segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Destinos Ligados


Karen (Annette Bening) uma fisioterapeuta quarentona, amarga e solitária, que vive com a mãe e guarda a sete chaves a dor de ter dado sua filha à adoção quando tinha apenas 14 anos. Elizabeth (Naomi Watts), uma advogada insensível e ambiciosa que se envolve com o seu patrão e um vizinho casado e por fim, Lucy (Kerry Washington) uma jovem com o sonho de ter um filho, porém é incapaz de engravidar e por esse motivo recorre à adoção, mas acaba presa aos gostos e mudanças comportamentais de uma adolescente grávida. O que une essas três mulheres, apesar de terem suas histórias correndo paralelamente, é a questão da adoção. Karen deu uma filha para adoção, Elizabeth é essa filha que nasce sem a referência de uma família de verdade e carrega a dor de ter sido abandonada e Lucy é uma jovem incapaz biologicamente de formar uma família, mas que deseja isso mais do que tudo, porém teme que no final não dará certo, ou que não conseguirá amar a criança como ela dever ser amada.

Com um filme intimista, profundo e simples, somos apresentados a essas três personagens que carregam junto de si a dor de uma vida, a dor de não poder mudar o curso e o destino de suas vidas, seja por erros do passado ou por circunstâncias da vida. 
                       


Suas personagens estão mergulhadas num profundo abismo. Karen tenta ser amigável, mas quando percebe, já soltou alguma pérola rascante em direção a alguém. Nem sua mãe se abre com ela, prefere relatar os males da vida com a empregada do que com sua própria filha, mas após sua mãe falecer, Karen percebe que não tem mais ninguém e caso não mude a sua visão de mundo, ficará para sempre sozinha.
Elizabeth sente-se confortável em não ter uma família, não ter a quem se apegar. Seu envolvimento com seu chefe será por questões sexuais e com seu vizinho será por um desejo de ver abalado o casamento dele, ou por apenas conseguir seduzir alguém que está comprometido com o outro.
Lucy é uma jovem bem sucedida que ama o marido, mas que carrega a dor de não poder dar um filho a ele, por esse motivo, acaba ficando neurótica e não percebendo o momento delicado pelo qual o seu casamento vem passando.



Suas histórias caminham quase nunca se encontrando. Karen e Elizabeth, por serem mãe e filha, têm em comum um laço, mas com Lucy, essa ligação se dará ao final do filme. Todas as personagens vão sofrendo uma mudança no comportamento conforme o longa vai caminhando. Karen, somente após perder a mãe é que vai tentar superar o passado. Numa conversa com a empregada em que se dará um dos momentos mais delicado e profundo do filme, ela perceberá a infelicidade em sua vida e a dor de seu passado. Elizabeth após receber uma notícia, mudará toda a rotina e ambições de sua vida. Ela será a única personagem em que os sentimentos não serão bem compreendidos, talvez por uma falha no roteiro em não conseguir explicar com exatidão em que ponto ela queira chegar. Lucy mergulhará profundamente na ideia de ser mãe e ficará cega por esse desejo, porém o receio da adoção e da impossibilidade de engravidar aumentarão com o tempo.


O longa em si é lento, arrastado, caminha sem estar preocupado em encerrar seus dramas bruscamente e tudo soa para isso: os poucos diálogos entre os personagens, a bela trilha sonora quase imperceptível, a fotografia gélida e com pouca vida. Em falar nisso, esses são um dos pontos mais fortes do filme. No drama também nada é declarado diretamente e na única cena em que isso acontece de fato, que é quando Karen se abre indiretamente com a empregada a questionando porque sua mãe nunca se abriu com ela, é em que os sentimentos são ditos com mais voracidade, fora isso, tudo se dá pelos gestos e expressões, enfim, pelos olhares. Nada é forçado, nada acontece gratuitamente, todos os dramas são tratados com muita delicadeza.
A direção é de Rodrigo Garcia, filho de Gabriel Garcia Marques, autor do célebre Cem anos de solidão. Garcia, o filho, tem apenas em seu currículo poucos filmes, são dele Coisas que você pode dizer só de olhar para ela e Nove mulheres, nove vidas. Em todos esses longas ele tem como objetivo analisar a alma e os sentimentos femininos e isso com uma delicadeza impressionante. Ele também esteve a frente de alguns episódios da aclamada série A sete palmos.




