Acima das nuvens, acima do tempo, acima das
preocupações que nos cercam. Quando o tempo chega sobre nós, ele chega sobre
nós. Mudamos nossa perspectiva ou permanecemos com os mesmos pensamentos? E as
dores, elas ainda nos tomam com a mesma intensidade?
“Acima da nuvens” traz para as telas do cinema um jogo
de metalinguagens em que ilusão e realidade se misturam num entrelaçamento sem
fim. Onde começa a ilusão? Onde termina a realidade?
Maria Enders (Juliette Binoche) é uma atriz que teve
grandes momentos no cinema. Ela está prestes a receber um prêmio em nome de um
consagrado diretor da qual ela fora amiga. Ele foi o responsável por colocá-la
em evidência devido a personagem Sigrid que ela viveu na peça.
Há vinte anos, Maria dava vida a Sigrid, uma mulher
jovem, sedutora, voraz e intensa que se envolve com sua chefe, Helena, uma
mulher mais velha. Na peça, as duas desenvolvem uma relação destrutiva que leva
Helena a cometer o suicídio. Após esta peça Maria obteve o reconhecimento da
crítica e desde então se enveredou por um cinema mais comercial.
Passado vinte anos, o diretor que também é um grande
amigo dela, falece e um novo diretor assume a responsabilidade a reencenar a
peça teatral que dera sucesso a Maria. Entretanto, nesta nova versão do diretor,
ele pede que Maria assuma o papel de Helena, a mulher mais velha e amarga que
se vê perdidamente apaixonada por Sigrid. Sua assistente, Valentine (Kristen
Stewart), orienta a aceitar a peça, mesmo que isso signifique encarar a
velhice, pois na visão dela, este é um dos melhores papeis que apareceram para
ela há anos.
Mesmo a contragosto, Maria aceita, e as duas partem
para a antiga casa do diretor para ensaiar a peça. Maria encarnando Helena e
Valentine declamando as falas de Sigrid. Neste jogo de atuações, conflitos
emergem e nunca sabemos o que de fato há entre elas.
“Acima das nuvens” nos brinda com uma trama rica,
complexa e profunda, onde personagens se misturam, vida real e a vida das
personagens se mesclam constantemente numa teia de relações e o mais
interessante, as próprias atrizes que encarnam estas personagens também tem
traços de suas vidas acopladas as da personagem.
Maria após o seu reconhecimento da crítica, perambulou
pelo cinema de Hollywood para obter mais fama e dinheiro. Não diferente de Juliette
Binoche, atriz de peso e destaque que ora ou outra vemos atuando em algum filme
dos Estados Unidos, talvez por dinheiro, talvez por fama ou por tantos outros
motivos que não venhamos entender, em papeis as vezes que carecem de
profundidade. Kristen Stewart, atriz reconhecida após o sucesso da saga
Crepúsculo, apesar de estar associada ao cinema comercial, em certos momentos
se lança em pequenas produções independentes. Nos diálogos com Maria, a própria
Valentine faz referências a estes filmes, debochando de tais produções. Chloe Grace
Moretz, atriz que interpreta Jo-Ann, a atriz que dará vida a Sigrid na nova
versão da peça, assim como em seu papel no filme, é talentosa, mas só obteve
reconhecimento da crítica depois de estar em um filme de super-heróis.
Estas referências estão constantemente no drama, se
estruturando e construindo a trama, enriquecendo os diálogos e construindo uma
constante de humor, ironia e assimilações. Há neste filme um jogo de interações
entre Maria e Valentine que muitas vezes encarna a própria relação de Helena e Singrid.
A jovem assistente que está há todo momento com sua chefe a guia em suas
escolhas e de certa forma, a manipula também.
Maria possui uma visão sobre Helena que não a faz
sentir bem com relação a peça. Em sua visão, Helena é uma mulher amarga, que
teve sua vez, sua chance e seu tempo, uma personagem frágil e fraca. Para
Valentine, Helena é tão forte e sedutora como Singrid, porém com suas
diferenças. Este entrelaçamento, essa mudança, provoca em Maria uma série de
dúvidas, incertezas e mal-estar.
Durante as encenações, as duas mulheres se chocam, se
questionam, se esbarram em seus gostos e opiniões. Conflito, todo o drama se
rege sobre conflitos e incertezas. O tempo que nos cerca, que nos toma e que nos
molda. O tempo, sempre o tempo. Ele veio sobre Maria e lhe causou marcas, as
marcas do tempo e da velhice. Entretanto, ela não aceita, não reconhece e
aceitar dar vida a Helena é encarar essa dura verdade e se ver no espelho.
Porém é também ver Singrid, a personagem que tanto amara, por outra ótica e
perceber nela, ações e reações dela ainda quando jovem, ações estas que Jo-Ann comete
em sua vida.
É neste jogo de relações que se encontra a beleza do
drama. É no desenvolvimento destas duas atrizes, Maria e Valentine, que todo o
drama se estabelece. Jo-Ann surge ao final, confirmando os desentendimentos,
materializando as contradições e estabelecendo as fronteiras. Maria se perde em
sua vida, em seus valores, em seus desejos, em seus medos e vê em Valentine a
juventude que não possui. O longa denota de forma sútil uma forte aproximação
entre as duas, uma aproximação talvez sexual, talvez sentimental, talvez não.
As duas se conhecem perfeitamente e sabem o que sentem. Talvez haja um desejo
entre ambas que não se concretize, mas sempre fica no campo do imaginário,
sendo alimentado pela troca de olhares entre as duas.
Uma bela trilha sonora guia o filme, belas paisagens
norteiam o drama. Um horizonte vasto está
presente constantemente na trama, sugerindo algo que está lá distante, que não
podemos ver, mas que aos poucos, conforme caminhamos, vai tomando forma, como a
vida, como a verdade que somente com o passar dos anos, podemos ver com
clareza, com mais serenidade e racionalidade.
Acima das nuvens representa, dentro do filme, uma
carga de nuvens que perambula pelas alturas das montanhas. Elas caminham
parecendo uma serpente, anunciando futuras tempestades. Ninguém sabem como se
formam, mas elas se formam. Assim é a vida, assim é o tempo, que age sobre nós,
e não o percebemos. Ele não tem forma e não o vemos com total exatidão, na
verdade, muitas vezes nem o percebemos. Ele anuncia mudanças, tempestades e
somente quando paramos e sentimos seu agir, vemos de fato sua presença.
Assim é “Acima das nuvens”, um drama cheio de nuances
que se apega ao um jogo de ilusões e verdades que se complementam, se interagem
e se chocam onde o tempo é o grande protagonista da história. As vezes se
estabelece como vilão. Em outros momentos com o grande herói. Em sua maior parte, como um personagem
emblemático que não compreendemos de fato, mas apenas o sentimos
constantemente, com uma presença forte e mais do que real.
Nenhum comentário:
Postar um comentário