domingo, 29 de novembro de 2015

A Lula e a Baleia: na busca por aceitação



O outro nos toca, nos move, nos transforma

Na busca por aceitação, na busca por reconhecimento, nos projetamos sobre outros, negamos o que somos, mas ao final, percebemos que todo este caminho de negação revela-se desnecessário. Quando isso acontece, o que fazer diante dessa verdade?

“A lula e a baleia”, drama independe, trafega por este caminho, entre o desejo de aceitação e a busca pelos seus próprios caminhos.

Joan Berkman (Laura Linney) e Bernard Berkman (Jeffe Daniels) são casados há anos, mas o casamento jã não está naquele clima. Ela sempre se manteve distante da literatura, apenas cuidando dos filhos, da casa, da família e trabalhando como professora. Ele atua como professor numa universidade. Há anos lançou uma obra que foi bem recebida pela crítica, após esse fato, não conseguiu emplacar mais nenhum livro.

Bernard é arrogante, acha que o mundo se separa entre filisteus e não-filisteus, ou seja, aqueles que na opinião dele, tem bom gosto por cinema, literatura e música e os que não têm. Já Joan é mais atenciosa, compreensiva, sentimental e silenciosa.

O casal tem dois filhos, Walt Berkman (Jesse Eisenberg), o mais velho, muito parecido com o pai, mais seguro de si, frio e indiferente. Recita livros que não leu, comenta de músicas que nunca ouviu, canta canções que nunca compôs. Tenta a todo custo e momento transparecer uma identidade que se assemelha a do seu pai. Frank (Owen Kline) é o caçula e mais ligado a mãe e como ela, frágil, sentimental, carente, que transparece ser mais fraco.

Quando Joan lança uma obra literária que é ovacionada pela crítica, a relação entre ela e seu marido chega a um ponto que não tem mais volta e então o divórcio entra como único caminho. Walt e Frank fazem suas escolhas, o mais velho deseja ficar com o pai e Frank com a mãe.

Neste meio tempo, Joan se envolve com um novo homem e tem seu passado conjugal escancarado pelo marido numa tentativa dele de denegrir a imagem dela. Bernard se envolve com uma estudante, mas sem nunca confirmar tal relacionamento. Esta separação provoca nestes dois jovens uma confusão de sentimentos e pensamentos. O que pensar, o que desejar, quem está certo ou quem está errado?




“A lula e a baleia” faz uma abordagem sobre relações, relações que dão certo, relações que dão errado. Relações marcadas por amor, marcadas pelo abandono. A impressão que temos é que o diretor nos coloca diante deste casal, sem saber o que de fato os uniu ou os separou e vemos suas relações, suas vidas, suas dores e dúvidas. E diante do que vemos, vamos oras nos apegando a certos personagens, ora nos distanciando.

Com o desenvolvimento do drama, percebemos a arrogância do esposo, a sensibilidade e as dúvidas de Joan, a raiva sendo moldada por Walt e a falta de estrutura no pequeno Frank. Entretanto, o longa também nos remete a algo mais delicado, algo mais emblemático. Todo o drama se argumenta sobre Walt e talvez por conta disso, haja sobre ele uma relação de abandono e admiração. 

É em sua relação com mãe que se estabelece e se molda a alegoria da lula e a baleia. Sempre ele fora o preferido dela, após o nascimento de Frank ele perde o seu posto e então, para tentar ter a atenção de sua mãe novamente, molda suas atitudes, seus gostos e seu modo de ser com o do seu pai. Porém quando vem a noticia da separação, ele percebe que toda inspiração que tomou para si não é válida e ele se perde nessa caminhada. Ora, o exemplo que sempre tivera para si mostrou-se ser frágil e errado, então, quem se tornar diante de toda essa verdade. Walt perde o chão, a estrutura e toda sua base.

É interessante de se perceber como o drama vai construindo esta relação. Num primeiro momento temos a relação de Joan e Bernard ao centro. Neste começo do drama, vemos as atitudes arrogantes dele, tentando a todo custo desvalorizar o trabalho de sua esposa. Neste ponto, vemos um homem preso a sua vida, a uma vida que não ama, que não deseja e que não lhe faz se sentir bem e que por conta disso, tem como único ponto de defesa, subjugar a todos para que assim e somente assim, consiga se sentir bem.




