terça-feira, 12 de maio de 2015

Penny Dreadful



Terror, suspense, escuridão. Uma trama envolvente e instigante.

Inglaterra, época vitoriana, época de medos e incertezas. Numa era escura e sombria onde a noite prevalece, figuras obscuras trafegam pelo imaginário popular. Nas cidades, a falta de estrutura evidencia uma sociedade marcada pela precariedade, pelo abandono, pobreza e dificuldade. Os subúrbios revelam uma Inglaterra longe da perfeição, onde a presença da peste se instalará e a morte será presente constante.

Vanessa Ives (Eva Green) é uma mulher misteriosa, bela e sedutora. Sua expressão facial é seca e fria. Sua voz é poética e sua ousadia para enfrentar o que não se compreende é assustadora. A impressão que se tem é que ela sabe que possui uma força interna que a move e a protege. Ela trabalha para Sir Malcolm Murra (Timothy Dalton), aventureiro que obteve sua riquezas com a exploração de terras longínquas da África, mas que ao final de sua vida, colecionou solidões, perdas e mortes. A filha, grande amiga de Vanessa, foi raptada por uma criatura desconhecida que pertence as trevas mais escuras da noite. Desejando revê-la, juntará um grupo de pessoas para romper as fronteiras do dia e adentrar num mundo sombrio.

Dentre estes que ajudarão a Malcom está Ethan Chandler (Josh Hartnett). Vindo dos Estados Unidos por motivos desconhecidos, aceita trabalhar em troca de dinheiro, para ajudar seu interesse amoro, Brona Croft (Billie Piper). Chandler tem um passado que não sabemos e deste não teremos conhecimento, a não ser pela cena final da temporada. Ele possui um lado com a fé que não compreendemos já que possui uma grande função no penúltimo episódio do primeiro ano.



Brona é uma prostituta marcada pela morte por ter tuberculose. Não há chances de cura para ela, o que ela faz é apenas tentar se manter viva. Noite após noite trabalha vendendo o corpo, se negando aos seus sonhos e desejos. Encontra em Chandler uma possível esperança e conforto.

O jovem Dr. Victor Frankenstein (Harry Treadaway) é outra figura enigmática. Atraído pela morte, tem no seu passado as respostas por esta atração tão doentia e voraz. Ele é o responsável por dar a vida a um ser, uma criatura (Rory Kinnear), entretanto será assombrado por tal criação. Um pai, um monstro, uma vítima da vida. Com Malcom adentrará um mundo desconhecido e descobrirá verdades antes nunca tocadas. Como a morte faz parte de sua vida, o temor não estará sobre ele. Nunca sabemos quais são seus motivos ou razões, pelo que vive ou pelo que luta. Outro personagem que terá sua participação na temporada, mas sem mostrar a que veio é Dorian Gray (Reeve Carney). Dotado de beleza e juventude, ele terá um envolvimento com todos os personagens da série, mas será atraído fortemente por Vanessa.

O que rege este primeiro ano é a busca de Mina, a filha de Malcom. Ela está sob as forças de um mestre que não sabemos quem é. Protegendo a este mestre, há varias criaturas que rondam toda temporada, vampiros. Estes seres, nós já temos uma ideia do que sejam, porém os personagens desta série ainda não. Nesta época, estas criaturas vivem sob a escuridão, mas ninguém ainda tem conhecimento sobre sua existência. Rastros de mortes são deixados por eles, e por outras criaturas, mas quem provoca tais assassinatos, além dos vampiros, não sabemos.





Algo de mistério envolve Vanessa, seu passado e este possível mestre. Algo a deseja, deseja o que ela esconde ou que ela renega. Nesta primeira temporada conheceremos sua personagem, seus traumas, seu difícil passado e sua relação com o sobrenatural. 

Outro personagem que terá força neste primeiro ano é o jovem Frankenstein. Iremos ver seu passado e veremos como a morte desde cedo já se fez presente na vida deste garoto. É interessante notar que este seriado é protagonizado por figuras ligadas a escuridão, mas que nesta trama serão humanizados, dotados de sentimentos e medos.

Aposta do canal ShowTime, esta série mergulha profundo num mundo sombrio, escuro, onde os pesadelos se tornam reais. Dotado de uma bela fotografia de época, um figurino impecável e uma trilha sonora densa, Penny Dreadful nos arrebata. A abertura do seriado flerta com elementos da morte, do sobrenatural e do terror.

Os diálogos são densos, as referências aos personagens históricos das tramas de terror são revelados aos poucos e cada personagem guarda uma figura emblemática em si. Vanessa Ives percebemos que possui uma presença forte ao decorrer da temporada. Chandler ao final. O clima do seriado é o melhor, um clima frio, sempre pouco iluminado, sempre com cenários ganhando tonalidades escuras. Nem as gravações que são feitas durante o dia, exaltam a beleza do sol. A caminhada na praia é banhada por um céu nublado e acinzentado. É como se há todo momento o seriado nos remetesse a um mundo onde não há esperança, paz, ternura ou amor.





Neste universo de Penny Dreadful a dor move a todos os personagens. São pessoas movidas por seus desejos mais obscuros, que se entregam a estes sem vazão. Homens e mulheres movidos por incertezas, assombrados pelo passado, abandonados pela fé. O argumento do seriado é de John Logan, é dele todos os roteiros do seriado e a direção se subdivide entre a equipe de produção da trama. 

Penny Dreadful que tem um total de dez episódios, consegue manter uma tensão do começo ao fim do seriado. O penúltimo episódio intitulado “Possuída” é um dos mais traumáticos, fortes e densos de toda temporada, sua tensão cresce conforme os fatos vão avançando chegando a um clímax sem saída. A segunda temporada está mais do que confirmada e os segredos envolvendo outros personagens serão aos poucos sendo revelados, com a importância de cada sendo desenvolvida dentro da mitologia da série. 

