“O
cinema é talvez realidade, mas também outra coisa, geradora de emoções e
sonhos” (MORIN, 1997, p.36).
O
homem necessita da ilusão para viver, pois esta é uma das formas para superar
seus medos, inquietações e dores ou mesmo alcançar a tão sonhada e desejada
felicidade e a imagem lhe causa esse prazer.
O prazer segundo Freud (1997) é o
que nos move em nossas atitudes, falhas e acertos. Homens guiados por
sentimentos resguardados em sociedades, mas que encontram no poder das imagens
através do cinema uma fuga, uma ilusão verdadeira, um reduto de desejos. Assim
é o cinema para o homem. Ele representa a realidade, a ilusão, o desejo e uma
saída. O cinema está para a realidade, assim como realidade está para o cinema.
Nesse
sentido, por mais ilusão que seja o cinema, a
sua essência encontra-se na veracidade da vida. É a realidade que as mantém.
O
cinema é um meio técnico que consegue exprimir a idéia de um mundo ou de uma sociedade.
“O cinema foi a primeira forma de arte em decorrência de uma invenção
tecnológica” (TARKOVSKI, 1998, p. 95) e nesse sentido ela consegue revelar e
compreender ao fundo todas as questões emblemáticas que percorrem o homem.
Segundo Tarkovski “o cinema deve ser um meio de explorar os problemas mais
complexos do nosso tempo” (1998, p. 94). Trazer para as telas do cinema e levar
até as pessoas uma arte que tem a capacidade de iludir, nas palavras de
Tarkovski, “uma ilusão verdadeira” (1998, p. 99), mesmo a pessoa sabendo que
aquilo que está diante dela não é a realidade em si, mas apenas a sua
representatividade, é a função primordial do cinema. Morin afirma que “se a sua
realidade é ilusão, é evidente que essa ilusão é, apesar de tudo, a sua
realidade” (1997, p. 31). Ele é um interlocutor entre o imaginário e a vida
real, se não se apega a realidade, produz uma representatividade dela.
O
cinema em comparação com outras artes, como a pintura e a fotografia, leva uma
grande vantagem pelo fato de ter o poder de dar movimento ao instante
fotografado e capturado, fornecendo-lhe mais sensação de veracidade. “Entre todas as artes ou todos os modos de
representação, o cinema aparece como um dos mais realistas, pois tem a
capacidade de reproduzir o movimento, a duração e restituir o ambiente sonoro
de uma ação ou de um lugar” (AUMONT, 2007, p. 134), para Morin “o cinematógrafo
aumenta duplamente a impressão de realidade da fotografia, na medida em que,
por um lado, restitui aos seres e às coisas o seu movimento natural” (1997, p.
31).
Ainda
segundo a noção de ilusão e verdades, o cinema comporta traços da vida, pois
segundo o autor, em sua essência há a realidade, reproduzida em uma forma de
linguagem utilizando-se da fotografia. “A fotografia não cria [...] ela
embalsama o tempo, [...], a imagem pode ser nebulosa, descolorida, sem valor
documental, mas ela provém por sua gênese da ontologia do modelo; ela é o
modelo” (BAZIN, 1991, p. 24). Mas, um dos pontos que mais chamam a atenção de
Bazin para essa compreensão, do cinema como espelho da realidade, é que ele
pode reproduzir o tempo. “A imagem das
coisas é também a imagem da duração delas” (1991, p. 25).
O ritmo e o tempo é
um dos elementos, segundo Tarkovski (1998), mais importantes do cinema. Ele
confere sensibilidade e mais veracidade ao filme. Segundo o autor, que foi um
dos que mais estudou esse elemento, o ritmo “expressa o fluxo de tempo no
interior do fotograma [...] É impossível conceber uma obra cinematográfica sem
a sensação do tempo fluindo através das tomadas” (1998, p. 134). Segundo o
autor, para que o filme tenha ritmo, isso vai depender de uma variação de
fatores como comportamento dos personagens, tratamento visual e trilha sonora.
Outro
aspecto que será de extrema importância para o cinema e sua representatividade
com o real é a questão da identificação do espectador com essa arte. Nesse
sentido, quando uma pessoa entra numa sala escura, senta na poltrona, a junção
desses elementos mais o som e os olhos fixos na tela, fazem com que o público crie
laços em que a história por mais ilusória que seja se passará ao espectador com
uma noção de real. Por cerca de duas a três horas o público acreditará que
aquilo que vêm, ouvem e sentem tenha alguma realidade. Segundo Morin esse fator
se dá por meio da projeção e identificação.
A projeção é um processo
universal [...]. As nossas necessidades, aspirações, desejos, obsessões,
receios, projetam-se, não só no vácuo em sonhos e imaginação, mas também sobre
todas as coisas e todos os seres [...]. Na identificação, o sujeito, em vez de
se projetar no mundo, absorve-o. A identificação incorpora o meio ambiente no
próprio eu e integra-o afetivamente. (MORIN, 1997, p. 108).
“Da
simples ilusão de movimento a toda uma gama complexa de emoções, passando por
fenômenos psicológicos, como a atenção ou a memória, o cinema é feito para
dirigir-se ao espírito humano” (AUMONT, 2007, p. 225). Ele, o espectador,
deseja ver o irreal, mas também, o que está próximo dele, como praças, campos,
lugares pelos quais tenha passado ou desejado estar. “O que atraiu as primeiras
multidões não foi a saída duma fábrica, ou um comboio numa estação [...] mas
uma imagem do comboio, uma imagem da saída da fábrica. Não era pelo real, mas
pela imagem do real” (MORIN, 1997, p. 33). Segundo o autor, a imagem fixada no
cinema é apenas uma transposição da vida delas. A idéia de ilusão permanece,
pois ela é uma imagem, mas é justamente por ser uma imagem de algo verdadeiro
que impressiona e cativa atenção e admiração do público diante do cinema.
Além
dessa ilusão, há a idéia da realidade posta ao espectador, nesse sentido, o
público passa a ter uma segunda visão sobre a vida, sendo que esta consegue
trazer a tona detalhes e nuances que não seriam possíveis na visão comum. Essa
segunda visão, a do cinema, traz consigo também a magia e a poesia das imagens.
“Segundo a expressão de Moussinac, a imagem cinematográfica mantém o contato
com o real e transfigura-o até à magia (MOUSSINAC apud MORIN, 1997, p. 35).
O
cinema é feito por sonhos, verdades, mentiras, ideias, medos, desejos e
sensações das mais diversas às mais complexas, assim como o homem. Ele é um
espelho de um homem imaginário.
AUMONT, Jaques. A imagem. Tradução
Estela dos Santos Abreu; Claudio Cesar Santoro. Campinas: Editora Papirus.
2007.
BAZIN,
André. O cinema. Ensaios. São Paulo:
Editora Brasiliense. 1991.
FREUD,
Sigmund. O mal-estar na civilização.
Tradução de José Octavio Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago. 1997.
MORIN,
Edgar. O cinema ou o homem imaginário.
Tradução António-Pedro Vasconcelos. Lisboa: Editora Relógio D’Água. 1997.
TARKOVSKI,
Andrei. Esculpir o tempo. Tradução
Jeferson Luiz Camargo. São Paulo:
Editora Martins Fontes. 1998
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