terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Selma: Um grito pela liberdade


Um grito de liberdade, um clamor de esperança

A busca pelos direitos dos negros é marcada por perdas e conquistas. Por pessoas que fizeram história e marcaram vidas. Na vasta história que envolve os negros, tanto no Brasil, quanto nos Estados Unidos, tivemos a vida de homens e mulheres que ao seu modo, lutaram, bradaram e resistiram.

Este drama “Selma” vem contar uma história muito já conhecida. Mas não muito bem explicada. Martin Luther King (David Oyelowo) foi um dos grandes líderes negros que os Estados Unidos já conheceu. Sempre pregava a paz, a não violência e por meio dos seus discursos, conquistou a milhares de pessoas, brancos e negros.

Neste novo drama, muito bem recebido pela crítica, voltamos ao tempo para a cidade de Selma para acompanhar as manifestações de King em torno ao direito dos votos para os negros.

Estados Unidos, 1963, aos negros era concedido o direto a votar, mas para isso, precisavam de uma autorização de repartições especificas e quem liberava tais pedidos eram brancos, em muitos casos, contra o direito aos negros para votarem. É neste clima de forte racismo, violência e segregação que King chega à Selma para tentar levar esta proposta adiante.

O drama apenas faz um recorte da vida deste líder, recontando esta história da vida dele, do momento em que ele chega a Selma ao momento em que consegue, depois de muito custo, alcançar esta conquista.




Selma” faz uma leitura básica e simples da vida deste homem. Na trama o que se sobressai é o poder da história da vida do personagem. Indicado ao Oscar de Melhor filme, o filme foi o achado do cinema independente do ano de 2014.

Mas é pela sua simplicidade que este longa nos conquista. Há pontos falhos neste drama, como uma manipulação nos sentimentos para que possamos comprar as ideias de King e uma falta de compreensão para com os racistas. 

Neste filme, vemos o lado dos negros, e como tais são desenhados como grande vítimas da história e os brancos, como grandes vilões. Mas entre o branco e o negro, há muitas tonalidades. Compreender de onde vem tanta violência ou como a questão do diferente nos causa tanta estranheza, seria um caminho mais complexo, entretanto interessante de se trabalhar.

Em “Selma” a cultura negra está impressa em cada tonalidade, cada veste, cada penteado, cada fala, cada prato culinário. É como se estivemos observando um outro Estados Unidos. Não há cores vivas, suco de laranja ou sucrilhos. O que vemos são negros, com seus louvores, com suas cores fortes e intensas, com sua fala cantada, seu estilo musical marcada pelo blues e soul.



Um ponto se notar no filme é que toda trama é guiada por informações confidenciais da FBI, revelando como que o governo esteve envolvido com a vida este homem. Neste sentindo, a diretora nos dá a ideia que o próprio King era também investigado pelo FBI.

Mas se o filme talvez possa pecar pela forma como guia a história, manipulando nossos sentimentos, traz para o centro da trama um olhar intenso sobre a conquista dos direitos dos negros e como estes tiveram dificuldade em conquistá-los. O que torna-se interessante analisar neste filme é tentar compreender o motivo de tanta indiferença ou ódio envolvendo a cor de uma pele e como direitos tão básicos foram negados a esta população.

Vemos estes homens e mulheres negros tendo que buscar uma forma de luta. Diante desta luta, há dois caminhos, uma direção marcado pela violência, materializado na figura de Malcon X, que mostra sua presença na história. 

Por outro lado, há uma direção mais tolerante, mais pacifica, na figura de King. Estes dois caminhos e duas formas de pensar, guardam consigo muitas rivalidades e dores. É com beleza e maestria que a diretora foca nesta relação.

Outro ponto interessante é com relação a presença da mulher negra nesta história. Elas não são deixadas de lado ou colocadas apenas como um rosto bonito. Elas tem voz e presença, influenciam e têm presença. Não chegam a ter o papel principal, mas não são meras figuras de elenco de apoio. Elas tem tanta importância dentro deste drama, que a cena inicial do longa começa com uma negra tentando tirar o direito ao voto. Não um homem, ou um jovem, mas uma mulher negra.


São detalhes como estes que conferem peso e força a este filme.  



terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Amorteamo


Há amores que nem a morte pode separar

Arlinda (Leticia Sabatella) é casada com Aragão (Jackson Antunes), porém tem um caso com Chico (Daniel de Oliveira). O drama começa com ela e seu amante na cama em pleno ato sexual, quando são flagrados pelo esposo traído, ele não pensa duas vezes e mata Chico.

Arlinda após a morte do seu amante, se vê perdida, sem chão, sem base, porém ao se perceber grávida, sente a vida novamente correndo pelas suas veias. Aragão permite com que ela tenha o filho, entretanto, jamais ninguém saberá que ele não seja o pai.

