sexta-feira, 25 de julho de 2014

Carne Trêmula





Almodovar é um grande diretor, seus filmes são marcados por personagens fortes, bizarros, extravagantes e que caminham entre o amor e o ódio, enfim vivem de extremos. Em toda película, percebe-se um segredo que é capaz de mudar o destino de todos os envolvidos em sua trama. 

Apesar de que nos últimos anos seus filmes tem-se mostrado frágeis, em sua trajetória há ainda grandes obras para o cinema. Eu particularmente considero “Tudo sobre minha mãe” como seu grande filme, entretanto esse “Carne tremula” não fica tão atrás. 

Victor (Liberto Rabal) nasce a caminho do hospital, o parto é feito no ônibus. O tempo passa e ele cresce, torna-se num jovem de certa forma inocente e sincero nas palavras. Um personagem que se não mudar seu modo de ser, poderá sofrer as amarras da vida. 

Ele está interessado numa jovem, Elena (Francesca Neri). Mas ela não o deseja. Victor não consegue entender o motivo, afinal ficaram há uns tempos atrás e tiveram uma relação sexual. Para ele isso já é de fato o suficiente para se ter algo, um compromisso. Porém ela não pensa assim. Victor vai até o apartamento dela, tenta convencê-la dos seus sentimentos e os dois acabam brigando. 

Dois policiais estão passando pela região, vêem a briga e sobem para interferir. Sancho (José Sancho) está bêbado, acabara de brigar com a esposa. Ele suspeita que ela o esteja traindo. David (Javier Bardem), seu amigo, está com receio, com medo que o amigo cometa alguma burrice. 

Os dois entram no apartamento e após uma discussão forte, um acidente acontece e Davi é atingindo por uma bala no momento em que Victor e Sancho estão brigando pela arma. Victor é preso, Davi se envolve com Elena e Sancho permanece casado com sua esposa. A vida segue.

Após seis anos presos, Victor sai da cadeia com o desejo de se vingar, tanto de Elena quanto de Davi. Ele se envolve por coincidência com Clara (Ángela Molina), esposa de Sancho. Pronto, o cerco está armado e um final trágico está à espera de todos. 


 
Em “Carne Tremula” Almodovar nos entrega um drama cheio de reviravoltas, uma trama marcada pelo amor, ódio e desejos. A carne deseja, cobiça e quer sentir, desde um toque de puro prazer, até um toque de ternura e amor e será por isso que seus personagens viverão. As cores como sempre marcam a obra do autor. Nada muito forte como foi visto em outros filmes, mas ainda sim, sempre presentes. O vermelho ganha um destaque especial. A cidade de Madri recebe um tratamento belo e extraordinário do diretor. 

Almodovar gosta do diferente, do extremo e do bizarro, para se perceber essas características em sua filmografia é só lembrar-se de filmes que marcaram sua carreira, como os longas “Tudo sobre minha mãe”, “Má Educação”, “Fale com ela”, ou mesmo o mais singelo “Volver”. Seus filmes nos apresentam historias fortes, que comovem e arrebatam, um verdadeiro dramalhão, porém com qualidade, bem trabalhado e direcionado. 

Outro destaque em seus filmes são suas personagens femininas que sempre se destacam. Mulheres fortes, ousadas, sobreviventes que se num momento de suas vidas são mostradas como frágeis, após sofrerem um impacto pela vida, tomam as rédeas de suas dores e se levantam. Ou seja, é quando pensamos que somos fracos, que vemos o quão somos fortes. 





E em “Carne Tremula” não é diferente, mas aqui, os personagens masculinos também se destacam. Victor carrega as dores sobre seus ombros, quando tenta fazer algo movido pelos seus sentimentos, é marcado pelo destino. Quando tem a chance de bater de frente, ele se resguarda e se mantém calado. Elena em seus primeiros momentos mostra-se forte, destemida, insensível, porém se revela mais adiante como frágil e desprotegida. Clara é oposto, começa o longa como frágil e injustiçada, que sofre nas mãos do esposo, entretanto com o desenrolar do drama, mostra um lado mais voraz, forte, determinado e incrivelmente forte. Davi se contrapondo a Victor se apresenta como correto, honesto e compassivo. Ao final, revela também defeitos e falhas, um lado vingativo e desonesto. 

 Enfim, seus personagens são humanos e por serem tão humanos, os sentimentos os guiam. Nunca a razão prevalece de fato e as cores vêem para demonstrar isso, cores fortes, quentes e ousadas. As cenas de sexo também são fortes, intensas e vorazes. Os corpos estão a mostra, o suor cai do rosto, o prazer está presente em suas faces. 

“Carne Tremula” segue a estrutura de um filme de Almodovar, um drama intenso e forte, vibrante e quente, onde a trama que conduz seus personagens beira o trágico, mas ainda sim são personagens trabalhados com muita sensibilidade, ternura e humanidade. Seus trabalhos são marcados por esses detalhes, por essas bizarrices que em alguns promove um desgosto, em outros uma forte admiração. 