O elenco, composto por grandes nomes numa produção independente, está ótimo. Annette Bening está incrível: segura e firme consegue mostrar a dor de sua personagem apenas pela sua expressão. Naomi Watts é um dos nomes fortes do filme numa excelente atuação. Sua personagem é fria, calorosa, distante e confusa e todos esses momentos pelo qual essa passa é mostrada de forma esplendida pela atriz. Samuel L. Jackson está num papel que não o vejo com freqüência, mas que leva com competência.
Bom, Destinos ligados, apesar de ter como eixo central da história a questão da adoção, retrata a dor e aceitação da vida. Compreender o que se tem e aceitar o que a vida lhe proporcionou é uma das ideias do longa. O final do filme é triste e comovente, não há como não se sensibilizar com esse drama. A vida pode ter inúmeras surpresas, assim como ela pode ser trágica, ela pode nos reservar momentos de pura felicidade que só serão vividos ou apreciados quando seguimos em frente. Assim é vida, ela nos conforta em sua continuidade, com seus imprevistos.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Amor e outras drogas


Amor e outras drogas, apesar de parecer uma comédia romântica e os produtores tentarem vender como tal, vai além de uma história cômica para apresentar um drama forte e consistente, chegando até ser, em certos momentos, denso. Ainda há graça nisso?
Primeiramente conhecemos Jamie (Jake Gyllenhaal), ovelha negra da família, seus pais são médicos, sua irmã é médica e seu irmão mais novo, apesar de ser bem esquisito, é um profissional bem sucedido, e Jamie, bom, ele é um vendedor que deixou os estudos e agora vive conforme vão aparecendo oportunidades. No único ponto em que ele é fera é em conseguir sexo fácil com as mulheres.




Após perder o último emprego, ele resolve entrar para o mundo das grandes redes de empresas farmacêuticas, nesse novo ramo, após sofrer um bocado, ele conhece Maggie (Anne Hathaway), uma garota que sofre com o Mal de Parkinson. Ela é bonita e atraente e os dois, após um diálogo cheios de verdades e bem direto, passam a ter um caso movido a sexo. Os dois são bem categóricos, não querem sentimentos envolvidos nisso, mas como não podemos direcionar nossas vidas da real forma que desejamos, Jamie se apaixona por ela e é partir desse momento que o filme engatinha para situações mais sérias. Por Maggie ter essa doença, ela não deseja comprometimento com ninguém, pois tem conhecimento que sua situação só tende a piorar, já Jamie a cada dia que passa vai percebendo o quanto a ama.
O longa se passa na década de 90, época essa em que surge nos Estados Unidos um grande milagre, o Citrato de Sildenafil, mais conhecido como Viagra e é esse o produto que Jamie, após conseguir a aprovação da empresa, vai vender. Basicamente, o filme se centra nesses dois fatores: o envolvimento de Jamie com Maggie e suas vendas desse novo medicamento que faz milagres.



Amor e outras drogas é isso, porém há três fatores que fazem deste filme ficar acima de média: o elenco, o tema e a história abordada e sua trilha sonora. Jake Gyllenhaal e Anne Hathaway haviam trabalhados juntos em “O segredo de Brokeback Mountain”, desde então, seguiram caminhos distintos e firmaram suas carreiras, agora voltam nesse filme em personagens totalmente diferentes, mas eles conseguem ter uma sintonia ótima em cena. Os dois estão muito bem confortáveis em seus papéis, dando veracidade, emoção e calor aos seus personagens. Eles são o centro da trama e tomam ela para si, ela merecidamente foi indicada ao Globo de Ouro e ele, infelizmente, foi esquecido.


Outro ponto forte do filme é a história. Apesar do longa ser sobre eles dois, a figura das empresas farmacêuticas e o surgimento do Viagra corre paralelamente ao contexto do longa. Um dos motivos, levantados pelos críticos para tentar entender o porquê do filme ter derrapado feio nas bilheterias norte-americanas, é que ele faz uma dura, ácida e mordaz crítica a esses gigantes, fato esse não visto com bom olhos pelos americanos. Além do mais, o modo como a história desenvolve a busca de Maggie por uma cura e a piora de sua doença, fazem com que o longa fique mais dramático do que cômico e isso eleva o grau do filme. Para aqueles que acham que vão encontrar um longa apenas com os dois sempre quase nus e em cenas engraçadas, ficará surpreso com o peso que a história vai ganhando ao desenrolar do filme.
E como último ponto, cito a trilha sonora, ela é muito gostosa, bacana e as referências a década de noventa, feitas no começo do longa, são ótimas, destaque para a cena da abertura de Arquivo X, na loja em que Jamie trabalha, quer mais clima de anos noventa do que esse. Há uma canção meio soul que toca nos momentos mais delicados do filme, não sei qual é, mas ela deixa as cenas, nem tão melosas, mas também, nem tão secas, um ritmo agradável e envolvente.