Já Joan revela-se o oposto, mais madura, consciente e compreensiva. Entretanto, nem ela está livre dos pecados, dos defeitos. Ela é também é imperfeita e aos poucos vemos uma mulher marcada pela tristeza que buscou nas traições um fuga para sua vida. Quem está certo? Quem está errado? Não há como saber, não há como julgar, só tentar compreender.

Após algum tempo, os filhos que ganham presença na história. Walt não aceita a separação e condena sua mãe, Frank para se rebelar contra o pai, aceita a mãe e toda sua imperfeição. Se num primeiro momento desta análise dos filhos, o diretor nos dá a entender que o objetivo do longa é abordar estes dois garotos, é  Walt quem guia a trama em seus minutos finais. Vemos um adolescente na busca por um referencial, por alguém que possa se espelhar. Sua mãe o “abandonara”, seu pai se mostrara falho em vários aspectos. Aos poucos, vemos que muito do caráter que nos foi mostrado durante todo filme sobre Walt é de fato falso e isso se materializa por meio da canção que ele canta num festival. A canção não lhe pertence, mas ele a canta como se fosse o verdadeiro compositor dela. Porque ele faz isso? Nem ele sabe responder.

A trama segue e prossegue. Não há um desfecho de fato, não uma saída para os seus personagens. A trama segue, a vida segue e tudo caminha. Um caminho marcado pela dor, marcado pelo abandono, marcado pelo passado e este filme vai fechando a janela que nos permite ver essa família, sem ao menos conseguir vislumbrarmos uma saída para estas vidas tão perdidas nesta vida.

Com um belo roteiro, moldado por personagens tão carismáticos e imperfeitos, nos apegamos a esta história, a estas vidas. Nada é perfeito neste drama e por ser tão imperfeito, torna-se tão comovente. A trilha guia os passos, os cantos, as cenas e os olhares. O roteiro trabalha com temas delicados como traições, perdão, amores, caráter sem nunca cair num moralismo, sem nunca se tornar chato.


Em seu primeiro trabalho para o cinema, Noah Baumbach mostra domínio na direção, beleza no roteiro e sensibilidade na construção de seus personagens. Um filme tocante que recebeu ótimas críticas pelos festivais em que passou, mostrando como um cinema pequeno, bem feito, sem ter uma grande história por traz pode nos arrebatar de forma única. Assim é o cinema, nos conquista, pois nos mostra a vida em sua mais bela simplicidade.



terça-feira, 27 de outubro de 2015

Sangue Azul


Quando um filho retorna para casa, traz consigo sonhos antigos, alegrias antigas e uma paz, o filho para casa retorna.

Neste novo drama nacional, temos Zola (Daniel de Oliveira), um jovem que há muito tempo deixou sua cidade e viajou pelo mundo com um grupo de circo. Anos se passaram e tornou-se numa grande apresentação, o homem bala. Conheceu lugares, cidades e pessoas, viajou o mundo e depois de anos, retornou a sua antiga cidade, uma ilha, esquecida pela tecnologia, esquecida pelas grandes cidades, um local onde o tempo está como o grande senhor.
        
Ao retornar trouxe consigo esta alegria, a do filho que retorna, entretanto envolta de preocupações. Seus familiares e amigos ficam num misto de alegria e desconfiança. Fantasmas do passado podem retornar e com mais força. Há um drama que envolve este rapaz, jamais ninguém comenta, mas todos sabem o que de fato acontece.

“Sangue azul” faz referência ao poder que estava sobres os reis, dado por Deus. Somente eles podiam reinar e governar suas terras, eles tinham sangue azul. Para manter tal pureza, casavam-se entre membros de sua própria família. No Egito Antigo, o casamento dava-se até entre irmãos. É sobre esta relação que o drama aborda. Sobre irmãos, que crescem juntos e que desenvolvem entre si uma relação que vai além de um simples elo de irmãos.