Assim caminha essa série, envolvendo terror, seres marcados pela dor, raiva, rancor. Personagens abandonados a própria sorte, sem ter um consolo, fé ou algo que os proteja. Este seriado consegue invocar uma sobre a sociedade da época um pessimismo impressionante, ao mesmo tempo que atraente, por meio de uma beleza gótica, estranha e bizarra.



terça-feira, 5 de maio de 2015

Praia do Futuro


A dor de quem parte, a dor de quem fica

Em “Praia do futuro”, novo drama de Karim Aïnouz, o cineasta traz para as telas do cinema dois rumos de sua cinematografia. De um lado vemos todo sofrimento de Donato (Wagner Moura), que deixa sua cidade, sua família, sua vida e parte para a Alemanha, uma terra distante, uma língua diferente, juntamente com Conrad (Clemens Schick). Posteriormente, vemos a dor de  Ayrton (Jesuíta Barbosa), o irmão que é deixado, abandonado e renegado. Ao ir de encontro com Donado, temos estas duas dores face a face. Toda verdade não dita por anos será bradada em silêncio.

Donado é um salva-vidas no Ceará. Nunca falhou em missão, entretanto tudo nessa vida tem sua primeira vez. Quando dois turistas entram nas águas perigosas da Praia do futuro, eles se afogam. Donado faz todo possível e consegue salvar Conrad, porém seu amigo se perde nas águas do mar.

Após Conrad ser medicado e liberado, Donado tenta ajuda-lo em tudo que pode, inclusive na busca do seu amigo. Nesse momento, percebemos entre eles uma troca de olhares, um jogo de insinuações e palavras. O fato não demora e os dois já se lançam numa relação sexual que não poupa na agressividade. Após isso, mantém a amizade, as conversas, o entrosamento. Não há muitas palavras entre eles, nem há essa necessidade.

Quando Conrad precisa voltar a seu país ele convida o brasileiro para ir junto com ele e assim ficam por semanas juntos. Porém tudo uma hora chega ao fim e as férias de salva-vidas também. É onde Conrad pede para que ele fique com ele na Alemanha. Aí vemos a primeira decisão forte de Donado: ficar com o homem que sente um sentimento que vai além da atração e deixar toda sua vida para trás ou voltar para sua terra, para a sua vida.



A cena que representa essa escolha representa também muito bem o cinema deste diretor. Sem palavras, sem diálogos, apenas pelos gestos, pelo olhar, pelo sorriso, sabemos o que Donado deseja e escolhe e em consequência, renega.

Tempos se passam e seu irmão Ayrton chega a Berlim a procura de Donado. Reservado e calado, carrega consigo a dor de ter sido abandonado e o mais difícil, sem saber os motivos para tal abandono.

Esta é a segunda parte do longa, neste momento conhecemos melhor Ayrton, e a partir deste instante, acompanhamos sua jornada, seu silêncio e suas dores. Ao ver om irmão vem a raiva, a dúvida, as perguntas e as agressões. Todas as perguntas querem serem respondidas, mas há respostas para tais questões?

O cinema de karim é composto pela dor do abandono. Se em “Céu de Suely” vemos a dor de quem parte, da garota que vai em direção à cidade grande deixando para traz vidas, família e amores, em “Abismo prateado” vemos a dor de quem fica, de quem é abandonado e precisa reconstruir sua vida diante do caos que se encontra.

Em “Praia do futuro” temos estas duas dores entrando em colapso, num confronto, num conflito. Não há como entender tais motivos, não há como explicar tais ações. Apenas sentir, um sentimento de que nos toma, nos fere e nos leva a percorrer caminhos antes nunca percorridos e a mergulhar profundo em sentimentos tão complexos de dor a raiva, a paz e refrigério.




O longa trabalha com naturalidade e honestidade o tema da homossexualidade e ainda age com ousadia ao escalar Wagner Moura como Donado, um salva vidas sério, discreto que se envolve sexualmente com outro homem.

Detalhes a parte, essa drama trabalha com a dor, poderia ser um casal hétero, ou não, isso é a estrutura de menor importância nesta película. Karim tem uma delicadeza com as imagens impressionante, um trabalho com o silêncio e os ruídos que nos assombra, essas melodias são verdadeiras mensagens dentro do cinema.

As imagens representam e dão voz as palavras que não conseguimos dizer. São expressões de nossa inconsciência, de nossos sentimentos que são tão subjetivos quanto o sopro de vida. Estas imagens representam esta dificuldade em falar, em dizer, em se expressar. Quando não há palavras para expressar o que sentimentos, o melhor é ficar calado e é isso que estes personagens fazem. Ficam calados diante da perda, da morte, do amor e do abandono, mas em contraposição seus gestos expressam, falam, comunicam e gritam.

Ayrton e Donado possuem um passado que devem ser revisitado, um presente que precisa ser compreendido e um futuro que necessita ser construído. Não há como mudar o passado, como remediar o que se foi ou apagar o que aconteceu. O tempo perdido ficará para sempre perdido. Donado tem esse conhecimento, seu irmão apesar de ter sido tomado pela raiva também possui essa ideia. O que fazer diante de tal fato? Perguntas e mais perguntas que jamais se terá uma resposta de fato. A cena final vislumbra este caminho, uma estrada, sem um horizonte certo, carregada de neblinas, duvidas e incertezas, mas que são percorridas por estes três homens.

No elenco, Wagner Moura e Jesuíta Barbosa dão dramaticidade e o peso que o filme necessita, mais a delicadeza da direção de karim confere sobriedade, ternura e suavidade a este filme.