diversas formas, tanto para o bem quanto para o mal e isso é inevitável e essa cena nos traz essa Ideia.  Outra cena que nos chama a atenção é quando Russel está a observar o horizonte, mas o modo como ele o vê já é diferente, não é um olhar marcado pela solidão ou tristeza, mas apenas de confiança e certezas.  



quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Um Método Perigoso




Emblemático e profundo, com fortes diálogos e excelentes atuações, “Um método perigoso”, drama com direção de David Cronenberg, mergulha fundo no mundo da psicanálise para falar sobre dois grandes homens envolvendo esse campo do conhecimento, Freud e Jung.

O mundo ainda não conhecia a psicanálise, porém alguns estudos sobre essa área começam a ser desenvolvidos por Freud (Viggo Mortensen), entretanto ainda sim, a comunidade cientifica não a aceita com plena exatidão essa nova linha do conhecimento.

Neste período Jung (Michael Fassbender) começa então a tratar umas de suas pacientes, Sabina (Keira Knightley), por meio da cura pela fala. Métodos estes desenvolvidos por Freud. A teoria que emana deste judeu passa a ser colocada em pratica por este alemão. E aos poucos, num trabalho longo e contínuo, Sabina vai apresentando melhoras do seu quadro clínico.

A partir deste fato desenvolve entre Freud e Jung uma grande amizade, baseada numa relação de professor e aluno. Freud via em Jung o discípulo que precisava naquele momento para levar seus estudos adiante e por sua vez, Jung via em Freud o homem que lhe poderia ensinar mais sobre essa nova área de pesquisa.  

O primeiro encontro deles é marcado por fortes diálogos, pensamentos que revelam já desde cedo seus pontos diferentes sobre vários temas. Um tema percorre todo longa indiretamente, mas que vai ganhando força no desenvolver do drama e que se materializa num sonho de Jung, a grande Segunda Guerra Mundial. 




Conforme vai passando os anos, Jung sede aos seus desejos e acaba se envolvendo sexualmente e sentimentalmente com Sabina, sua paciente, fato esse que Freud desaprova, já que na visão do judeu, toda paciente transfere para o psicanalista, o objeto de seus desejos, sendo normal esse desejo do paciente pelo médico. 

Entretanto, outros atritos vão ganhando forma entre estes dois homens, principalmente com relação as bases da psicanálise. Para Freud, a sexualidade era um dos grandes motivos que movem os homens em seus desejos, receios e repressões, ou seja, a base para os estudos de Freud concentram-se na questão sexual. Já para Jung este é apenas um dentre vários elementos existentes que podem ser analisados. Outros também devem ser levados em conta, como os mitos que nos regem, então neste sentindo, ele vai adentrar em campos não aceitos por Freud, como a telepatia e o misticismo.

Estes desentendimentos irão gerar uma quebra nas relações destes dois homens, revelando outro lado destas duas figuras, como inveja, orgulho, ressentimento e fraquezas. Ou seja, o que este drama faz é transformar estas duas figuras históricas em homens com qualidades e defeitos. Ambos os personagens, como Freud e Jung, também tinham seus problemas, suas inseguranças, seus traumas, não eram convictos do que sentiam. 

Além disso, outro medo estava pairando sobre a sociedade, uma iminente nova grande guerra.  Freud por ser judeu, sentia o peso dessa verdade ganhando forma. Jung num sonho dito a Freud ao final do filme, nos revela esse destino fatídico da humanidade. É interessante perceber como o diretor constrói esse medo e como esta dura verdade histórica será o desfecho para estes personagens. A guerra entra como um elemento não importante no filme, entretanto que vai ganhando forma, sendo visualizada, percebida e que ao final, se revela totalmente. 







“Um método perigoso” possui uma fotografia bela e elegante, um figurino impecável. Se estes aparatos técnicos dão peso ao filme, a direção, o roteiro e atuação do elenco elevam o longa a um patamar grandioso. Numa primeira vista, o longa parece ser tradicional, quadrado, apenas baseado numa história real. Porém, o filme vai além disso e consegue imprimir a marca deste diretor. E isso se dá por meio das cenas, dos desejos que tomam seus protagonistas. 

Toda historia se passa pelo olhar de Jung, são seus medos e dúvidas que observamos atentamente. Freud entra na história como uma figura que apesar de não estar sempre presente, ainda causa desconforto e uma culpabilidade. Já Sabina representa o desejo sempre presente, pulsando, tentando e levando o seu protagonista a realização dos seus desejos sexuais mais reprimidos, fato este que causa desconforto em Jung. 

Outro ponto interessante está em perceber como os conceitos de Freud sobre a questão da sexualidade se concretizam sobre as ações de Jung e como a personagem de Sabina, apesar de toda sua instabilidade, se revela ao final do longa como a personagem mais equilibrada com relação aos seus desejos.

“Um método perigoso” pode ser um drama a primeira vista simples, mas que guarda em suas camadas mais profundas grandes complexidades, envolvendo medos, traumas, desejos reprimidos, verdades incapazes de serem aceitas e que tememos com a nossa própria vida. 

Um filme grande que revela a grandiosidade deste diretor, mas que dever ser visto com calma e atentamente, pois os grandes momentos deste drama se concentram nos não ditos, nos comentários insignificantes, nas cenas não marcantes, nas camadas mais profundas.