Zolah é este irmão que quando pequeno é enviado pela mãe para ser criado por essa trupe do circo. Raquel (Caroline Abras), sua irmã, fica na ilha, torna-se mergulhadora e se casa. Quando os dois se encontram, há uma relação e uma tensão entre eles que se percebe de longe, pelos olhares, pelos gestos e pela expressão facial.
            
Zolah tem uma relação com a dançarina do circo, mas durante todo o drama ele mantém relações sexuais com outras mulheres. Há uma tensão sexual em seus atos, seria isso uma forma de escape? Uma forma de amenizar o desejo que sente pela irmã? Já Raquel, após a chegada do irmão na ilha, se afasta cada vez mais de seu marido. Estas relações entraram num conflito e todos da ilha serão impactados por tais atos.
            
Presos na ilha, todos desejam deixar a cidade, mas Zolah insiste em permanecer. Mas o público do circo cai e acidentes acontecem. Neste meio termo, este jovem tem que enfrentar os próprios sentimentos do passado, sentimentos este ligado ao abandono de sua família e tentar compreender qual foi o motivo que permitiram que ele partisse com o circo.



            
“Sangue azul” caminha lentamente, buscando seu próprio caminho. Com uma abertura moldada por uma fotografia em preto e branco, este drama não deseja ser adorado por todos, mas mostrar uma história ousada, com um tema delicado e difícil de ser trabalhado. Neste filme, temas como incesto e homossexualismo são abordados com uma delicadeza impressionante. Não há sensacionalismo em cima, mas uma abordagem singela e com respeito.
            
Um ponto a se perceber neste drama, é que ele faz uma leve referência a outro grande drama, cheio de simbologias e metáforas, “Lavoura Arcaica”. Neste, como naquele filme, o retorno do filho que partiu, traz consigo conflitos, tragédia e desgraça. O pior está para acontecer, mas se em “Lavoura Arcaica” o mal acontece, neste “Sangue Azul” ela é apenas mencionada, dita, mas não mostrada, deixando para quem vê o longa, apenas imaginar a tragédia que estará para acontecer.
            
A trilha sonora presente no drama tem uma interação muito gostosa, um instrumental delicado, que as vezes chega a ser profundo, as vezes suave. A fotografia sempre privilegia as paisagens naturais, com destaque para a praia, um lugar intocável, um lugar em que a modernidades das cidades grandes não conseguiram penetrar. 



O elemento da água sempre está constante no filme, como elemento de fluidez, de transformação, de confronto e de constância. As águas correm e por mais que venhamos colocar obstáculos à sua frente, ela corre e nada pode impedi lá. Esta relação pode ser colocada na ideia que se estabelece entre estes irmãos. Por mais que os familiares tentaram separá-los, por mais que a distância entre eles tenham sido grandes e tempos tenham passado, ainda sim, nada disso foi de fato forte para impedir que o pior acontecesse e este mal fosse evitado.

            
Divido em capítulos, cada capítulo demarca a estrutura do filme. Em todo drama há um “q” de existencialismo, um tom de mistério e de predestinação. Uma certeza paira sobre todo longa, uma certeza envolta de tragédia. 

Assim é este “Sangue azul”, calcado no melhor da tragédia que as histórias podem conter. No elenco grandes nomes do cinema nacional como Daniel de Oliveira, Milhem Cortaz, Matheus Nachtergaele. 


terça-feira, 6 de outubro de 2015

"Entre abelhas" e a beleza do cinema nacional


Quando o silêncio ecoa, a solidão prevalece e a morte entra em cena.

Bruno (Fábio Porchat) terminou seu relacionamento recentemente, no caso, terminaram com ele. Ele ainda ama a esposa e não compreende porque chegaram onde chegaram. Voltando a morar com sua mãe, ele claramente está deprimido.

Seu amigo, Davi (Marcos Veras) tentando ajuda-lo, o chama constantemente para sair, seja bares, baladas ou qualquer lugar, menos ficar em sua casa. Ele aceita, mas não possui vontade, desejo ou algum motivo que o mova.

Entretanto, em meio há tantos problemas, algo de estranho acontece. Pouco a pouco, todas as pessoas a sua volta começam a desaparecer, no caso, ele não consegue mais vê-las. Por qual motivo? Como resolver este problema?

