segunda-feira, 5 de maio de 2014

"Abismo Prateado" e a dor de quem fica





"Quando você me deixou, meu bem. Me disse para ser feliz e passar bem.
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci. Mas depois, como era de costume, obedeci.

Quando você me quiser rever. Já vai me encontrar refeita, pode crer.
Olhos nos olhos. Quero ver o que você faz. Ao sentir que sem você eu passo bem demais”

Djalma (Otto Jr) mergulha nas águas da praia. Já é noite, noite calma, silenciosa e agradável. Uma noite como qualquer outra, como todas as outras. A câmera o mostra de longe e depois se aproxima do seu olhar. Ele sai das águas, caminha pela praia e apenas de sunga, retorna ao seu lar. Nesse momento, imagens de uma Rio de Janeiro com sua vida noturna movimentada se entrelaçam com a desse homem calado, com um olhar preocupado, perdido e distante. 

Ele chega em casa, a cena seguinte mostra ele transando com sua esposa Violeta (Alessandra Negrine). Ainda no outro dia, a câmera agora se alterna entre ele, ainda no foco e também sobre ela, que aos poucos vai se revelando. Até nesse momento, é Djalma quem guia os passos, os olhares, a câmera. 

Violeta prepara o café, acorda seu filho e os dois saem para mais um dia nesse cotidiano tão intenso que às vezes não nos permite nem respirar. Djalma ainda permanece em casa, algumas horas depois vai viajar a trabalho. Ele sai do banho, anda pela casa e observa a cidade.

Após isso vemos Violeta no trabalho e depois uma pausa para a academia. Ela se sente bem, se sente feliz, seu olhar sorridente é uma demonstração dessa possível felicidade. Porém o celular toca, é seu marido. Há uma mensagem deixada por ele. Ela não entende direito, não quer entender, não quer acreditar. Pronto, tudo ao se redor perde o sentindo, a razão, as forças. Ela simplesmente se choca diante de um abismo. Seu marido a deixara e estaria indo embora da cidade, embora da vida dela, o motivo: não a ama mais. 





A descrição parece ser grande, mas as cenas que revelam essa ação não. Depois dessa verdade dita de uma forma tão fria e distante Violeta não sabe o que fazer, se vai para casa, se volta ao trabalho. Ora, a vida segue, o mundo gira e ela precisa ainda continuar com seus afazeres, não há tempo para pensar, chorar ou gritar. Ela retorna ao trabalho, mas não dá, não consegue. Vai para casa.

No trajeto, sofre um acidente, um choque, uma batida, um tombo, o primeiro tapa na cara depois desse acontecimento. Depois desse virão outros, de outras formas e agressividades. 

Sem saber o que fazer, sai de casa e perambula pelas ruas do Rio em direção ao aeroporto, pois afinal quer saber o motivo, quer compreender o que está acontecendo. É nesse trajeto, é durante essa noite que veremos seu olhar perdido em meio ao caos de sua vida, sentiremos sua dor, ouviremos o silêncio da sua voz. 

Em “Abismo Prateado” de Karim Aïnouz, temos um filme intimista do começo ao fim. Não há cenas envolvendo uma ação de fato. Tudo acontece naturalmente, e vemos o tempo corrido que dura cerca de um dia na vida dessa mulher. Durante essas vinte quatro horas, ela sentirá a dor da perda, do luto, da morte, do vazio e tentará se recompor diante de tudo isso. 






Se em “O céu de Suely” ou “Viajo porque preciso, volto porque te amo” a trama gira em torno de quem parte, aqui a trama se cai sobre quem fica, permanece e sofre a dor do abandono. 

Alessandra Negrine como Violeta dá vida a uma mulher de olhares. A forma como a câmera foca em seus olhos, seus lábios, seu rosto revelam toda dor que essa personagem está sentindo sem dizer uma única palavra. Mesmo quando ela tenta passar naturalidade e calma, podemos ver que por dentro ela está gritando de dor. Sua atuação é incrível, segura, contundente e forte. 

Outro ponto interessante do longa é que não há muitos diálogos de fato. Tudo se passa no mais profundo silêncio. Ora a vemos no trabalho, na rua, em casa, na praia e nada se ouve, apenas o barulho das águas, dos carros, da vida, ou seja, a vida continua, tudo segue normal. 

“Abismo Prateado” trabalha com estes dizeres, com essas linhas, nunca se diz, porém muito se fala. Três personagens transitam pelo caminho de Violeta, Elvira (Carla Ribas), uma taxista e Nassir (Thiago Martins) com sua filha. Estes três personagens se mostrarão também como pessoas que foram abandonadas em certo momento de suas vidas por alguém, mas que se levantaram e seguiram adiante. 

A relação de Violeta com Nassir será um dos pontos fortes do filme, pois haverá uma cumplicidade muito grande entre os dois, uma certa afinidade, pois talvez um saiba o que o outro no fundo esteja sentindo. 



“Quando você me deixou [...] quis morrer de ciúmes, quase enlouqueci [...]  Quando você me quiser rever [...] quero ver o que você faz ao sentir que sem você eu passo bem demais”. Essa é a declaração de Violeta. Apesar do mundo dela cair, estes dois personagens, Elvira e Nassir, os sons que regem a cidade, as águas que banham a praia e o vento que sussurra forte, mostrarão a ela que um dia virá após o outro e tudo voltará ao normal e toda dor já será passado. 

O longa é curto, mas se ver que ele foi inspirado numa canção, sua estrutura está muito bem trabalha e feita. Ao final a canção toca, o sol nasce, Nassir caminha em direção ao seu destino e Violeta em direção a um caminho que ainda não sabe, mas que tem uma certeza, que no final, ficará bem.