domingo, 23 de fevereiro de 2014

Short Term 12




O amor constrói pontes

Em Short Term 12 temos um grupo de jovens que distante das suas famílias, tentam se recuperar dos traumas vividos, das dores sentidas, dos abandonos vivenciados. Cada um tem sua história de dor, de carência, de ausência, de violência.

Grace (Brie Larson) e Mason (John Gallagher Jr.) tentam ajudar estes garotos a superarem esses traumas. Também vitimas dessas dores, eles mais como ninguém, sabe como é a dor.
Quando chega no abrigo Jéssica (Stephanie Beatriz) Grace se identifica com ela e tenta a todo custo ajudá-la. Mas a situação é bem mais complicada do que se poderia imaginar. Jéssica esconde dores que fazem com que Grace se lembre do seu passado. Na busca de ajudar essa garota, Grace irá se deparar com seu próprio passado num momento em que tudo pode mudar em sua vida.

O que esse drama invoca é a dor, a ausência e feridas e como o amor pode construir pontes. Todos estes jovens de uma forma foram tocados como não deviam, machucados como deviam. Não sabem o que é o amor ou o afeto, tanto que muitos ainda teimam ou tentam fugir desse abrigo.





O filme faz uma singela abordagem sobre o ato de confiar, de falar sobre a dor. As vezes conseguimos nos abrir com pessoas que não pertence ao nosso ciclo de vida, que confiar não é algo que vem com o tempo, mas que vem com a capacidade de olharmos e nos identificarmos com alguém.

Grace esconde um passado, que vamos compreender com o passar e desenrolar do drama, assim como Jéssica. A história contada por essa garota metaforizando sua dor e sua infância é tão dolorosa, tão traumática, tão infantil e tão terna. 

Violência gera violência. Assim como Grace, Jéssica e Mason há outros nessa casa longe do amor, longe do afeto. Estes jovens não conheceram esse sentimento então, como irão vivenciá-los no seu cotidiano. 



O diretor não faz imagens ousadas, não produz um grande filme, mas entrega um drama tocante e sensível que deixa a beleza por conta da história de seus personagens. São personagens reais, transparentes, as vezes presos aos clichês, aos estereótipos, mas ainda sim, calcados na realidade. 

A dor marca e fere, a ausência mata, mas o amor, ele não, ele refazer pontes. Ensinar valores nunca antes vivenciados, ou ensinados, e mostrar que o amor não é aquilo que aqueles jovens viverem é algo que dá trabalho. É um processo lento e calmo, do dia-a-dia e é isso que esse drama nos mostra. Tudo segue tão calmamente, e aos poucos esse filme revela sua grandeza. 

A entrada do personagem Nate (Rami Malek), funciona como uma introdução, uma maneira de conhecermos a cada criança, seus medos, seus históricos de vida e como estes jovens como Grace e Mason trabalham com eles. 

A trilha sonora às vezes encanta, às vezes não. A cena final, em câmera lenta, faz deste final tão poético, tão lindo e tão tocante. A direção é suave, singela, nada grande, porém nada pequeno. Assim é esse filme: pequeno e grande, suave e forte. Um filme que fala sobre a dor, sobre o amor e sobre a vida.




sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O Cinema e a Realidade



 


O cinema é talvez realidade, mas também outra coisa, geradora de emoções e sonhos” (MORIN, 1997, p.36).

O homem necessita da ilusão para viver, pois esta é uma das formas para superar seus medos, inquietações e dores ou mesmo alcançar a tão sonhada e desejada felicidade e a imagem lhe causa esse prazer. 

O prazer segundo Freud (1997) é o que nos move em nossas atitudes, falhas e acertos. Homens guiados por sentimentos resguardados em sociedades, mas que encontram no poder das imagens através do cinema uma fuga, uma ilusão verdadeira, um reduto de desejos. Assim é o cinema para o homem. Ele representa a realidade, a ilusão, o desejo e uma saída. O cinema está para a realidade, assim como realidade está para o cinema.

Nesse sentido, por mais ilusão que seja o cinema, a sua essência encontra-se na veracidade da vida. É a realidade que as mantém.

O cinema é um meio técnico que consegue exprimir a idéia de um mundo ou de uma sociedade. “O cinema foi a primeira forma de arte em decorrência de uma invenção tecnológica” (TARKOVSKI, 1998, p. 95) e nesse sentido ela consegue revelar e compreender ao fundo todas as questões emblemáticas que percorrem o homem. 

Segundo Tarkovski “o cinema deve ser um meio de explorar os problemas mais complexos do nosso tempo” (1998, p. 94). Trazer para as telas do cinema e levar até as pessoas uma arte que tem a capacidade de iludir, nas palavras de Tarkovski, “uma ilusão verdadeira” (1998, p. 99), mesmo a pessoa sabendo que aquilo que está diante dela não é a realidade em si, mas apenas a sua representatividade, é a função primordial do cinema. Morin afirma que “se a sua realidade é ilusão, é evidente que essa ilusão é, apesar de tudo, a sua realidade” (1997, p. 31). Ele é um interlocutor entre o imaginário e a vida real, se não se apega a realidade, produz uma representatividade dela.