Sua mãe ao saber disso, não entende, ela até tenta acreditar, mas parece algo impossível isso. Ela então o leva a um psicanalista. Durante as análises, um dos motivos dados pelo especialista é que Bruno está tão mergulhado em seus problemas que simplesmente ele não deseja mais ver as pessoas ao seu redor; ou no caso, estas pessoas não tem mais importância para ele, por isso esta invisibilidade. 

A alegação do psicanalista faz sentindo, pois as primeiras pessoas a simplesmente sumirem são desconhecidos ou antigos amigos. Bruno entra em pânico, porém num primeiro momento nós, espectadores, não vemos isso dessa forma. Entretanto, pouco a pouco a lista dos invisíveis torna-se maior que a dos visíveis. Após uma cena em específico, o drama muda de direção e o que era engraçado, torna-se preocupante e Bruno se vê numa situação delicada. Então o que fazer?





“Entre abelhas” se utiliza de uma metáfora para abordar um tema interessante, a depressão. Ora, quando a tristeza vem, ela chega de forma avassaladora. Perdemos a razão, os motivos ou qualquer outro ponto de referência. Simplesmente tudo torna-se sem chão. Bruno está passando por este processo de luto, porém há sobre ele além desta tristeza necessária, um egoísmo que sempre existiu sobre ele. Bruno se fecha em seu mundo e só dá atenção a sua dor, ao seu mal-estar, a sua mágoa. Não percebe os problemas que estão relacionados ao seu amigo e ele sempre os comenta para ele, não percebe os problemas que envolvem sua mãe e há todo momento, o longa nos dá indícios que ela não está bem. O único problema que ele está interessado em resolver é voltar com sua esposa.

Nada o preocupa mais, nada o faz pensar em mais nada, todo seu mundo está direcionado a resolver este problema. É neste aspecto que se encontra a graça deste longa, ele trabalha com um tema pesado de forma leve e a medida que o problema revela sua seriedade, o longa também torna-se sério e dramático.

Neste longa percebe-se dois filmes, numa primeira parte há um tom de comédia perdurando sobre todo o longa. As cenas iniciais do drama se apoiam numa comédia moldada pelo cotidiano. É um humor leve, despretensioso, cheio de graça com inteligência e jogadas que dão certo. Não há aquela manipulação, personagens estereotipados ou cenas forçadas para promover a rizada. Tudo soa tão naturalmente. Até este momento a trilha é leve e damos rizada de todos os elementos que envolvem ao Bruno.


A partir de uma cena em particular, a estrutura do filme muda radicalmente. Sai de cena a comédia e o drama ganha força. Neste momento percebemos que o problema que envolve a este personagem é mais sério do que imaginávamos. A trilha muda o foco e o instrumental torna-se mais pesado.

“Entre abelhas” brilha ao seu modo, entretém, contudo, quando o momento pede, trata o tema com seriedade. O personagem de Fabio Porchat consegue dar vida a um homem amargurado, solitário e que não vê mais sentindo em sua vida. Tudo permanece lá como sempre esteve e ele tem essa ideia, mas ele apenas não consegue mais visualizar as pessoas que fazem parte de sua vida, o motivo, ele simplesmente não deseja.


Ao final do drama, quando achamos que não há mais saída para este homem, uma luz brilha ao final de todas as trevas e a morte dá sinais de vida. Um rosto sempre presente, nunca importante, se revela a ele e ele se dá conta de sua existência. Drama nacional com roteiro, dramaticidade e profundidade. Assim é este filme, calcado em uma boa ideia, moldado por uma excelente equipe técnica e que revela um cinema em plena expansão. 


quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Enquanto somos jovens'


Enquanto somos jovens, enquanto somos novos, enquanto somos muitas coisas ....

Em seu mais novo drama, Noah Baumbach traz para o centro da trama uma história tocante, terna, simples e cativante sobre um casal em plena crise de idade. Na casa dos quarenta anos, Cornelia (Naomi Watts) e Josh (Bem Stiller) possuem uma vida estável, bem estruturada, mas ainda falta algo. Eles são antenados as tecnologias, adoram sair em amigos, mas a idade não é como antes e o corpo já declama isso.

