quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Histórias Cruzadas


“Histórias cruzadas” é simples, é meigo, é bacana, enfim, na sua simplicidade ele nos conquista.

Estados Unidos, década de 60 em meio a efervescentes movimentos de contestação ao moralismo, discriminação e racismo da época. Em Mississipi as coisas não andam como no restante do país. Nessa região, ao sul da América, os negros não existem, não tem direito, não falam, não tem presença.

Skeeter (Emma Stone) é uma garota a frente do seu tempo. Possuindo pensamentos diferentes das garotas da sua cidade e vindo de uma Universidade, tem a ambição de ser uma escritora. Algo muito grande para uma mulher que na visão da sociedade, nem devia sair da cozinha. Vendo a forma como os negros são destratados, resolve escrever como é a sensação de vidas das empregadas da cidade: mulheres negras que saem de sua casa, deixando seus filhos a sorte, para cuidar dos filhos de outras famílias e serem tratados como verdadeiros objetos por algumas famílias.

A ideia de escrever esse livro não é bem visto por ninguém, nem pelos brancos ou pelos negros, mas ela não desiste e persiste até que duas mulheres concordam em testemunhar suas vidas, Aibileen (Viola Davis) e Minny Jackson (Octavia Spencer). É a partir dessa ajuda que tudo começa a ganhar vida e os ojetivos de Skeeter começam a ganhar forma. Mas não apenas o desejo dessa jornalista, mas também o dessas mulheres que querem ser ouvidas e querem propagar sua voz dentre a sociedade. O longa segue a cartilha normal, mas algo chama atenção para ele, talvez seja sua simplicidade, talvez o seu elenco, mas algo nos prende a essa história, pois ele e nos conquista.  



“Histórias Cruzadas” toca num tema delicado de forma leve. O racismo, ferida que já sangrou muito e ainda sangra, tanto nos Estados Unidos como aqui no Brasil também, de tempos em tempos é tema de longas. Alguns se sobressaem, outros não, alguns retomam o passado para compreender esse presente que em quase nada se modificou, outros partem do presente mesmo para perceber que esse problema tem suas raízes num passado muito distante. Enfim, a questão é complexa.

O que o filme quer aborda é como se dá essa relação, é como os brancos veem os negros. É algo natural pensar assim? É algo normal? O namorado de Skeeter representa essa ideia, essa forma de visão, assim como outros personagens que trafegam no longa. O título original faz uma melhor alusão ao drama, “A ajuda”. Mas essa ajuda pode representar inúmeros significados, desde os negros que necessitam da ajuda de uma jornalista branca para terem suas histórias contadas ou mesmo os brancos que precisam da ajuda dos negros para se verem e perceberem como são hipócritas e vivem uma vida de perfeição, baseada em falsidades.

Outro ponto a levar em consideração é o da figura das mulheres neste longa. São elas as donas das historias, das vozes, das ações. Sendo assim, nesse drama, são trabalhadas duas identidades, a das negras frente ao racismo da época e das mulheres, que estão subjugadas a serem apenas mulheres do lar. Skeeter então tenta quebrar, com a publicação desse livro, estes dois paradigmas, o preconceito às mulheres e aos negros. Por isso nesse filme são invocados estas personagens que estão geralmente escondidas nos cantos, sempre invisíveis que são as empregadas. 



Uma questão que envolve um ato de racismo dentro do drama revela o lado mais intimista que a história quer abordar. Ao tocar na questão de se ter um banheiro exclusivo para as empregadas, o diretor traz o foco para um tom mais intimista no filme, uma abordagem mais calcada em certas personagens específicas. Não é a questão econômica, ou o direito ao voto ou a sua representação, não são os estudos, mas as personagens, enquanto pessoas. Elas são mulheres, donas de sentimentos, medos e necessidades fisiológicas comum a todos e a não permissão de usar o banheiro comum, as sujeita a uma classificação abaixo das demais mulheres.

Com esse tom intimista, sem grandes fatos, o filme caminha e é nessa simplicidade que reside o grande desse longa, seja na simplicidade de suas personagens ou seja na atitudes, pois elas epenas relatam a história de suas vidas com relação a suas patroas. Sem uma grande trilha sonora, sem grandes momentos dramáticos ou cômicos, o drama segue contanto como se dá a publicação deste livro e como é a repercussão deste na sociedade, tudo de forma bem leve. Do mesmo modo que há personagens em que o lado dramático prevalece, como no caso de Aibileen, há o lado leve e engraçado, representado pelas personagens de Octavia Spencer e Jessica Chastain.

