domingo, 17 de abril de 2016

Vida que segue ....


Acho que vou deixar o mistério rolar”

Em sua segunda temporada, The Leftover muda de abertura, estrutura e cidade  para nos apresentar uma trama ainda baseada nos mesmos problemas, sentimentos e dores. A primeira vista, o que se percebe é que estamos vendo um outro seriado, mas não demora muito e aquela antiga trilha ganha forma e vemos que nada mudou, o luto ainda está ali, firme e forte.  

Na primeira cena da temporada, vemos uma mulher em dores de parto, estamos num período pré-histórico. Devido a ela sentir que está perto de dar à luz, sai de perto dos seus, uma caverna. Por conta deste ato, ela se afasta de todos, quando um terremoto acontece causando um desmoronamento da caverna soterrando a todos, somente ela sobrevive. Em meio ao pânico e a dor, ela dá a luz. Em meio a morte, brota a vida. Após isso vemos o caminhar desta mulher para cuidar desta criança quando um novo acaso acontece. O acaso guia os homens, em seus passos, seus feitos e suas ações.

Anos se passam e nesta região nasce a cidade de Jardem. Uma cidade onde o calor impera, a natureza mostra sua beleza, mas algo ainda está ligado a este local. Quando acontece a partida repentina onde 2% da população simplesmente desaparece, Jardem é poupada.

Nesta cidade conhecemos a família do policial John Murphy (Kevin Carroll). Ele é um homem sério, que não acredita em milagres e tenta manter a paz e ordem em toda cidade. Para que esta ordem seja mantida, ele usa métodos um tanto violentos e não tem pudor para realizá-los. Sua esposa Erika (Regina King), é mais compreensível e tenta entender a postura do marido. Ela tem dois filhos Michael (Jovan Adepo) e Evie (Jasmin Savoy Brown). São gêmeos, entretanto nasceram em tempos diferentes. O próprio nascimento deles foi dado como um milagre.




Diante deste fato, todos acham que sobre esta cidade há algo de poderoso, de sobrenatural. Todos então resolvem migrar para esta cidade em busca de proteção e segurança.

Devido ao grande número de pessoas que desejam entrar na cidade, Milagre torna-se numa verdadeira muralha. Todos que habitam na cidade, usam pulseiras que o identificam. Há toques de recolher e todo um aparato de segurança. Tudo para proteger os cidadãos que foram poupados.

Nesta cidade tudo remete a milagres, toda uma simbologia foi construída para todos que cheguem a esta cidade tenham certeza que nesta cidade há algo de poderoso e esta ideia dá certo. Milhares de pessoas passam a acampar na entrada da cidade e portões são construídos para manter a segurança ao local. Entretanto, não há milagres em Milagre.

Chegam à cidade Kevin, sua filha Jill (Margaret Qualley) e sua nova esposa Nora (Carrie Coon) com a pequena filha recém adotada que ela havia encontrado no fim da primeira temporada. Eles conseguem comprar uma casa e tentam restabelecer suas vidas novamente. Mas algo de estranho acontece assim que eles chegam. Um novo terremoto acontece, o lago da cidade é todo esvaziado e Evie, a filha de John, desaparece. Seria um nova partida?

A partir deste fato começam-se as buscas e todo um alvoroço toma conta da cidade. O que aconteceu a estas garotas? Estaria Milagre também protegida?



O seriado, estruturado em dez episódios, segue a mesma linha do primeiro ano. Porém, para esta segunda temporada houve mudanças. Sai de cena o tom melancólico da primeira temporada com seu ar de mistério e ganha força o drama que envolve seus personagens.

Na primeira temporada havia toda uma estrutura moldada pela melancolia, seja pela abertura se utilizando de um instrumental de música sacra ou pelos episódios em que não se percebia um semblante de felicidade. Não havia paz para estes homens e mulheres. A dor da perda era tanta, que não havia tempo para nada, nem para amor, prazeres, rizadas, olhares bobos ou perceber o sol. Neste segundo ano a abertura já nos mostra pessoas sorridentes, olhares descompromissados, crianças brincando. Sim, há ainda o vazio deixado pela pessoa amada, mas ainda sim, há a vida que segue.

No primeiro episódio conhecemos a família Murphy. Ele policial, ela médica, os filhos sempre sorridentes. A impressão que temos é que estes vivem numa redoma de vidro e que estamos vendo a outro seriado. No meio do episódio, a família de Kevin chega, com seu passado, com seus traumas. Ao final algo de estranho acontece, Evie desaparece com suas amigas. Este desaparecimento desperta antigos receios. Nesta primeira trama, a trilha é soberba, alegre, mas não demora para que aquela velha batida retorne mostrando que sim, ainda a dor permanece, o luto permanece.

No segundo episódio a trama é centrada sobre a família de Kevin e vemos o que aconteceu a eles desde quando os incidentes da primeira temporada terminaram até o momento em que chegam a Milagre. Neste instante vemos como eles formam uma nova família, como Nora adota a pequena que é encontrada em frente a casa de Kevin e como este encontra-se numa situação delicada. Kevin passa a ser assombrado pelo fantasma de Patti. Este arco, envolvendo este policial e o espírito de Patti é o que rege toda temporada principalmente. O interessante é que durante todo começo da temporada, os autores do seriado jogam com a ideia: estaria este policial louco ou falando a verdade?