Josh é professor de cinema, está produzindo um documentário e está neste trabalho há dez anos. Nunca consegue finalizá-lo. Motivos são vários, medo de ser avaliado, de se perceber que não é tão bom quanto imaginava. Cornelia trabalha como editora de vídeos e seu pai é um grande documentarista. Por conta disso, a relação entre Josh e o pai de Cornelia nunca se dá de forma amigável.

Em uma de suas aulas, ele conhece um casal de jovens, Darbie (Amanda Seyfried) e Jamie (Adam Driver), dois jovens casados. Sempre sorridentes, sempre carismáticos, estes dois são o oposto de Josh e Cornelia. Possuem uma atração pelo passado, desprezam as tecnologias e tentam aproveitar os poucos momentos da vida de forma mais intensa.

Nesta relação de oposições, estes quatro jovens se relacionam, se entendem e trocam suas experiências. Jamie, assim como Josh, aspira a ser um grande documentarista e tem uma ideia diferente para a produção de um documentário. Josh acha a ideia um pouco estranha, mas resolve ajuda-lo nessa empreitada. Entretanto, quando os rumos deste documentário tomam proporções diferentes, começa a surgir entre estes dois amigos sentimentos de inveja, desconfiança e inimizade.



“Enquanto somos jovens” traz para o centro da trama vários questionamentos que nos envolve. Noah em seu mais novo drama faz uma referência há vários temas: o uso excessivo das tecnologias e como estas estão ditando as regras de nossas vidas; o medo e a insegurança que sentimentos com o tempo; a não aceitação da velhice e o medo de não realizarmos tudo o que havíamos planejados.

Noah possui uma carreira mais calcada no cinema independente. Seus filmes são sensíveis, trabalha sempre com beleza as complexidades de seus personagens, nada é tão simples de análise e este diretor coloca seus personagens ora em momentos desconfortáveis, ora em momentos tocantes. Seus personagens são movidos por dores, receios e medos.       

“Frances Há”, seu filme anterior, caminha neste sentindo. Se lá a personagem principal tinha que se deparar com uma verdade que causava uma certa dor, neste novo drama, Josh possui um desejo, mas ele sabe que no fundo não é excelente no que faz, sabe que não realizou todos os sonhos da forma como queria e sabe que não irá realizá-los. Aceitar o que tem, perceber a vida em sua simplicidade e suas qualidades, este será o caminho que este homem irá traçar.



Em seu filme mais comercial, “Enquanto somos jovens” tem ares de cinema alternativo. Com uma trilha sonora muito bem modulada e estruturada, uma bela fotografia e atuações esplêndidas, este drama nos toca.

A história é simples, porém muito bem construída. Há algo que podemos perceber de errado na perfeição toda em Darbie e Jamies, e aos poucos, conforme vamos percebendo as verdades e mentiras, vamos compreendo quem são estes dois jovens e por consequência, quem são Josh e Cornelia.

Este drama trabalha com maestria e beleza os contratempos da vida, suas desilusões,  frustrações e ambições. Nunca teremos que desejamos ter, nunca seremos completamente perfeitos ou inteiramente felizes. O que fazer diante de tal verdade, diante de tais fatos? É algo complicado, cada um tem seu caminho e “Enquanto somos jovens” tenta encontrar uma resposta para estes dois personagens. O final do longa não é grande, não há um desfecho de fato, mas é condizente com que o diretor deseja retratar ou abordar. Apenas isso, a vida.




segunda-feira, 27 de julho de 2015

Acima das Nuvens .....