O único pecado do filme é ao final, ele infelizmente se rende ao clichê das comédias, com direito ao mocinho tentar parar o ônibus de viagem em que está a mocinha e tentar convencê-la de que a ama e os dois podem ser felizes juntos. Bom, isso é chato, depois de excelentes momentos com ótimos diálogos e um bom entrosamento entre os atores, o diretor poderia ter colocado uma saída mais interessante a altura do filme, pena.

Há tanto tempo que te amo

A perda é algo irreparável. A perda de uma pessoa querida, de um amor, de uma ilusão. O vazio que fica é estremecedor e os motivos para se seguir adiante, por mais que se busque, sempre serão ofuscados por essa sensação de que está faltando algo. É sobre esse momento tão delicado e tão próximo de nós que trata esse filme.
Apesar do título soar um romance dramático, o longa nada tem de romântico, mas uma profunda e amarga tragédia sobre uma mulher que tenta encontrar seu lugar num mundo que, aparentemente, não lhe pertence mais e nem ela pertença a ele.



Juliette (Kristin Scott Thomas) deixou a prisão após cumprir uma pena de quinze anos pelo crime de ter matado seu filho. Nesse tempo, ela perdeu de sua vida o marido, amigos e a família que se recusaram a visitá-la na cadeia. Sem ter para onde ir ou como recomeçar, sua irmã caçula, Léa (Elsa Zylberstein), a aceita em casa. A última vez que se viram e conviveram juntas, fora quando criança, após o crime, os pais de Juliette negaram sua existência, afirmando que Léa era filha única. Nesse sentido, quando ela aparece, todos ficam surpresos, pois ninguém tinha conhecimento da existência dela. Até Léa fica apreensiva e confusa com relação ao passado, ela sabia da existência de sua irmã, mas por ser criança e com seus pais sempre calados sobre a existência dela, seus pensamentos e sentimentos ficaram totalmente confusos
Com muita dificuldade, Juliette tentará achar um emprego e uma forma de sustento, mas por ser uma ex-presidiária, não será nada fácil. O preconceito a rondará de todos os lados, seja pelos olhos desconfiados do marido de sua irmã, pelo olhar inquieto e, as vezes, camuflado de sua irmã e por fim, de todos os que a entrevistam. Alguns serão diretos, dizendo que não a querem trabalhando com eles, mesmo ela tendo um excelente currículo, outros, de forma indireta, apenas afirmando que não serve para o trabalho.

O filme tem um clima pesado, sofrível e doloroso: a fotografia sempre distante, entretanto, sempre focando nos olhos de Juliette, olhar esse distante, perdido e vazio; a trilha sonora calma, lenta, quase imperceptível, com vastos silêncios; a falta de diálogos entre as irmãs, entre os personagens e por fim, uma dificuldade de Juliette em se relacionar com todos a sua volta. Todos esses detalhes apenas intensificam esse clima tão gélido da película. O longa que é francês tem todas as características possíveis de um clima francês no ar. As belas paisagens de uma pequena cidade, os cafés com todos fumando e se esbaldando em pequenas xícaras dessa bebida, o tema da solidão sempre presente, poucos diálogos, em que apenas a expressão facial consegue dizer tudo, e mais um pouco, enfim, personagens perdidos, que tentam, a cada dia, suportar mais um dia.
Apesar do longa ser tão frio, conseguimos nos apegar a protagonista, mesmo não tendo conhecimento do real fato que a levou ficar presa por todos esses anos. Ela simplesmente se sente fora do eixo, mas nem ela mesmo deseja sentir-se em casa, é como se ainda permanecesse presa e algemada a uma prisão interior, que jamais deixará de existir. Por mais que ela tenha cumprido sua pena, para ela, jamais haverá perdão. Seu passado sempre estará presente.