Como não se encantar pela personagem extremamente profunda de Penelope Cruz em “Volver” ou pela história sobre dor, vida, morte e redenção em “Tudo sobre minha mãe”. Assim como estes filmes já citados, “Carne tremula” é tudo isso, seguro, firme, forte, comovente e poderoso. 





quinta-feira, 24 de julho de 2014

Pecado da Carne




“Pecado da carne” é um drama contido, de poucos diálogos, mas muitos olhares e expressões. Uma trama que fala sobre tradições, fé e desejos. Que vai além da questão do homossexualismo para abordar um tema ainda mais complicado.

Aaron Fleishman (Zohar Shtrauss) é um judeu ultra-ortodoxo que segue todos os mandamentos de sua fé. Casado e pai de quatro filhos, herdou do pai um açougue e resolveu voltar a trabalhar nesse ramo. As carnes recebem por ele todo um cuidado para não se tornarem impuras. O açougue fica num bairro pequeno da cidade de Jerusalém, uma comunidade onde todos seguem a risca as leis do Talmude e todos vigiam todos para que a comunidade jamais perca sua moralidade e sigam as riscas estas leis. 

Num certo dia, chega a seu estabelecimento Ezri (Ran Danker) um jovem novo na cidade. Ele veio para estudar, porém a única pessoa que conhece na localidade não o recebe. Vendo o rapaz, num primeiro momento Aaron se resguarda, mas depois oferece a ele um emprego no açougue e o quarto vazio para ele se acomodar. Ezri, assim como Aaron, é praticante dos ensinamentos, são judeus ortodoxos e sempre vão a sinagoga fazer os rituais que a religião exige. 

Com o passar dos dias e a proximidade dos dois, nasce um desejo entre ambos. Ezri sempre que pode tenta seduzir Aaron e este por sua vez, nunca se deixa escapar pelos olhares, pelo contrário, deseja ficar cada vez mais perto do rapaz. Num certo dia, acontece a entrega e os dois iniciam um caso marcado pelo medo, desejo e pelo sentimento de culpa. 



Desejo, carne, pecado. É sobre esses temas que o filme trabalha. Porém o filme vai alem da questão de dois homens vivendo um caso para tocar num assunto mais emblemático que é a questão do corpo e suas representações dentro da fé e das tradições religiosas.

O corpo para Aaron está ligado ao pecado, aos prazeres e aos desejos e estes devem ser combatidos a todo custo. Este é o preço a se pagar para conseguir seguir fielmente seus preceitos, seus ritos e estar mais perto de Deus.  Assim como a carne em seu açougue deve ser bem trabalhada para jamais se tornar impura, o corpo também. Ou seja, há todo momento, todos os personagens desse filme estão presos a essa busca de não de se contaminarem, de não se deixarem levar pela sua carne, pelos seus pecados e desejos. Mas isso é um trabalho árduo e difícil. 

O casamento, o trabalho ou os rituais na vida de Aaron não estão ligados ao prazer, apenas a tradições e aos procedimentos que devem ser seguidos para a purificação do corpo e fortalecimento do espírito. Mas com a chegada de Ezri há um confronto desse desejo e a carne cobiça, quer sentir, quer ter o prazer e ao se lançar nesse caso, ele se sente finalmente vivo.  Porém viver esse caso, esse desejo é renegar suas tradições e ser mal visto pela comunidade. Entretanto, os dois vivem, sempre juntos, sempre próximos. A esposa de Aaron percebe a distancia do marido e desconfia. Ele por sua vez, não tenta esconder tal fato. 

Paralelamente a trama destes dois, há outra história sendo contada. Uma jovem chamada Sarah está prometida a um jovem de boa família do bairro, porém ela deseja outro jovem. Estes dois sempre estão a se encontrar, mas a comunidade não aceita e interfere nesse caso. O destino que guia essa jovem apenas revela a Aaron o destino que lhe guardará, pois em breve, todo caso dos dois também virá a tona e vem. 



“Pecado da Carne” trabalha com uma beleza nas imagens e em suas simbologias impressionante. Não há diálogos, palavras ou declarações, poucas frases são ditas, mas a carga de olhares, dos gestos e das representações falam, bradam e declamam o que estes personagens sentem. 

Apesar de Aaron estar preso a viver esse sentimento, ainda ele fica marcado pela culpa, afinal sua fé martiriza o prazer e o desejo e ele não compreende porque tudo deve ser assim. Ezri também sofre suas dores, não tem a ninguém nessa vida. Do seu passado não sabemos, apenas que chega a cidade a procura de um amigo, um possível namorado, mas é renegado por ele e é nos braços de Aaron que encontra proteção e segurança. 

Ainda no começo do drama, Aaron lança uma pergunta que é respondida por um dos homens mais respeitado da comunidade. Aaron não entende porque tanta renegação ou sofrimento. Renegar seus desejos é estar mais perto de Deus, entretanto ao mesmo tempo é viver uma vida marcada pela dor e pela autoflagelação. Já se lançar a seus desejos é se distanciar de sua fé, ou seja, o que fazer? Na visão desde senhor, Deus nos criou para que possamos ser felizes nesta vida e que a dor faz parte, porém ela faz parte apenas do nosso crescimento e não do todo. Percebe-se nessa explicação a posição deste diretor frente a esse tema. 

