terça-feira, 15 de março de 2016

The Lobster


Um filme interessante, um filme diferente


Em “The Lobster” temos uma história marcada pelo surreal, pelo estranho. Numa sociedade em que os homens são obrigados a viverem em casal, os solteiros são obrigados a acharem uma pessoa com quem possam viver juntos. Caso contrário serão punidos.

Nesta sociedade, todos os solteiros são enviados para um hotel e lá podem ficar por um certo período de 45 dias. Caso encontrem alguém que possam ter uma relação, voltam para a cidade e para seus afazeres. Caso contrário, ao final do prazo, serão transformados num animal de sua escolha e viverão livres e solitários na natureza selvagem.

A cena inicial do longa nos mostra uma mulher meio perturbada dirigindo numa paisagem de campo. Ela sai do carro, vai até um pastoreio e com uma arma atira num boi. O animal morre, os outros vão até ele e a mulher retorna para seu carro. Então a imagem fecha e temos David (Colin Farrell) um homem desiludido, deprimido e desleixado para com a aparência. O motivo, foi abandonado pela esposa depois de anos de casado. Além de dar conta do motivo de ter sido deixado, tem que se preocupar com sua estadia neste hotel e com a possível ideia de ser punido, tornando-se num animal.

Ao chegar ao hotel, ele é apresentado as regras do local e percebe uma prisão quase sem muros nesta nova vida. Neste hotel tudo é ensinado para que os homens compreendam como é importante viver em companhia com alguém.

Nesta sua nova moradia temporária, ele se depara com dois homens. Homem Balbuciando (John C. Reilly), é um sujeito mais calado. Está perto da sua estadia final e ainda não achou nenhuma parceira e o Homem Mancando (Ben Whishaw), chegou juntamente com David. O Homem Mancando para conseguir conquistar sua parceira, cria estruturas particulares que não possui para tentar conquistar a pretende, já que ela possui este mesmo problema. No universo de The Lobster, os parceiros buscam se relacionar com pessoas semelhantes que tenham dificuldades ou problemas semelhantes.

David diante do receio de se tornar num animal, acaba por se envolver com a Mulher Cruel (Angeliki Papoulia) uma mulher fria, sem sentimentos. Para tal, ele tenta se passar por um, um homem apático e sem sentimentos. Entretanto tal ideia não dá certo e lhe causa mais problemas do que soluções.

Após isso, partimos para a segunda parte do longa e temos um outro olhar sobre a vida dos homens. Se na primeira parte predominava a vida em casal e os solteiros eram vistos como fracos. Na segunda parte os solitários se revelam, com seus códigos, suas leis, com suas normas e regras tão mais violentas quanto a dos casados.





O que se percebe neste drama é como o longa aborda um tema um tanto audacioso e presente. A busca pelo outro, a forma como nos anulamos em ter tal pessoa e como as regras estabelecidas em sociedade podem ser violentas caso não a sigamos.

Em toda obra, viver sozinho é algo que não se pode. Quando se deve ter alguém não se fala, mas todo homem deve ter um companheiro ou companheira. Numa das cenas é perguntado a Colin se ele se considera homo ou heterossexual. A possibilidade “Bissexual” não existe. Ou seja, ele tem que saber. As identidades, os prazeres, a forma como ele recebe a vida e as perguntas que possa ter ao longo da vida não importam. O que prevalece é ele responder a uma pergunta e ela é respondida, com frieza, sem pensar, como se pudesse escolher uma cor ou um prato num restaurante.

Esta frieza se molda pelas atitudes também dos homens para com os seus companheiros. Não há afeto, apenas uma convivência calcada em tudo, menos amizade, companheirismo, afeto, paixão ou amor. Tudo é muito desumanizado, mecanizado, superficial. Nesta sociedade há uma falta de sentimentos, O que prevalece é um instinto de sobrevivência.

Após isso, sua saída do hotel, David se depara com os solitários. Nesta nova trama, vemos estes solteiros que também se aplicam regras e normas. Não pode haver contato sexual, nem olhares ou nada que transpareça que há sentimentos e (ou) relação entre as pessoas. Todos devem viver sozinhos, consigo mesmos. Viver em seus mundos, afastados de todos, escondidos, nas florestas, tentando ao máximo se manterem vivos. Se na floresta há a liberdade completa para se viver sozinho, nas cidades há toda uma fiscalização para que os solteiros não existam.


Neste universo de leis, violência e imposições, este drama toca em temas complexos, nos traz para o nosso campo de visão uma trama diferente, ora estranha, ora acessível, ora cheia de metáforas. Não há como entender de fato o que move a estes personagens, ou estes grupos que se estabelecem.

Durante todo drama a há uma crítica pela busca de se ter um “outro” na vida do sujeito. Vivemos numa sociedade em que o sujeito, para se alcançar a felicidade que tanto deseja, precisa necessariamente ter um “outro” em sua vida. 

Não há felicidade plena se estiver só. Dois vivem melhor que um e para que tal “cara metade” seja encontrada, o homem se molda aos gostos padrões, aos valores padrões, os paradigmas padrões. Perde-se as particularidades de cada um e se adota uma homogeneização nos tratos, paladares, nos corpos e vestimentas. No hotel deste filme, todos usam a mesma roupa, todos se comportam da mesma forma, fazendo talvez uma referência a falta de diferenças que moldam os homens em sua vida em sociedade.

Mas se no hotel há esta busca constante pelo outro, na floresta, se encontra o oposto da cidade, há uma busca constante em se manter só. Ora, os extremos moldam os personagens deste filme, mas ao mesmo tempo em que estes desejam viver solteiros, vivem em grupo, em comunidade. Ora, não vivem completamente sozinhos, solitários.



Este drama traz em seu roteiro vastas referências interessantes sobre o viver em sociedade. Sobre as relações humanas, sobre a perda de identidade. Sobre como nos moldamos aos olhos dos outros. Sobre as regras em sociedade, regras simples de convivência, mas que revelam toda arbitrariedade em suas relações. 

Para além de todas estas percepções do drama, a falta de um nome para estes personagens é algo evidente. Todos são descaracterizados de seus nomes, de suas possíveis identidades. O que marcam ou os classificam são suas situações. Os personagens deste drama perderam não apenas sua liberdade, mas sua essência, seu nome e sua razão. Apenas David permanece em meio a esta essência, mas até quando?

No elenco temos Colin Farrell, num papel que não o vemos com frequência, em que a beleza não se faz muito presente e o corpo nos mostra um sujeito inerte na vida, fora dos padrões convencionais. O interessante de se notar neste drama é que Colin em diversas entrevistas sobre o filme, afirma que mesmo depois de ter gravado o longa e ter visto, ainda ficou sem entender muito bem as motivações de seu personagem.


Rachel Weisz também se destaca como a Mulher Míope, mas a meu ver, quem se sobressai é Lea Seydoux como a Líder Solitária. Ela dá a vida ao outro lado deste extremo, onde os solitários vivem suas vidas e as regras também se fazem presente. Ou seja, não importa quais os lados da moeda, sempre haverá homens desejando impor regras, conceitos e padrões.