O diretor que é estreante consegue obter nesse primeiro trabalho um filme profundo, intimista, seguro, terno e humano. Indicado ao Globo de outro de melhor filme estrangeiro e melhor atriz, para Kristin Scott Thomas, no papel de Juliette, o longa foi bem recebido pela crítica e motivos para tal proeza não faltam. Por falar em elenco, todos os atores estão muito bem, mas Kristin leva o destaque. Seus olhos e sua face conseguem exprimir tanta dor e vazio, um trabalho impressionante da atriz. Ela consegue repassar uma série de sentimentos, pois no fundo, nem ela sabe o que sentir diante do que está passando.


Uma das cenas mais marcantes é quando ela toma conhecimento do que aconteceu ao policial que a acompanhava, naquele momento, ela percebe que não possui o controle de nada. Dor, desespero e tensão, sentimentos tão variados, mas que a tomam ao mesmo tempo. O que fazer diante de algo que não se pode mudar ou modificar. Outra cena que merece os créditos é para a última, dizer que ficamos surpresos é difícil, pois já se percebia que o longa iria por esse caminho, mas dizer que não ficamos comovidos, é impossível.

A Single Man


A vida pode ser contínuos dias de tortura
Um homem único, ou algo parecido com Um homem só, pois me recuso a pronunciar o título desse filme em português. Um longa que fala sobre a perda e a morte em vida, como viver se nada mais vale a pena.
George (Colin Firth) é um homem que perdeu há um ano seu amante, namorado Jim (Matthew Goode). Após isso sua vida tornou-se monótona e sem razão até que um dia ele acorda com um único intuito, cometer suicídio. Para isso, ele acorda e vive as últimas sensações de sua vida. Lava o rosto, veste sua roupa, coloca a gravata, toma o café e segue ao trabalho, onde expõe a última aula e segue até a casa de sua melhor amiga. No decorrer desse dia ele age de forma normal, mas na vida nada é tão simples.



O filme se passa na década de 50. Somos apresentados a esse casal por meio de flash back. Começa do último momento entre eles e encerra com a lembrança de como se encontraram. Por serem discretos viviam ainda sob anonimato, mas todos sabiam e comentavam. A família do rapaz não gostava dele, mas George não dava importância a esse fato. Sério, direto, após a perda torna-se depressivo e frio.
Com um tema forte, o filme foca na morte em vida. Acordar, respirar, caminhar, trabalhar, enfim, viver. E quando todas essas rotinas simplesmente perdem o sentido, o que resta é apenas o silêncio e vazio de uma vida. Nesse sentido é que se encontra George. Jim representava tudo isso para ele, quando o perde, toda a base sólida de sua existência se esfarela, se desfaz, se quebra. Todas essas dores são nos passado por meio dos detalhes do longa. Por meio da fotografia, ora apagada, ora viva. A expressão vazia, a trilha quase imperceptível. Um filme que se prende aos detalhes. 



A fotografia, figurino, trilha são simplesmente perfeitos. Quase não há falhas ou imperfeições. As roupas são sempre belas, as mulheres bem trajadas, com penteados simplesmente primorosos. Parece que saíram de um salão de beleza direto para a escola, mercado ou algo do gênero. A trilha é densa e suave, não marca, não atrapalha. A fotografia é interessante, pois é opaca, sem muitas cores vivas na maior parte do longa, somente passa a ser mais quente, com cores fortes nos momentos em que George por um momento só, sente uma certa vida, nas suas lembranças, a conversa direta com Kenny (Nicholas Hoult), o encontro com um rapaz numa loja de conveniência, o momento com sua amiga, Charlotte (Julianne Moore) e no fim do filme se usam essas cores.  
As atuações são outro ponto forte. Além de ter uma técnica muito apurada que valeram muitos elogios ao filme, os personagens principais simplesmente estão ótimos. Colin Firth é um ator britânico muito competente, porém que nunca teve a oportunidade de mostrar toda a sua capacidade como ator. Se prendendo em comédias românticas, dificilmente aparecia num drama. Mas nesse filme, além de viver um personagem polêmico, pois afinal, viver um professor homossexual em plena década de 50 em que se via a homossexualidade como doença, não é nada fácil, ele dá vida a um personagem sem motivação, que não pensa mais em nada, simplesmente, dormir e acordar. Em falar nisso, acordar para ele é um martírio. Sua expressão, tom da voz, andado, postura, tudo mostra essa depressão, essa falta de vida. Uma das melhores atuações do ano e em minha opinião,merecia receber o Oscar de melhor ator, tanto pela atuação extremamente boa, quanto pelo peso do personagem.