              Acima das nuvens, acima do tempo, acima das preocupações que nos cercam. Quando o tempo chega sobre nós, ele chega sobre nós. Mudamos nossa perspectiva ou permanecemos com os mesmos pensamentos? E as dores, elas ainda nos tomam com a mesma intensidade?
“Acima da nuvens” traz para as telas do cinema um jogo de metalinguagens em que ilusão e realidade se misturam num entrelaçamento sem fim. Onde começa a ilusão? Onde termina a realidade?
Maria Enders (Juliette Binoche) é uma atriz que teve grandes momentos no cinema. Ela está prestes a receber um prêmio em nome de um consagrado diretor da qual ela fora amiga. Ele foi o responsável por colocá-la em evidência devido a personagem Sigrid que ela viveu na peça.
Há vinte anos, Maria dava vida a Sigrid, uma mulher jovem, sedutora, voraz e intensa que se envolve com sua chefe, Helena, uma mulher mais velha. Na peça, as duas desenvolvem uma relação destrutiva que leva Helena a cometer o suicídio. Após esta peça Maria obteve o reconhecimento da crítica e desde então se enveredou por um cinema mais comercial.




Passado vinte anos, o diretor que também é um grande amigo dela, falece e um novo diretor assume a responsabilidade a reencenar a peça teatral que dera sucesso a Maria. Entretanto, nesta nova versão do diretor, ele pede que Maria assuma o papel de Helena, a mulher mais velha e amarga que se vê perdidamente apaixonada por Sigrid. Sua assistente, Valentine (Kristen Stewart), orienta a aceitar a peça, mesmo que isso signifique encarar a velhice, pois na visão dela, este é um dos melhores papeis que apareceram para ela há anos.
Mesmo a contragosto, Maria aceita, e as duas partem para a antiga casa do diretor para ensaiar a peça. Maria encarnando Helena e Valentine declamando as falas de Sigrid. Neste jogo de atuações, conflitos emergem e nunca sabemos o que de fato há entre elas.
“Acima das nuvens” nos brinda com uma trama rica, complexa e profunda, onde personagens se misturam, vida real e a vida das personagens se mesclam constantemente numa teia de relações e o mais interessante, as próprias atrizes que encarnam estas personagens também tem traços de suas vidas acopladas as da personagem.
Maria após o seu reconhecimento da crítica, perambulou pelo cinema de Hollywood para obter mais fama e dinheiro. Não diferente de Juliette Binoche, atriz de peso e destaque que ora ou outra vemos atuando em algum filme dos Estados Unidos, talvez por dinheiro, talvez por fama ou por tantos outros motivos que não venhamos entender, em papeis as vezes que carecem de profundidade. Kristen Stewart, atriz reconhecida após o sucesso da saga Crepúsculo, apesar de estar associada ao cinema comercial, em certos momentos se lança em pequenas produções independentes. Nos diálogos com Maria, a própria Valentine faz referências a estes filmes, debochando de tais produções. Chloe Grace Moretz, atriz que interpreta Jo-Ann, a atriz que dará vida a Sigrid na nova versão da peça, assim como em seu papel no filme, é talentosa, mas só obteve reconhecimento da crítica depois de estar em um filme de super-heróis.



Estas referências estão constantemente no drama, se estruturando e construindo a trama, enriquecendo os diálogos e construindo uma constante de humor, ironia e assimilações. Há neste filme um jogo de interações entre Maria e Valentine que muitas vezes encarna a própria relação de Helena e Singrid. A jovem assistente que está há todo momento com sua chefe a guia em suas escolhas e de certa forma, a manipula também.
Maria possui uma visão sobre Helena que não a faz sentir bem com relação a peça. Em sua visão, Helena é uma mulher amarga, que teve sua vez, sua chance e seu tempo, uma personagem frágil e fraca. Para Valentine, Helena é tão forte e sedutora como Singrid, porém com suas diferenças. Este entrelaçamento, essa mudança, provoca em Maria uma série de dúvidas, incertezas e mal-estar.
Durante as encenações, as duas mulheres se chocam, se questionam, se esbarram em seus gostos e opiniões. Conflito, todo o drama se rege sobre conflitos e incertezas. O tempo que nos cerca, que nos toma e que nos molda. O tempo, sempre o tempo. Ele veio sobre Maria e lhe causou marcas, as marcas do tempo e da velhice. Entretanto, ela não aceita, não reconhece e aceitar dar vida a Helena é encarar essa dura verdade e se ver no espelho. Porém é também ver Singrid, a personagem que tanto amara, por outra ótica e perceber nela, ações e reações dela ainda quando jovem, ações estas que Jo-Ann comete em sua vida.



