domingo, 29 de novembro de 2015

A Lula e a Baleia: na busca por aceitação



O outro nos toca, nos move, nos transforma

Na busca por aceitação, na busca por reconhecimento, nos projetamos sobre outros, negamos o que somos, mas ao final, percebemos que todo este caminho de negação revela-se desnecessário. Quando isso acontece, o que fazer diante dessa verdade?

“A lula e a baleia”, drama independe, trafega por este caminho, entre o desejo de aceitação e a busca pelos seus próprios caminhos.

Joan Berkman (Laura Linney) e Bernard Berkman (Jeffe Daniels) são casados há anos, mas o casamento jã não está naquele clima. Ela sempre se manteve distante da literatura, apenas cuidando dos filhos, da casa, da família e trabalhando como professora. Ele atua como professor numa universidade. Há anos lançou uma obra que foi bem recebida pela crítica, após esse fato, não conseguiu emplacar mais nenhum livro.

Bernard é arrogante, acha que o mundo se separa entre filisteus e não-filisteus, ou seja, aqueles que na opinião dele, tem bom gosto por cinema, literatura e música e os que não têm. Já Joan é mais atenciosa, compreensiva, sentimental e silenciosa.

O casal tem dois filhos, Walt Berkman (Jesse Eisenberg), o mais velho, muito parecido com o pai, mais seguro de si, frio e indiferente. Recita livros que não leu, comenta de músicas que nunca ouviu, canta canções que nunca compôs. Tenta a todo custo e momento transparecer uma identidade que se assemelha a do seu pai. Frank (Owen Kline) é o caçula e mais ligado a mãe e como ela, frágil, sentimental, carente, que transparece ser mais fraco.

Quando Joan lança uma obra literária que é ovacionada pela crítica, a relação entre ela e seu marido chega a um ponto que não tem mais volta e então o divórcio entra como único caminho. Walt e Frank fazem suas escolhas, o mais velho deseja ficar com o pai e Frank com a mãe.

Neste meio tempo, Joan se envolve com um novo homem e tem seu passado conjugal escancarado pelo marido numa tentativa dele de denegrir a imagem dela. Bernard se envolve com uma estudante, mas sem nunca confirmar tal relacionamento. Esta separação provoca nestes dois jovens uma confusão de sentimentos e pensamentos. O que pensar, o que desejar, quem está certo ou quem está errado?




“A lula e a baleia” faz uma abordagem sobre relações, relações que dão certo, relações que dão errado. Relações marcadas por amor, marcadas pelo abandono. A impressão que temos é que o diretor nos coloca diante deste casal, sem saber o que de fato os uniu ou os separou e vemos suas relações, suas vidas, suas dores e dúvidas. E diante do que vemos, vamos oras nos apegando a certos personagens, ora nos distanciando.

Com o desenvolvimento do drama, percebemos a arrogância do esposo, a sensibilidade e as dúvidas de Joan, a raiva sendo moldada por Walt e a falta de estrutura no pequeno Frank. Entretanto, o longa também nos remete a algo mais delicado, algo mais emblemático. Todo o drama se argumenta sobre Walt e talvez por conta disso, haja sobre ele uma relação de abandono e admiração. 

É em sua relação com mãe que se estabelece e se molda a alegoria da lula e a baleia. Sempre ele fora o preferido dela, após o nascimento de Frank ele perde o seu posto e então, para tentar ter a atenção de sua mãe novamente, molda suas atitudes, seus gostos e seu modo de ser com o do seu pai. Porém quando vem a noticia da separação, ele percebe que toda inspiração que tomou para si não é válida e ele se perde nessa caminhada. Ora, o exemplo que sempre tivera para si mostrou-se ser frágil e errado, então, quem se tornar diante de toda essa verdade. Walt perde o chão, a estrutura e toda sua base.

É interessante de se perceber como o drama vai construindo esta relação. Num primeiro momento temos a relação de Joan e Bernard ao centro. Neste começo do drama, vemos as atitudes arrogantes dele, tentando a todo custo desvalorizar o trabalho de sua esposa. Neste ponto, vemos um homem preso a sua vida, a uma vida que não ama, que não deseja e que não lhe faz se sentir bem e que por conta disso, tem como único ponto de defesa, subjugar a todos para que assim e somente assim, consiga se sentir bem.




Já Joan revela-se o oposto, mais madura, consciente e compreensiva. Entretanto, nem ela está livre dos pecados, dos defeitos. Ela é também é imperfeita e aos poucos vemos uma mulher marcada pela tristeza que buscou nas traições um fuga para sua vida. Quem está certo? Quem está errado? Não há como saber, não há como julgar, só tentar compreender.

Após algum tempo, os filhos que ganham presença na história. Walt não aceita a separação e condena sua mãe, Frank para se rebelar contra o pai, aceita a mãe e toda sua imperfeição. Se num primeiro momento desta análise dos filhos, o diretor nos dá a entender que o objetivo do longa é abordar estes dois garotos, é  Walt quem guia a trama em seus minutos finais. Vemos um adolescente na busca por um referencial, por alguém que possa se espelhar. Sua mãe o “abandonara”, seu pai se mostrara falho em vários aspectos. Aos poucos, vemos que muito do caráter que nos foi mostrado durante todo filme sobre Walt é de fato falso e isso se materializa por meio da canção que ele canta num festival. A canção não lhe pertence, mas ele a canta como se fosse o verdadeiro compositor dela. Porque ele faz isso? Nem ele sabe responder.

A trama segue e prossegue. Não há um desfecho de fato, não uma saída para os seus personagens. A trama segue, a vida segue e tudo caminha. Um caminho marcado pela dor, marcado pelo abandono, marcado pelo passado e este filme vai fechando a janela que nos permite ver essa família, sem ao menos conseguir vislumbrarmos uma saída para estas vidas tão perdidas nesta vida.

Com um belo roteiro, moldado por personagens tão carismáticos e imperfeitos, nos apegamos a esta história, a estas vidas. Nada é perfeito neste drama e por ser tão imperfeito, torna-se tão comovente. A trilha guia os passos, os cantos, as cenas e os olhares. O roteiro trabalha com temas delicados como traições, perdão, amores, caráter sem nunca cair num moralismo, sem nunca se tornar chato.


Em seu primeiro trabalho para o cinema, Noah Baumbach mostra domínio na direção, beleza no roteiro e sensibilidade na construção de seus personagens. Um filme tocante que recebeu ótimas críticas pelos festivais em que passou, mostrando como um cinema pequeno, bem feito, sem ter uma grande história por traz pode nos arrebatar de forma única. Assim é o cinema, nos conquista, pois nos mostra a vida em sua mais bela simplicidade.