Histórias Cruzadas não quer ser uma grande analise do racismo que impera e se mostrou forte nos Estados Unidos, mas abordar com tom leve e simples, esse momento, esse lado da história. Ele toca no cotidiano destas personagens e arranca desse detalhe, todas a carga histórica e racismo, preconceito, ódio e ignorância dos homens com relação a outros homens. 






O Abrigo



Curtis (Michael Shannon) é um homem de família. Vive com sua esposa Samantha (Jessica Chastain), e sua filha Hannah numa  pequena e pacata cidade dos Estados Unidos. Eles teem uma boa casa, Curtis tem um emprego que lhe paga um bom salário e o plano de saúde necessário para que eles possam tratar da filha, já que ela tem problemas auditivos. 

Samantha fica com os afazeres domésticos e o cuidado com Hannah, além de produzir alguns bordados que dão uma certa renda. A filha deles está prestes as fazer uma cirurgia que poderá trazer boas mudanças ao seu estado de saúde. Enfim, eles tem uma vida normal e super tranquila, não há do que reclamar. Mas algo está errado, algo de muito grande está para acontecer.

Curtis começa a ter fortes pesadelos envolvendo uma tempestade e pessoas descontroladas querendo lhe fazer mal. Esses pesadelos não cessam e pouco a pouco vão afetando seu estado de saúde. Ele afirma que uma grande tempestade está para chegar à cidade e por conta disso, resolve se preparar e fortalecer seu abrigo contra esse possível mal, é esse o abrido que trata o título do longa. Mas ao mesmo tempo em que ele acredita em seus instintos, ele teme por estes pesadelos, já que sua mãe foi diagnosticada e internada com esquizofrenia. É nesse embate entre a razão e loucura que o diretor irá guiar os passos deste homem.


O drama aborda o delírio e um possível instinto de presságio com muita competência. Cortis sabe que seus sonhos podem retratar uma instabilidade, o início de uma doença, por conta disso, resolve procurar ajuda médica, entretanto mesmo diante dessa dúvida, ele resolve se preparar para esse mal. É como se uma força maior o obrigasse a se proteger, a agir. 

Durante toda película, não sabemos até que ponto estamos vendo reais sinais ou a mente de um homem o enganando. É nesse ponto que reside o grande do filme, pois o diretor não escolhe um lado. Do começo ao fim do drama, ele trabalha com essa temática: a dúvida. E a cena final representa muito bem isso

Um fato interessante a ressaltar é o cenário construído pelo diretor. A cidade em que moram, a casa em que vivem, a escola e a comunidade são simplesmente perfeitos. Não há falhas, erros, imperfeições ou miséria. A vida desse casal se assemelha a daquelas que vemos em filmes com finais felizes ou que um dia desejamos ter. Mas é nessa vida “perfeita” que há instabilidade, o erro e o grau de ameaça, é nessa normalidade que se encontra o mal.

A loucura de Curtis é tratada com naturalidade, pois Samantha se comporta com total apoio ao seu marido. Eles são um casal que não tem erros ou segredos, pelo menos, demonstram não ter. Curtis não tem olhos para outras mulheres, Samantha fica ao lado de seu esposo em todo momento, mesmo quando ela vê nele traços de verdadeira loucura. Toda essa perfeição nos mostra onde a loucura se instala, onde ela fica presente e como ela ganha força. A tempestade representa um mal, uma instabilidade, um medo da quebra de uma redoma de vidro de perfeição.

O elenco esta ótimo, dando destaque para Shannon como Curtis e Jessica como Samantha. Novos rostos no cinema americano, demonstram ter seriedade para compor papéis densos ou leves. Shannon já havia brilhado e sido indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante por “Um sonho possível” e Jessica brilhou com leveza em “Arvore da Vida” e mostrou ser simpática e extremamente divertida em “Histórias Cruzadas”.

Com relação a trilha sonora, destaque ao uso muito competente do silêncio, do instrumental na cena final, invocando que algo muito grande está para acontecer e dos ruídos fazendo referência a  uma tempestade. A tensão fica por conta de duas cenas que estão próximas ao desfecho do longa. A direção é segura, pois mantém uma linha de dúvidas constantemente, não deixando nenhum lado (loucura, razão) prevalecer. 

A busca de compreender esse mal sem chegar de fato a uma explicação é ótima, pois não é ideia do longa explicar, mas apenas mostrar um homem e seus receios. Um sujeito preso ao medo da certeza que tem, de que algo muito grande está para acontecer e a certeza que também possui, de que sua  razão está prestes a desmoronar. Entre essas duas “certezas”, resta a dúvida de qual caminho deve seguir e o longa demonstra isso por meio das imagens de forma bela e firme.