O cinema em comparação com outras artes, como a pintura e a fotografia, leva uma grande vantagem pelo fato de ter o poder de dar movimento ao instante fotografado e capturado, fornecendo-lhe mais sensação de veracidade.  “Entre todas as artes ou todos os modos de representação, o cinema aparece como um dos mais realistas, pois tem a capacidade de reproduzir o movimento, a duração e restituir o ambiente sonoro de uma ação ou de um lugar” (AUMONT, 2007, p. 134), para Morin “o cinematógrafo aumenta duplamente a impressão de realidade da fotografia, na medida em que, por um lado, restitui aos seres e às coisas o seu movimento natural” (1997, p. 31).
 
Ainda segundo a noção de ilusão e verdades, o cinema comporta traços da vida, pois segundo o autor, em sua essência há a realidade, reproduzida em uma forma de linguagem utilizando-se da fotografia. “A fotografia não cria [...] ela embalsama o tempo, [...], a imagem pode ser nebulosa, descolorida, sem valor documental, mas ela provém por sua gênese da ontologia do modelo; ela é o modelo” (BAZIN, 1991, p. 24). Mas, um dos pontos que mais chamam a atenção de Bazin para essa compreensão, do cinema como espelho da realidade, é que ele pode reproduzir o tempo.  “A imagem das coisas é também a imagem da duração delas” (1991, p. 25). 

O ritmo e o tempo é um dos elementos, segundo Tarkovski (1998), mais importantes do cinema. Ele confere sensibilidade e mais veracidade ao filme. Segundo o autor, que foi um dos que mais estudou esse elemento, o ritmo “expressa o fluxo de tempo no interior do fotograma [...] É impossível conceber uma obra cinematográfica sem a sensação do tempo fluindo através das tomadas” (1998, p. 134). Segundo o autor, para que o filme tenha ritmo, isso vai depender de uma variação de fatores como comportamento dos personagens, tratamento visual e trilha sonora. 



Outro aspecto que será de extrema importância para o cinema e sua representatividade com o real é a questão da identificação do espectador com essa arte. Nesse sentido, quando uma pessoa entra numa sala escura, senta na poltrona, a junção desses elementos mais o som e os olhos fixos na tela, fazem com que o público crie laços em que a história por mais ilusória que seja se passará ao espectador com uma noção de real. Por cerca de duas a três horas o público acreditará que aquilo que vêm, ouvem e sentem tenha alguma realidade. Segundo Morin esse fator se dá por meio da projeção e identificação.

A projeção é um processo universal [...]. As nossas necessidades, aspirações, desejos, obsessões, receios, projetam-se, não só no vácuo em sonhos e imaginação, mas também sobre todas as coisas e todos os seres [...]. Na identificação, o sujeito, em vez de se projetar no mundo, absorve-o. A identificação incorpora o meio ambiente no próprio eu e integra-o afetivamente. (MORIN, 1997, p. 108).

“Da simples ilusão de movimento a toda uma gama complexa de emoções, passando por fenômenos psicológicos, como a atenção ou a memória, o cinema é feito para dirigir-se ao espírito humano” (AUMONT, 2007, p. 225). Ele, o espectador, deseja ver o irreal, mas também, o que está próximo dele, como praças, campos, lugares pelos quais tenha passado ou desejado estar. “O que atraiu as primeiras multidões não foi a saída duma fábrica, ou um comboio numa estação [...] mas uma imagem do comboio, uma imagem da saída da fábrica. Não era pelo real, mas pela imagem do real” (MORIN, 1997, p. 33). Segundo o autor, a imagem fixada no cinema é apenas uma transposição da vida delas. A idéia de ilusão permanece, pois ela é uma imagem, mas é justamente por ser uma imagem de algo verdadeiro que impressiona e cativa atenção e admiração do público diante do cinema. 

Além dessa ilusão, há a idéia da realidade posta ao espectador, nesse sentido, o público passa a ter uma segunda visão sobre a vida, sendo que esta consegue trazer a tona detalhes e nuances que não seriam possíveis na visão comum. Essa segunda visão, a do cinema, traz consigo também a magia e a poesia das imagens. “Segundo a expressão de Moussinac, a imagem cinematográfica mantém o contato com o real e transfigura-o até à magia (MOUSSINAC apud MORIN, 1997, p. 35).

O cinema é feito por sonhos, verdades, mentiras, ideias, medos, desejos e sensações das mais diversas às mais complexas, assim como o homem. Ele é um espelho de um homem imaginário. 

AUMONT, Jaques. A imagem. Tradução Estela dos Santos Abreu; Claudio Cesar Santoro. Campinas: Editora Papirus. 2007.  

BAZIN, André. O cinema. Ensaios. São Paulo: Editora Brasiliense. 1991.


FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Tradução de José Octavio Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago. 1997. 


MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginário. Tradução António-Pedro Vasconcelos. Lisboa: Editora Relógio D’Água. 1997. 


TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o tempo. Tradução Jeferson Luiz Camargo. São Paulo: Editora Martins Fontes. 1998