Julianne Moore está soberba, encantadora e sensual como a melhor amiga. Com uma atuação singela, foi agraciada com uma indicação ao Globo de ouro, mas esquecida pelo Oscar. Extremamente competente. Sua personagem é densa, engraçada, muda de ares a todo o momento. Uma das melhores atrizes do momento que sabe escolher os personagens e que até agora, infelizmente, nunca recebeu uma estatueta. Outro ator que se destaca é o jovem Nicholas Hoult que vive perseguindo o professor por uma atenção. Sua atuação é forte, magnetizadora, direta.



Toda essa perfeição nos detalhes tem um motivo. Quem assina a direção, roteirizarão e produção do filme é o famoso estilista Tom Ford. Ele simplesmente se lança nessa empreitada, investindo muito dinheiro do próprio bolso. Famoso por conseguir salvar uma marca de roupa, consegue em sua primeira investida no cinema fazer um filme muito bom. Talvez tenha pecado pelo excesso de perfeição, pois afinal, um mundo tão arrumado quanto esse não existe, mas nos dá uma impressão que talvez valha a pena tanta perfeição,pois num mundo em que não há defeitos e todos estão belos e bonitos e não existe pobreza, miséria ou desigualdade, ainda existem pessoas marcadas pela dor e infelicidade.    



Um belo filme que se apega desde os detalhes, como figurino, câmeras, maquiagem, até os passos mais pesados do cinema, como atuação e direção. Nunca caindo no melodrama, mas sempre mostrando o peso da vida, faz com que a pessoa que está assistindo torça para que George perceba a vida que está perdendo. Com um final suntuoso, a direção não cai no clichê e permanece segura e firme.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

"Eu não sou um monstro"



Com uma história densa, complexa e polêmica, O lenhador nos transporta para um cenário em que somos convidados e desafiados a enxergar o vilão com outros olhares e ficar simplesmente nessa posição, a de observador.
Walter (Kevin Bacon), após deixar a prisão, resolve retornar à sua cidade e tentar simplesmente recomeçar sua vida. Consegue um emprego e aos poucos passa a se relacionar com Vicki (Kyra Sedgwick ), uma empregada da empresa, que assim como ele, possui mágoas do passado que tenta superar. Porém, mesmo com, aparentemente, dando tudo certo em sua nova vida, alguns fantasmas do passado ainda tentam assombrá-lo. Carlos é o único de sua família que o visita, sendo ele apenas o cunhado. Alguns da empresa em que trabalha olham com desconfiança para ele,o sargento Lucas (Mos Def) o ameaça constantemente, sempre vigiando seus passos esperando que ele faça algo errado para poder prende-lo novamente e por fim, o apartamento onde está instalado, o único que aceitou receber seu dinheiro, fica em frente a um colégio primário. Mas qual é o crime que vive rodando sua vida? A pedofilia


O tema que rege O lenhador é extremamente forte, pois nos ousa a tentar enxergar com outros olhos esse que para a sociedade é um monstro. Sem jogar com maniqueísmos, o longa tenta humanizar essa figura e colocá-lo com uma pessoa doente, com fortes problemas mentais.
A fotografia é fria e distante e o mais legal é como o diretor faz uso das cores para transmitir suas mensagens, usando apenas as cores vermelhas em certos momentos para representar os desejos profundos e perigosos de Walter. O mais interessante é que essa tonalidade aparece sempre em objetos infantis, fazendo uma total referência ao protagonista. O vermelho, como todos sabem, incita o desejo, prazer, sexo e aqui é tudo isso e mais um pouco. Todos os medos, receios, monstros e os mais profundos desejos estão materializados por esse vermelho. Durante o longa há uma cena clara a uma história infantil em que todos nós já pensamos com malicia, que no caso é chapeuzinho vermelho, por isso talvez o nome de “O lenhador”. Walter está no bosque seguindo uma garota que faz dias que chama sua atenção,quando ele cruza com ela, ela está usando uma blusa com touca vermelha.