Anos se passam e Gabriel (Johnny Massaro), o filho de Arlinda, cresce. Leva uma vida despreocupada, sempre próximo de Lena (Arianne Botello), a filha da empregada da casa. Os dois tem uma relação muito próxima, até que o sentimento entre eles torna-se mais intensa e afetiva e então, resolvem vivenciar este amor, mas são separados por um segredo que os une.

Quando Arlinda fica gravemente doente, Aragão precisa de recursos, então faz um negócio com Isaac (Isio Ghelman), o banqueiro da cidade. Caso Gabriel case com Malvina (Marina Rui Barbosa), filha do banqueiro, Aragão obteria os recursos que precisa para salvar a vida de Arlinda.

Todos aceitam o acordo, o casamento entra em preparo. Malvina se apaixona perdidamente por Gabriel, mas ele ainda está preso a sentimentos por Lenna. Tudo segue, tudo caminha até que o pior acontece.

Ele a abandona no altar para ficar com sua amada e Malvina, a noiva abandonada, se joga da ponte se matando. Tudo terminaria neste momento, toda história se encerraria neste ponto se algo de sobrenatural não acontecesse.

Gabriel arrependido, vai até o túmulo de Malvina pedindo para que ele a perdoe e ela volte. Num momento de dor, ele declama, brada e suas palavras são ouvidas. A morte não a prende e ela retorna a vida, para ficar então com Gabriel. Ele ao ver o que aconteceu, fica sem reação e sem palavras. Ela diante do fato de estar morta, é tomada por uma raiva e fúria. Mas se ela voltar a vida já é algo problemático, tudo piora quando a morte resolve trazer à vida todos os mortos com suas pendências, deixando a pequena cidade num problema sobrenatural.



Amorteamo”, nova série da Globo Produções, aposta e acerta belamente numa trama sobre amor, desejos e traições. Envolvendo em sua trama dois núcleos de personagens, estes personagens são movidos por sentimentos dos mais simples aos mais complexos.

Neste drama, nada separa o amor que os move, nem mesmo a morte. Porém, não é somente o amor que os guia ou move a estes personagens, há outros sentimentos também. Amor, ódio, fúria, desejo e raiva tomam a estes personagens e os moldam.

Bebendo declaradamente da fonte de outra trama conhecida pelo cinema, esta série se faz referência de “Noiva Cadaver”, grande sucesso de Tim Burton. Se naquele desenho a noiva era uma moça marcada pela traição e morte, aqui a personagem de Malvina é movida pela raiva e seus atos revelam isso.

Amorteamo” possui uma trilha sonora exuberante, onde o instrumental se faz presente moldando cenas, personagens e sentimentos, mas a música também ganha força, na voz dos personagens que declamam suas dores, alegrias e situações, numa melodia gostosa e bela.



A fotografia investe nas cores quentes, ousadas e fortes, lembrando mais uma vez o velho trabalho de Burton. As cores chama a atenção, demarcam os limites dos sentimentos e revelam o que os personagens sentem.

Outra característica forte do seriado é com relação aos cenários construídos. Ora eles representam a realidade que os cerca, mostrando praças, cidades e casas, ora há um tom de fábula, surreal e não verdadeiro. Uma forma de nos mostrar que esta história é ficção, nada é real, mas ainda sim, está calcada da representação da realidade.  Estas construções envolvendo o cenário, lembram muito outras produções da Globo como “Hoje é dia de Maria”, Alto da Compadecida” ou “Afinal, o que desejam as mulheres”.

Mas se “Amorteamo” bebe de outras produções e isso fica claro em sua execução, o seriado possui suas particularidades e seu roteiro tem elementos de força e peso. 

Na trama vemos dois grupos de personagens sendo guiados pela morte. Em cada grupo há sentimentos de amor, desejo, traição e renegação. Se Malvina volta a vida para buscar Gabriel e não aceita ser abandonada novamente, Chico retorna para buscar seu amor, e cobrar a morte que teve nas mãos de Aragão. 

Mas não apenas isso, é na morte, que estes personagens construídos primeiramente pelo prisma do amor, são mostrados de forma mais realista. Neste sentido, nem toda perfeição é perfeita, nem todo amor, está moldado pelo amor.


A vida é um eterno retorno, vidas vem e vão, se mesclam, se moldam, se fragmentam, se chocam. Estruturadas em cinco episódios, toda trama é cuidadosamente elabora e construída. No elenco, os personagens revelam toda sua complexidade e ternura. Personagens marcados por um olhar mais negativo, são humanizado, porém positivamente. Personagens mais tonalizados pela ternura e amor, são também humanizados, só que negativamente.

Neste meio termo, outros personagens trafegam pelo seriado, dando comicidade, leveza e ternura ao drama que move esta trama. Fato este que ajuda, já que o drama em certos momentos, chega a ser intenso e forte.

Amorteamo” é um excelente acerto, seja pela sua história, pelo seus quesitos técnicos ou pelo seu primoroso elenco. Há possibilidade para uma segunda temporada, nada certeza, mas não consigo ver uma continuação para esta história, se houver, bom, teria que ser algo muito bem estruturado e produzido.