domingo, 30 de junho de 2013

A festa da Menina Morta


A fé nos cega ou somos nós que nos deixamos cegar por ela?

O “Festival da Menina Morta” se aproxima e todos estão envolvidos nesse evento. Uma comemoração religiosa marcada por mitos, fé, rituais e cantigas. Estamos numa região do Brasil afastada dos grandes centros. Uma região onde a pobreza tem forte presença, assim como a crença.

Neste pequeno vilarejo em que a pesca está como única fonte de renda, há Santinho (Daniel de Oliveira), um jovem que se diz santo e que é capaz de ouvir a voz da pequena menina morta. Essa voz é o espírito dessa garota que está a proteger a todos e que segundo os moradores locais, é capaz de realizar milagres, por meio de Santinho. Prestes a ser realizada a 20ª Festa da Menina Morta, ânimos serão exaltados, dúvidas serão postas e a dor da perda que se faz presente será vivenciada ao extremo.

Com direção de Matheus Nachtergaele, “A festa da menina morta”, tem um Daniel de Oliveira que encarna com profundidade, sinceridade e beleza o personagem Santinho, um jovem que diz ouvir a voz de uma menina há muito tempo morta e que se tornou santa após esse fato.

A partir dele, conheceremos um grupo de personagens marcados pela fé, pobreza, dor e amargura. Homens e mulheres que teem na expressão da religião, uma forma de se manterem vivos e intactos diante de tantas dificuldades.

Nesse drama sobre a religião, Nachtergaele nos apresenta um mundo onde a fé cega, mas a todo tempo ficamos a nos perguntar se todos esses personagens realmente estão cegos por ela, ou fingem acreditar em todos esses milagres. A figura do próprio Santinho representa e materializa essa dúvida, ele realmente acredita naquilo que fala ou não?



“Santinho” não tem carisma, é mimado, autoritário, perde a paciência fácil, é exigente e não pensa nos sentimentos dos outros. Sendo extremamente egoísta, tem tudo a que deseja. Seu pai, (Jackson Antunes) vive bêbado e a custas do filho. O rapaz vê as atitudes dele, porém não o cobra, pois tem uma admiração por ele que chega a ser um desejo sexual. A todo momento podemos perceber os olhos de Santinho sobre seu pai, e o mesmo retorno dele para com o jovem. Há uma forte relação marcada pelo incesto que faz com que Santinho perca sua própria indenidade, não sabendo o que realmente deseja e criando sobre o pai um ciúme que irá beirar uma possessão. Ele perde essa sua identidade de filho.

Apesar de toda aldeia perceber essa relação de pai e filho, todos o respeitam, exceto Tadeu (Juliano Cazaré). Ele é o irmão da menina morta em questão e ele ainda sente a dor da perda, e sofre ainda mais pela forma como ela é usada por muitos para obter proveito e regalias. Ele tem consciência que não há milagres, ou espírito ou vozes e se revolta diante de tanta crença. Percebe a mentira que acontece à frente dos seus olhos, mas nada pode fazer para mudar isso.

Durante todo o filme, questões envolvendo fé, desejo, incesto e pobreza serão mostradas. Alguns temas ficarão de forma clara, outros serão trabalhas indiretamente.  Mas diante de todos os temas, a fé é que chama mais a atenção. A visão que fica é a de dúvida, dúvida sobre Santinho, sobre o Festival, sobre todos?  A fé sobre Santinho é sempre mostrada, mas nunca duvidada, nada se confirma, porém, nada se nega. Isso nos faz questionar: ele realmente é santo ou fingi ser? Se não é, ele sabe o que está fazendo ou de tanto mentir para todos, acabou sendo enganado por ele mesmo? E todos que o conhecem, realmente são enganados de fato ou fingem que são para que a dor da verdade os assombre menos?


Dor, no fundo esse drama fala sobre a dor. Quando ela não vivida, não é vista de frente, todos precisam de uma forma de ocultá-la. Deixá-la ali no canto, não sendo vivenciada. É nesse momento que entra a fé, ela materializa essa dor não colocada de frente. Eles se fecham em seus “milagres” e se calam diante da vida. O único personagem a sentir e chorar é Tadeu. Ele representa esse enfrentamento. Porém, próximo ao final, Santinho também irá se deparar com uma verdade, uma dor particular, ligada ao abandono, a sua situação de filho e a sua condição de um rapaz comum. É nesse momento que se encontra o ápice deste drama, marcado por fortes diálogos, cenas e metáforas. No fim, Santinho fala sobre a dor, a dor que precisa ser vivida, vivenciada e expurgada, como um rio que flui e deve correr adiante.

Nesse drama, Nachtergaele aborda com ternura esses personagens. As imagens revelam todos esses homens em seus dilemas e medos. A câmera os mostra em suas intimidades. Os expõem em meio a dor, numa imagem crua, nua e voraz. Todos são expostos, não há beleza, há apenas a vida. Uma vida marcada pela dificuldade, pela pobreza e falta de perspectiva. Uma comunidade simples que tem na fé a força motriz da vida. 

Uma força que ora os guia para a verdade, ora os mantém presos a cegueira. A fé cega, a verdade nos liberta e a dor no move.



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