                            


Outro ponto que chama a atenção para esse filme é o pôster. Com uma bela fotografia repleta de cores vibrantes em dourado, aparece o Walter com suas cores cinza, segurando uma bola vermelha de olhos fechados e ao fundo uma floresta com vários troncos de árvores que começam escuros e com a profundidade vão ganhando tonalidades mais claras e bem distantes, atrás dele, pombas voando. Bem infantil, mas cheio de metáforas. Pode-se supor que o fundo signifique suas fantasias, a bola vermelha seus desejos e ele de olhos fechados renegando a tudo isso. Da mesma forma que ele segura com firmeza a bola, ou seja, seus desejos, ele a mantém distante.
Outro ponto positivo é a trilha. Densa, forte, com muitos pontos altos, ela guia as imagens e completa a angústia do personagem. Apenas no instrumental, podemos sentir sua tensão, seus gritos de socorro em meio ao silêncio do seu sofrimento. Um belo trabalho com trilha sonora. Mas o que chama a atenção é a atuação de Bacon. Ele dá vida ao personagem, o defende, o humaniza, por gestos consegue demonstrar toda dor e angústia. Uma frase marca bem o filme: Eu não sou um monstro. Uma das suas melhores atuações. Todo elenco sai formidável, mas Bacon, simplesmente rouba a cena. Várias cenas são marcantes e fortes, mas a que mais chama a atenção é a que Walter está com a garota no bosque e Walter pede para que ela sente em seu colo. Nesse momento, ela senta e começa a contar uma história, isso aos poucos e debaixo de várias lágrimas.




O longa é ousado e foi lançado em uma época em que surgiram diversos casos de pedofilia, ou seja, em meio a tantas noticias a respeito desse crime, esse filme surge como uma proposta de tentarmos compreender o que se passa na mente de uma pessoa como essa. Produzido de forma independente, o filme também foi lançado em uma temporada em que outros trabalhos com a mesma temática foram produzidos como “Sobre meninos e lobos” e “Má educação”. No caso do segundo não pude ver ainda, mas em relação ao primeiro, retrata as conseqüências desse ato sobre a vida de um garoto e não do sujeito que provou isso. Enquanto em “Sobre..” o pedófilo era uma senhor, aparentemente asqueroso, gordo que causava repugnância, em “O lenhador”, o pedófilo em questão é mais jovem e de boa aparência.
Enfim, um filme forte, com um final polêmico. Alguns aceitariam a cena final, outros não, mas difícil imaginar um desfecho para uma história como essa. Com uma bela fotografia cheias de detalhes, uma trilha sonora envolvente e uma atuação surpreendente de Kevin Bacon, O lenhador é uma ousada história sobre a mente e a culpa de um homem que é visto como monstro diante de todos nós. 

Cisne Negro


Um filme denso, mas não chega a ser perturbador, porém com uma atuação descomunal de Natalie Portman
Cisne Negro chamou a atenção em diversos festivais em que passou pela presença forte de Portman, fazendo com que o longa ficasse em segundo plano, e sem dúvida, nesse filme é ela que se sobressai. Com uma atuação impressionante em que se entrega totalmente à sua personagem, a atriz consegue obter um trabalho esplendido.
O longa conta a história de uma companhia de balé que está prestes a apresentar a nova montagem do Lago dos Cisnes, um trabalho difícil e duro, pois a dançarina principal fica a cargo de levar o cisne branco, uma personagem delicada, pura e suave e o negro,  o oposto ao extremo do primeiro, sedutora e selvagem. Nina tem a chance de conseguir esse papel, já que a principal dançarina foi forçada a se aposentar, o problema é obter a perfeição como cisne negro, já que todos os seus passos remetem a pureza e suavidade. Para se incorporar a essa personagem densa, Nina ultrapassará todos os limites da normalidade, beirando a loucura a ponto de suspeitar que sua principal rival e amiga seja fruto de sua imaginação.



O longa segue esse caminho entre realidade e loucura, mostrando toda a desconstrução de Nina. Usando de cores, objetos e o som em forma de ruídos, somos despertados para perceber ilusão, loucura e realidade. Alguns elementos como os jogos de espelhos, o movimento da câmera e alguns sons da trilha conseguem captar ótimos momentos, tornado o filme um drama, com suspense acima da média, uma pequena jóia de arte.
O jogo de cores alternando em preto e branco no começo do drama consegue nos colocar nesse clima, mas em falar em começo, a abertura do longa com ela dançando é simplesmente soberbo. Uma bela apresentação cheia de vida, suavidade e densidade, uma síntese para o filme. O uso em excesso dos espelhos refletindo Nina e todos os outros que lhe cercam foi muito bem trabalhado, pois nos remete a personalidade dela. Os espelhos no longa ganham uma segunda visão sobre as pessoas, representando seus desejos mais contidos, personalidades escondidas e afugentadas.  No drama é percebível vários momentos em que Nina se olha nos espelhos, mas não consegue ver o seu retrato, mas de uma outra pessoa, que apesar de ter a aparência dela, é extremamente diferente dela. Esse lado escuro dela e é o que ela precisa despertar para poder encenar com perfeição o Cisne Negro.