É neste jogo de relações que se encontra a beleza do drama. É no desenvolvimento destas duas atrizes, Maria e Valentine, que todo o drama se estabelece. Jo-Ann surge ao final, confirmando os desentendimentos, materializando as contradições e estabelecendo as fronteiras. Maria se perde em sua vida, em seus valores, em seus desejos, em seus medos e vê em Valentine a juventude que não possui. O longa denota de forma sútil uma forte aproximação entre as duas, uma aproximação talvez sexual, talvez sentimental, talvez não. As duas se conhecem perfeitamente e sabem o que sentem. Talvez haja um desejo entre ambas que não se concretize, mas sempre fica no campo do imaginário, sendo alimentado pela troca de olhares entre as duas.
Uma bela trilha sonora guia o filme, belas paisagens norteiam o drama. Um horizonte vasto está presente constantemente na trama, sugerindo algo que está lá distante, que não podemos ver, mas que aos poucos, conforme caminhamos, vai tomando forma, como a vida, como a verdade que somente com o passar dos anos, podemos ver com clareza, com mais serenidade e racionalidade.
Acima das nuvens representa, dentro do filme, uma carga de nuvens que perambula pelas alturas das montanhas. Elas caminham parecendo uma serpente, anunciando futuras tempestades. Ninguém sabem como se formam, mas elas se formam. Assim é a vida, assim é o tempo, que age sobre nós, e não o percebemos. Ele não tem forma e não o vemos com total exatidão, na verdade, muitas vezes nem o percebemos. Ele anuncia mudanças, tempestades e somente quando paramos e sentimos seu agir, vemos de fato sua presença.
Assim é “Acima das nuvens”, um drama cheio de nuances que se apega ao um jogo de ilusões e verdades que se complementam, se interagem e se chocam onde o tempo é o grande protagonista da história. As vezes se estabelece como vilão. Em outros momentos com o grande herói.  Em sua maior parte, como um personagem emblemático que não compreendemos de fato, mas apenas o sentimos constantemente, com uma presença forte e mais do que real.




quarta-feira, 10 de junho de 2015

Livre




O caminho da dor, o caminho da cura.

Como se levantar de traumas, como esquecer dores, como seguir adiante quando o passado está intimamente preso ao presente. A dor nos toma por diversos modos, por diversas faces e quando não a enfrentamos, mergulhamos num profundo mar sem fim.

Se levantar de tal constância significa muitas vezes trilhar caminhos complexos, difíceis, dolorosos, onde há dor está presente e somente ela nos despertará para a vida. Mas não a dor da morte em vida, mas a dor que nos faz perceber estar vivos.

Cheryl Strayed (Reese Witherspoon) perdera a mãe ainda recentemente. Sua mãe, Bobbi (Laura Dern), era sua base, sua guia, sua estrutura. Mesmo que as relações entre as duas sempre fosse marcada as vezes por severas discussões, a relação entre ambas ainda sim era marcada por uma cumplicidade.

Após a morte de Bobi, Cheryl se lança num mundo de drogas, bebidas, perdições e prazeres. Mesmo sendo casada, se lança cada vez mais em relações extraconjugais com uma única finalidade, se subjugar, se culpar, condenar-se a si mesma.

É neste ponto que então decide trilhar 1.800 quilômetros na Pacific Crest Trail americana. Uma trilha perigosa, cansativa e desgastante. Nesta empreitada, ela se colocará no limite das suas condições físicas, provando das suas forças e fraquezas, se apegando as suas lembranças e ao seu passado, confrontando as suas dores.


“Livre” caminha entre o passado e o presente, se intercalando constantemente num ritmo frenético. Oras vemos cenas de seu presente, de sua caminhada e das dificuldades em prosseguir adiante, ora vemos cenas do passado, quando sua mãe ainda estava viva, ou quando estava lutando contra o câncer.

