Irreverente, ousado, sério e outras coisas mais.
Moralidade
e conservadorismo. São conceitos que estão presos a muito de nós ainda. Numa
época em que o tema “sexo” era tabu, falar sobre esse assunto era algo
complicado, então, como se fazia? A década é de 1940 e simplesmente não se
falava ou se dizia nada a respeito, ou no caso, se dizia baseado no mais puro moralismo cristão.
Em “Kinsey, vamos falar de sexo” o filme
aborda uma história real, a história de um homem indagado por estas dúvidas e
que resolveu ir a campo e questionar as pessoas sobre o que elas pensavam a
respeito deste assunto. Como elas se relacionavam com o sexo ou como elas o
vivenciavam. Por meio desta pesquisa, produziu um grande estudo sobre o tema e
nos mostrou que apesar de todo o conservadorismo, o homem ainda entre quatro
paredes, conseguia se desprender destes preceitos e revelar seus reais desejos.
Kinsey
(Liam Neeson) cresceu sob uma forte crença. Seu pai desde cedo lhe dizia que o
salário do pecado era a morte e que os desejos carnais deviam ser controlados e
exorcizados a todo custo. Ele não entendia ou não aceitava de certa forma essa
“verdade”. O único momento que se sentia livre era em contato com a natureza.
Nesse filme, a natureza ganha contornos fortes como a mais pura liberdade.
Quando
se colocou frente ao seu pai ao lhe dizer que iria cursar biologia, sentiu-se
livre dessa fé que o sufocava e então partiu para o que realmente desejava, a
natureza. Estudando e pesquisando o universo das vespas em particular,
descobriu que a individualidade está em todos nós, esse é o elemento que nos
define. Todos somos seres únicos, com pensamentos, sentimentos e desejos
únicos.
Após
conhecer sua esposa, Clara (Laura Linney) e se casarem, percebem que possuem
algumas dificuldades quanto ao sexo, mas após procurarem um especialista, resolvem
este problema. É nesse momento que Kinsey percebe como o tema “sexo” é algo não
abordado, não discutido e não trabalho.
Visto
sempre pelo lado da fé/religião como algo imoral, promíscuo e pecaminoso, ele
resolve então abordar esse tema pelo prisma da ciência. Colocando o “sexo” como
objeto de estudo, vai a campo e percebe um mundo diferente, distante e marcado
pela singularidade e a mais pura naturalidade.
O
que esse drama nos mostra é como somos seres engraçados e como o sexo é algo
que revela muito de nossos desejos e medos. Temas como homossexualismo e
adultério são revelados como práticas corriqueiras por uma sociedade
conservadora. Apesar de muitos esconderem tais práticas, a vivenciavam nas noites escuras e lugares onde os olhos dos outros não poderiam enxergá-los, mas ainda assim, a praticavam e de forma contínua.
Kinsey
traz a luz há um tema delicado, uma sensação de liberdade a estes sujeitos marcados
pelo preconceito e revela que eles não são anormais ou diferentes. Porém o
drama revela um lado extremamente conservador também ao mesmo tempo. Quando os
estudos voltados aos homens são publicados, todos se voltam os olhos para esse
professor, elogiam seu trabalho e sua ousadia. Entretanto, quando o tema passa
a ser os desejos das mulheres, a situação muda de lado e o moralismo e
conservadorismo revelam sua força.
“Kinsey,
vamos falar de sexo” aborda o homem em suas complexidades. O homem que deseja e
teme seus desejos, que não os aceita. Esse drama tenta compreender uma
sociedade que afirma que tal fato é errado, porém o pratica e posteriormente
sente a culpa por tal ato. Não é interesse do diretor, ou deste professor
julgar ou condenar, mas ouvir e entender e é isso o que ele faz.
Seus
personagens são ricos, profundos e intensos. Estão presos a estes prazeres e se
calam quanto a ele. É engraçado como podermos ser contraditórios quanto aos
nossos pensamentos, a figura do pai de Kinsey é o melhor exemplo. Tudo é uma
construção, valores e “verdades”, porém há momento em que certas “verdades” ganham
contornos mais fortes e massacram o homem em suas particularidades.
O
depoimento da personagem final que afirma que Kinsey a salvou é tocante, terno
e comovente. Ela é a personificação de muitos que assim como ela, não entendiam
seus sentimentos, mas quando percebeu que não estava só e que o que desejava ou
queria era algo que estava relacionado a ela e não era errado, sentiu a
liberdade. A liberdade da natureza e o fim de uma culpabilidade imposta por uma
sociedade.
Porém
nessa busca por entender o sexo, Kinsey bateu de frente com outros entraves que
não havia percebido e compreendeu que esse ato carnal vai além de prazeres, mas
envolve também sentimentos como medo, amor, mágoa e tantos outros. Não somos
meros animais, somos dotados de mais complexidade.
No
elenco, Liam Neeson e Laura Linney são o destaque. Nesson como Kinsey demonstra
toda sensibilidade desse personagem, suas dúvidas e posteriormente o medo por
ter tocado em temas tão espinhosos. Por essa atuação ele foi indicado ao Globo
de Outro de melhor ator, poderia ter sido também ao Oscar, devido a
grandiosidade e ousadia de sua atuação.
E Laura está simplesmente sublime.
Indicada ao Globo de Ouro e Oscar de Melhor atriz por este filme, ela mostra a
sensibilidade, força e ousadia dessa personagem e revela uma grande mulher por
de traz de um grande homem. Ela que é uma atriz de talento, tem feitos
produções interessantes e fortes, uma atriz de peso e destaque. Outro destaque
no filme é Peter Sarsgaard como Clyde, amigo próximo de Kinsey e possivelmente
teve uma relação a mais com esse professor.
Esse
drama é terno em suas imagens. Apesar do tema ser o “sexo” nada é mostrado com
indelicadeza, mas com a mais pura suavidade. Um filme em que se fala muito
através de suas imagens, de seus personagens e de suas “transas”. É no ato de
provocar, pelos não dizeres, pelas cenas não mostradas que esse drama trabalha
e nos conquista.