Outro ponto interessante é com relação ao movimento da câmera nas cenas de dança. A forma como elas estão postas para pegar os ângulos nos dão uma impressão de estarmos não apenas observando, mas também participando. O nível de imersão do espectador se intensifica com uso destes planos e destas imagens em movimento, seguindo os passos dos dançarinos. O clima criado pela trilha sonora também leva o destaque, se bem que a música aqui é mais do que importante, pois tudo giram em torno dessa melodia. Em algumas cenas, há o uso de sons estridentes que aumentam a tensão nos momentos em que Nina se machuca, seja pela ansiedade ou nervosismo.
Já o trabalho do elenco está formidável. Portman se entrega de uma forma tão profunda, fisicamente e psicologicamente que chega a ser perturbador, uma encenação que com certeza lhe dará o Oscar de melhor atriz. Vincent Cassel é outro ator bem interessante nesse filme, um homem que não mede palavras e ações e Winona Ryder, apesar de ter um pequeno papel, está ótima. Como muitos dizem, essa é uma ponta de luxo, uma bailarina que foi forçada a se aposentar devido a idade, é o tempo marcando o inicio e fim de nossas carreiras. 





Mas ainda sim, a história é um dos pontos fortes de longa. A forma como Nina se desintegra de uma garota delicada a uma jovem cheia de desejos intensos, reclusos e vivos é surpreendente. A cena em que ela se entrega ao seu lado mais obscuro e ri, para em seguida entrar no palco para dançar a apresentação do Cisne Negro e vai se transformando em tal criatura, fazendo uma referência a esse lado que ela tomou para si, foi ótimo.
A direção consegue impor um filme intensamente dramático, com umas pitadas de suspense e terror psicológico, mas não vai além disso, pessoalmente, considerei o filme, apesar de ser muito bom, super estimado. Pelos comentários, esperava um pouco mais de drama e um final mais instigante, pois o desfecho para a história já poderia se perceber em algumas cenas perto do meio do longa, cenas essas que entregavam toda a verdade e clima do final do longa. Mas ainda sim, um bom filme que merece todos os aplausos. 




quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Era uma vez..


Um mundo sem vida. Um som sem notas. Um mar sem águas. Um céu sem nuvens engraçadas.  Tudo tão sem graça. O que era colorido ficou no preto sobre o branco. O jardim que antes era florido, agora está morto. As águas que eram límpidas, hoje são sujas. O que aconteceu a esse mundo? Perdeu-se a inocência, descobriu-se a vida.
Se a inocência significa pureza, o que nos acontece quando crescemos? O tempo nos rouba não apenas a juventude, mas também a fé e a confiança. Como um tic-tac de um relógio sem fim. Ele nos persegue, o tempo nos persegue. Corremos, lutamos, bradamos, porém aos poucos o cinza toma conta do vermelho e o preto escurece tudo. Nos cega e nos deixa perdidos. Os que queríamos ser, já não queremos mais e o que somos já não sabemos se seremos amanhã. A cegueira nos afetou.