Como um mosaico, um grande quebra cabeças, vamos conhecendo melhor esta personagem e vamos compreendendo melhor os motivos que levaram esta mulher a percorrer tal trilha, tal caminho. É como se tanto nós, que estamos vendo ao filme, quanto a própria personagem, vai entendendo de fato o que aconteceu a sua vida, as escolhas que fez, os caminhos que percorreu. Seu passado se revela a nós, revela a esta personagem.

É interessante perceber essa estrutura da montagem, como o diretor nos revela o inicio do longa, com , Cheryl gritando fortemente no penhasco de uma montanha. Após isso, sua caminhada até aquele momento em que a cena se inicia, alternando com cenas com sua mãe ainda viva. Mas tudo num primeiro momento parece muito confuso, muito emblemático. Nem ela, nem nós entendemos sua vida.

Aos poucos, o diretor percorre seu passado. Aí conhecemos uma mãe zelosa, amorosa, que sofreu na mão do esposo, mas que mesmo diante da dor, encontrou forças para reestruturar sua vida. Uma mulher que sofreu com a notícia de ter um câncer e não sobreviveu a esta fatídica doença. Conhecemos essa jovem, , Cheryl. Uma garota que nunca teve uma relação próxima com a mãe, mas que ao vê-la doente e sentindo que poderia perdê-la, sentiu a dor da culpa. Culpa, este é o sentimento que percorre sobre todo drama. Uma culpa que a condena, que mata, uma morte em vida que se materializa em seus atos.



“Livre” caminha neste sentindo, é uma jornada em busca de se compreender. , Cheryl, diante de toda sua dor, se perdeu em sua vida. Passar por este caminho, por essa jornada, é sentir a dor da vida e diante desta dor, é sentir-se viva novamente. A dor nos move, a ferida por mais dolorosa que seja, nos faz perceber que ainda estamos vivos.

No percurso, ela olha para o horizonte, se questiona se este é o caminho a seguir mesmo, ou o certo a fazer, mas diante da dúvida, ainda segue. O peso da sua bagagem a limitam e dificultam sua caminhada e aos poucos ela percebe que é necessário deixar objetos pelo caminho, lembranças no percurso, para que somente assim venhamos conseguir viver. 

Esquecer às vezes pode ser um sinal de vida, de manter-se vivo. Somos uma soma de todas as nossas vivências, mas quando estas nos ferem, é preciso esquecer todas essas vivências, não dar importância, não dar valor e caminhar, mesmo chorando, mesmo sangrando e caminhar. Num certo momento lá na frente, iremos relembrar o trajeto que fizemos e aí neste momento veremos se tal lembrança, da experiência foi de fato importante e se foi, em que sentindo.

Cheryl caminha, se fadiga, mas ao final, ao atravessar uma ponte (sim, tinha que ser uma ponte, que talvez possa simbolizar um elo entre o passado e o que virá adiante) ela se sente cansada, mas ainda sim, sente-se viva. Este cansaço, toda sua dor, lhe fez recobrar a vida, a enxergar com clareza tudo que aconteceu a ela.


Este longa, “Livre” faz uma referência a outro drama “Na natureza selvagem” com direção de Sean Penn. Se neste drama o protagonista busca na solidão do Alaska um novo motivo para viver, em “Livre” a protagonista busca nesta jornada, uma ruptura com o passado, uma forma de manter-se viva.

No elenco, Reese Witherspoon se lança vorazmente para dar vida a esta personagem. Sempre lembrada por comédias frágeis e superficiais, neste drama ela deixa de lado toda sensualidade e beleza para enfrentar situações que lhe exigem força e resistência física. Uma atuação esplêndida que lhe garantiu mais do que merecidamente uma indicação ao Oscar. É interessante notar que, assim com esta personagem, esta atriz se desprende de todo o seu glamour e toda maquiagem, todo seu passado para encarar um presente diferente.

Na direção Jean Marc Vallee mantém uma estrutura interessante. É dele também o premiado “Clube de Compras Dallas” e também o excelente “C. R. A. Z. Y”  que foi muito bem recebido pela crítica. Dramas comoventes, com uma certa pegada melodramática, mas que conseguem caminhar bem entre o distanciamento e a proximidade, entre a manipulação de sentimentos e a neutralidade para com o espectador.