Um filme contido e sensível, que não levanta bandeiras, mas que apenas retrata os homens em seus desejos, em seus prazeres, em seus medos, em sua fé. 


quarta-feira, 23 de julho de 2014

Adore / Amor sem Pecados





Em “Amor sem pecados” ou no título original “Adore” temos Naomi Watts e Robin Wright em atuações esplendidas numa trama que envolve amores, desejos e traições.

Lil (Naomi Watts) e Roz (Robin Wright) são duas amigas inseparáveis. Sempre juntas, passam dias, noites e horas entre si. A união é tanta que muitos da cidade, inclusive o esposo de Roz, acham que as duas tem um caso de amor as escondidas. Mas não, na verdade elas são apenas grandes amigas e possuem uma ligação forte, talvez amor, mas sem conotação sexual.

Lil tem um filho, Ian (Xavier Samuel) e Roz Tom (James Frecheville). Os dois, devido a proximidade das mães, crescem juntos e tornam-se posteriormente também dois grandes amigos. Na adolescência, eles sempre estão juntos, conversam e sempre estão com suas mães. Numa certa noite, Ian como de hábito, posa na casa de Tom. Na madrugada ele provoca Roz a beijando. Ela tenta resistir, porém sede ao rapaz. 

Tom presencia a cena, inquieto, fica movido por um sentimento de fúria e traído vai até Lil, conta-lhe tudo e tenta fazer o mesmo.  Ela resiste, mas movida pelos mesmos sentimentos de Tom, se entrega a ele. A partir desse fato, apesar de Lil e Roz acharem errado e entrarem num acordo que tal situação não pode ser levada a diante, elas continuam com estes relacionamentos e vivenciam esse breve e polêmico caso.



 É interessante perceber nesse filme como a diretora aborda o despertar dessas relações de forma lenta, cativante e bacana no caso dos sentimentos de ambos, entretanto ao mesmo tempo, sem tempo a perder, pois já no meio do longa temos inseridos novos personagens e mudanças radicais acontecem a vida de todos. 

O tema é complicado, afinal, as duas são como mães para esses garotos. Se em Ian e Roz há um forte sentimento que se percebe desde a primeira cena, em Tom e Lil há uma tensão sexual movida por raiva e fúria, porém mais adiante, os dois também estão fortemente ligados por sentimentos mais profundos. Mas elas sabem que essa situação não irá durar para sempre e quando os primeiros sinais aparecem, a razão tenta prevalecer. 

Algumas cenas são extremamente belas, o trabalho envolvendo o medo da velhice, do tempo que passa, das vivências que nos marcam é incrível. Tanto Naomi quanto Robin deixam a mostra sua beleza, porém uma beleza marcada pelo tempo, pelos dias, pelos anos, pela vida. Seus olhos expressam um medo, receio e temor. 

Todos sabem que estão vivendo uma ilusão e em breve terão que despertar. E esse despertar acontece e todos, sem exceção, sofrem essa dor. Destaque para os momentos entre as duas mulheres, onde a dramaticidade chega ao seu ápice e a câmera fixada em seus olhos e semblantes nos transpassa toda dor, sem nos revelar uma única palavra. Um drama de olhares, profundos olhares. 



O longa possui uma fotografia muito boa e é recheado por belas paisagens. Uma cidade com belas praias, dias com sol sempre presente e um céu de dar inveja. Sempre os personagens estão a beber, nadar e se encararem. Pode-se perceber uma verdadeira redoma de vidro entre eles, pois quando toda verdade é vista pelos quatro, todos tentam levar da melhor forma possível essa relação. Porém, nem toda beleza do local impede que tudo permaneça bem constantemente. 

A direção é de Anne Fontaine, são delas ainda os trabalhos “Coco antes de Chanel” e “A garota de Monaco”. O roteiro pertence ao vencedor do Oscar Chritopher Hampton, autor dos ótimos “Ligações Perigosas” e “Desejo e Reparação”. O drama foi adaptado do livro “As Avós" de Doris Lessing. 

Quanto ao elenco, destaque mesmo para Naomi Watts e Robin Wright que vivem com beleza e profundidade suas personagens. Watts que ficou negativamente marcada por sua atuação como a Princesa Daiana, com esse papel mostra qualidade e profundidade, apagando seu último papel e Robin leveza, maturidade e complexidade. 

O longa foi duramente criticado por alguns festivais, sendo considerado polêmico e tratado com sarro devido as cenas de sexo, que nem são tantas (True Blood mostra muito mais) e devido ao teor forte que bate de frente com alguns tabus. Entretanto, tirando esses moralismos, o drama apresenta uma história terna, sensível e feita com delicadeza, sem apelar ou partir para o sensacionalismo barato e polêmico.