Desejos intensos


Numa explosão de desejos, ela saiu pela noite. Seu objetivo era simplesmente viver. Caminhou procurando vida, seus olhos mostravam ansiedade. Um desejo louco por sexo, misturado a uma euforia que a tomaram. Queria devorar e ser devorada por seus instintos loucos e prazerosos. A noite apenas estava começando. Pelas ruas vazias ela caminhava sozinha. Muitos podiam afirmar que ela solitária, mas não, podia ser tudo, menos solitária. Caminhou, andou por esquinas, muitos a olharam, a cobiçaram, a desejaram. Mas estes, ela mantinha distancia, gostava de provocar esse desejo em todos em que passava por perto, tanto homens, quanto mulheres.
Chegou a um bar, entrou e pediu uma cerveja. Logo apareceram jovens, homens querendo o mesmo que ela tanto desejava. Dentre vários, um chamou sua atenção. Conversaram, trocaram palavras cheias de referencias, metáforas e intenções. Os olhares eram claros, as palavras diretas. Os desejos eram os mesmos.
Entre risadas e gargalhadas, seus olhos vidrara no do dele. Seu corpo já estava em explosão.
Pensamentos trafegaram pela sua mente. Suas pernas não paravam. Com seus pés incitou o rapaz que percebeu. Os dois começaram a trocar olhares cada vez mais excitantes. O que os dois mais desejavam era o desejo de desejarem aquela sensação. Após meia hora saíram do bar, foram para um beco. Encostaram-se a uma parede, ninguém havia no local. Começaram a se beijar. Suas mãos o tocaram, o consumiam.
Ele por sua vez, cada vez mais a levava a um estado de loucura.                         
Gemidos, sussurros e mais gemidos. Ao chegarem ao seu ápice, simplesmente ela revelou seus verdadeiros desejos, seus olhares, sua verdadeira face. Em um impulso incontrolável ela o agarrou com força seu corpo ao seu.
Numa atitude selvagem ela o mordeu.
Da sua boca tão bela, excitante, saíram presas fortes, famintas. Com estas dilacerou seu pescoço. Sangue começou a escorrer pelo seu corpo. Enfraquecendo cada  vez mais e mais, ele se prostrou se entregando aquela sensação de dor e prazer. E ela cada vez mais ia roubando sua vida até não restas mais nada, apenas o silêncio. Após isso, ela levantou e se retirou daquele ambiente escuro, triste e silencioso.
Com lágrimas em seus olhos, mais uma vez ela havia se rendido aos deus desejos.

Entre o azul escuro quase preto

Entre o azul escuro quase preto assim caminha meus desejos, meus sonhos, meu temores. Entre o meio termo está minha vida, está minha alma, está o meu eu. Entre os extremos, entre as ambigüidades.
Entre a fraqueza e a vivacidade, entre o medo e o desejo de viver. Entre o certo e o errado, entre a vida e a morte, entre o que é prazeroso e o que é moral, entre fazer o que é certo e que realmente desejamos, entre o lícito e o que não me convém. Por entre caminhos escuros, gelados e frios, mas ao mesmo tempo, quentes sufocantes e insuportáveis.
Sob o anoitecer em meio a dúvidas e incertezas, caminho para a liberdade em direção ao fim, em direção ao começo. Caminho para a morte, buscando a vida. Em direção a dor, desejando o refrigério e a paz. Assim caminha meus passos, minha alma, o meu ser. Entre o desejo arduamente de viver e o receio de buscar realizar meus desejos.
Trilho para a morte, me distanciando do sofrimento, em caminho a liberdade, como um barco em meio a um grande e sombrio mar, belo e misterioso, em meio a um horizonte infinito que não se revela aos meus olhos, mas que expressa um temor por não ter um fim.  

O céu É negro

O céu é negro, as nuvens turvas, a lua é cintilante, o universo é obscuro, a Terra gira e nós, bom, nós as vezes somos tão egoístas. Há um mundo diante de nossos olhos e tudo o que vemos ainda sim é tão superficial, tão raso, tão breve.
O vento sopra, as águas correm, os anos passam, tudo morre e mesmo diante de tudo, choramos pelos nossos problemas, pelas nossas fraquezas, pelas nossas imperfeições.
Vemos o céu, observamos e vemos, mas tudo está tão distante, tão longínquo. Os astros se movem, planetas se desfazem, estrelas nascem, outras deixam de existir, tudo caminha, a vida caminha e nós, tentamos não morrer, não passar, não perecer. O que é a vida diante da morte, o que somos nós diante da eternidade.
A melodia toca, a imaginação flui, o coração bate, numa pulsação forte, intensa, calorosa e firme. Palavras se formam, se moldam, ferem e nos fazem rir, chorar, sonhar e olhar o mundo que diante de nós e perceber que somos tão pequeno, tão frágeis e que nada compreendemos ou entendemos. A vida prossegue, homens morrem, vidas se desfazem, a história permanece, as lembrança ficam e o céu permanece negro, intocável e distante e nós, bom, por mais que venhamos tentar permanecer, fincar nossas vidas neste mundo, também já passamos, fechamos nossos olhos e simplesmente, morremos.