A dor de quem parte, a dor de quem
fica
Em “Praia do futuro”, novo drama de
Karim Aïnouz, o cineasta traz para as telas do cinema dois rumos de sua
cinematografia. De um lado vemos todo sofrimento de Donato (Wagner Moura), que
deixa sua cidade, sua família, sua vida e parte para a Alemanha, uma terra
distante, uma língua diferente, juntamente com Conrad (Clemens Schick).
Posteriormente, vemos a dor de Ayrton
(Jesuíta Barbosa), o irmão que é deixado, abandonado e renegado. Ao ir de
encontro com Donado, temos estas duas dores face a face. Toda verdade não dita
por anos será bradada em silêncio.
Donado é um salva-vidas no Ceará.
Nunca falhou em missão, entretanto tudo nessa vida tem sua primeira vez. Quando
dois turistas entram nas águas perigosas da Praia do futuro, eles se afogam.
Donado faz todo possível e consegue salvar Conrad, porém seu amigo se perde nas
águas do mar.
Após Conrad ser medicado e
liberado, Donado tenta ajuda-lo em tudo que pode, inclusive na busca do seu amigo.
Nesse momento, percebemos entre eles uma troca de olhares, um jogo de
insinuações e palavras. O fato não demora e os dois já se lançam numa relação
sexual que não poupa na agressividade. Após isso, mantém a amizade, as
conversas, o entrosamento. Não há muitas palavras entre eles, nem há essa
necessidade.
Quando Conrad precisa voltar a seu
país ele convida o brasileiro para ir junto com ele e assim ficam por semanas
juntos. Porém tudo uma hora chega ao fim e as férias de salva-vidas também. É
onde Conrad pede para que ele fique com ele na Alemanha. Aí vemos a primeira
decisão forte de Donado: ficar com o homem que sente um sentimento que vai além
da atração e deixar toda sua vida para trás ou voltar para sua terra, para a
sua vida.
A cena que representa essa escolha
representa também muito bem o cinema deste diretor. Sem palavras, sem diálogos,
apenas pelos gestos, pelo olhar, pelo sorriso, sabemos o que Donado deseja e
escolhe e em consequência, renega.
Tempos se passam e seu irmão Ayrton
chega a Berlim a procura de Donado. Reservado e calado, carrega consigo a dor
de ter sido abandonado e o mais difícil, sem saber os motivos para tal
abandono.
Esta é a segunda parte do longa,
neste momento conhecemos melhor Ayrton, e a partir deste instante, acompanhamos
sua jornada, seu silêncio e suas dores. Ao ver om irmão vem a raiva, a dúvida,
as perguntas e as agressões. Todas as perguntas querem serem respondidas, mas
há respostas para tais questões?
O cinema de karim é composto pela dor
do abandono. Se em “Céu de Suely” vemos a dor de quem parte, da garota que vai
em direção à cidade grande deixando para traz vidas, família e amores, em
“Abismo prateado” vemos a dor de quem fica, de quem é abandonado e precisa
reconstruir sua vida diante do caos que se encontra.
Em “Praia do futuro” temos estas
duas dores entrando em colapso, num confronto, num conflito. Não há como
entender tais motivos, não há como explicar tais ações. Apenas sentir, um
sentimento de que nos toma, nos fere e nos leva a percorrer caminhos antes nunca
percorridos e a mergulhar profundo em sentimentos tão complexos de dor a raiva,
a paz e refrigério.
O longa trabalha com naturalidade e
honestidade o tema da homossexualidade e ainda age com ousadia ao escalar Wagner
Moura como Donado, um salva vidas sério, discreto que se envolve sexualmente
com outro homem.
Detalhes a parte, essa drama
trabalha com a dor, poderia ser um casal hétero, ou não, isso é a estrutura de
menor importância nesta película. Karim tem uma delicadeza com as imagens
impressionante, um trabalho com o silêncio e os ruídos que nos assombra, essas
melodias são verdadeiras mensagens dentro do cinema.
As imagens representam e dão voz as
palavras que não conseguimos dizer. São expressões de nossa inconsciência, de
nossos sentimentos que são tão subjetivos quanto o sopro de vida. Estas imagens
representam esta dificuldade em falar, em dizer, em se expressar. Quando não há
palavras para expressar o que sentimentos, o melhor é ficar calado e é isso que
estes personagens fazem. Ficam calados diante da perda, da morte, do amor e do
abandono, mas em contraposição seus gestos expressam, falam, comunicam e
gritam.
Ayrton e Donado possuem um passado
que devem ser revisitado, um presente que precisa ser compreendido e um futuro
que necessita ser construído. Não há como mudar o passado, como remediar o que
se foi ou apagar o que aconteceu. O tempo perdido ficará para sempre perdido. Donado
tem esse conhecimento, seu irmão apesar de ter sido tomado pela raiva também
possui essa ideia. O que fazer diante de tal fato? Perguntas e mais perguntas
que jamais se terá uma resposta de fato. A cena final vislumbra este caminho,
uma estrada, sem um horizonte certo, carregada de neblinas, duvidas e
incertezas, mas que são percorridas por estes três homens.
No elenco, Wagner Moura e Jesuíta
Barbosa dão dramaticidade e o peso que o filme necessita, mais a delicadeza da
direção de karim confere sobriedade, ternura e suavidade a este filme.
Nenhum comentário:
Postar um comentário