No terceiro episódio, a trama se volta para o desaparecimento de Evie e todas as ações tomam seus caminhos. A partir deste fato, cria-se inúmeros conceitos sobre o desaparecimento das pessoas, mas a cada nova teoria que nasce, percebemos que todos estão perdidos em suas teorias. Na verdade, ninguém ainda sabe o que aconteceu e está incerteza que paira sobre todos é o que de fato os amedronta.




A partir do quarto episódio, o seriado a cada trama se centra num grupo de personagens. Neste primeiro momento temos a história focada em Laure (Amy Brenneman)  e Tom (Chris Zylka), e suas tentativas de recomeçarem em suas vidas, tentando esquecer o passado da seita dos Remanescentes Culpados e tentando libertar as pessoas dos pensamentos desta seita. 

Após isso em Matt (Christopher Eccleston), nos mostrando como este pastor ainda continua com seus percalços, tentando manter sua fé, mesmo diante de todos os problemas. No sexto episódio, a trama é focada em Nora e Erika, mostrando os lados opostos destas duas mulheres e revelando algo muito mais profundo desta cidade. Até o nome do episódio, “Lente” faz uma referência não apenas a uma nova teoria lançada sobre os que desapareceram, mas sobre a própria cidade de Jardem.

É perceptível ver neste momento como o seriado alcançou seu ápice. A primeira temporada se revelou como ambígua, alguns a amaram, outros a odiaram na mesma proporção. Mas em seu segundo ano, o seriado refez suas linhas, seus arcos, reconstruiu os elementos que cercam seus personagens, mudou praticamente toda estrutura do seriado. 

Estas mudanças deram certo, pois diminuíram a melancolia do seriado, o deixando mais ameno e mais suave.  Neste sentindo, a ideia que se estabelece sobre este segundo ano é deixe as águas rolarem. Deixe o mistério acontecer. Por meio de uma melodia gostosa, singela, imagens em cores vivas, o seriado nos remete a ideia de que apesar de toda drama, a vida continua.




A partir destes personagens que nos são mostrados, a trama volta sua atenção para Kevin e a busca de sua cura. E esta cura é marcada pela morte e vida, busca e redenção revelando todo o poder sobrenatural que The Leftover nos revela. Os episódios sete e oito, centrados em sua busca implacável para se dar um fim ao seu drama, nos dá uma resposta ainda colocada pelos autores no começo da temporada. Estaria Kevin sofrendo de alguma doença ou enlouquecendo? Para The Leftover, não.

No penúltimo drama, revemos uma personagem há muito tempo afastada, mas ainda assim sempre presente. Meg (Livi Tyler) e a simbologia dos Renascentes Culpados. Vemos o seu passado, aquele passado antes da Partida Repentina e compreendemos um pouco melhor quem é esta mulher tão amargurada. Ela deixa de lado a inocência e fraqueza que sua personagem representava na primeira temporada e retorna com uma força e uma frieza imensurável.  Nesta trama muitas das questões lançadas são respondidas e então temos o fim da temporada.

The Leftover em sua segunda temporada, tem um total de apenas dez episódios. Seu episódio final poderia ser muito bem colocado como final de encerramento do seriado, caso ele tivesse sido cancelado. Esta trama consegue dar conta de finalizar inúmeros dramas e núcleos de personagens e ainda sim, deixar no ar um tom de mistério e incerteza que perdura sobre todo drama, como deve perdurar.

O canal HBO renovou este seriado para uma terceira e última temporada. A trama não tem objetivo de dar uma resposta ao que aconteceu aos que partiram, mas dar uma razão de viver para os que ficaram. E isso de fato aconteceu. Se a primeira temporada foi moldada pelo luto, a segunda foi mediada pela esperança.



 Mais uma vez, em sua segunda temporada tivemos personagens intensos e fortes e carismáticos. Roteiros bem elaborados moldados por uma trilha perspicaz e condizente. Entretanto, alguns elementos tiveram destaque, outros foram colocados com menos intensidade.

A trilha, sempre presente na primeira temporada, neste segundo ano está mais singela, mas ela ainda está lá, se fazendo presente e se mostrando presente, guiando, manipulando, dialogando, simbolizando a dor, a vida, a morte, o luto. 

As metáforas sobre a vida e a morte e o acaso que nos cerca também.  A cidade perfeita, numa redoma de vidro, intensa, com um sol belo e noite fria, que guarda seus segredos e seus traumas a longe de todos, mas que quando vistos, revelam fraquezas, imperfeições e pecados.

O tema de mistério sede espaço para o drama, para as dores, para os traumas. Diante de tantos segredos que cercam, diante de mistérios que nos guiam, o seriado faz sua escolha, prefere deixar o mistério rolar, acontecer, existir. Não importa o que acontecerá com nós após a morte ou como viemos a este mundo, o acaso acontece e isso que importa.