Uma obra densa, serena e introspectiva. Um mergulho na dor,
uma tentativa de entender o silêncio que fica entre diálogos. Wood Allen traz
com “Interiores” um dos seus filmes mais emblemáticos, dramáticos e singular.
Três irmãs convivem com uma dura realidade. A separação dos
seus pais, divórcio esse que está sufocando e matando e vida Eve (Geraldine
Page), a mãe delas.
Renata (Diane Keaton) é a mais velha. Séria, ousada, fria e
criativa. Não poupa palavras, é uma talentosa escritora, porém está passando
por uma crise na produção. Respeitada no meio, é casada com um professor que não
tem o mesmo prestígio que ela. Ele se sente menor que a esposa e essa sensação
está aos poucos destruindo o casamento.
Flyn (Kristin Griffith) é a do meio, sensível e muitas vezes
frágil. Muito ligada com o pai, sempre está perto de sua mãe, porém a
instabilidade e frieza por parte de Eve a machuca. Não sabe o que quer da vida,
na verdade sempre protegida, não conseguiu se encontrar ou enfrentar algo.
Joey (Mary Beth Hurt) é a mais nova e mais distante delas. Ela
um misto das duas, sensível e forte, áspera e doce. Sobre ela não vemos muito já
que o longa se centra apenas entre as duas irmãs mais velhas e tendo como motor
de ira e movimento Eve.
É com esse drama tão denso que Allen vai tentar trabalhar
esse universo de dores e incertezas. “Interiores” faz uma alusão a esse espaço interno
das casas, mas também ao espaço que está em nós. Os apartamentos e casas são uma
representação de cada um destes personagens. A tentativa de Eve demoldar o apartamento de Fly é um modo dela querer ainda moldar os gostos e a
vida de sua filha. Ela quer dominar os sentimentos desta filha que aos seus
olhos é a mais distante dela. A casa de Renata sempre com tons escuros demonstrando
incertezas com relação aos seus sentimentos, tanto que ela é a única a fazer
análise. Não se conhece por completo.
Tudo é tão gélido, tão vazio e tão espaçoso, sobram
sentimentos. Não há sentimentos vivos, não há choques ou confrontos, não há nada.
Nada é dito, nada. É nesse silêncio de palavras que Allen irá trabalhar toda
dor presente nesta família.
Fazendo uma forte referência a Ingmar Bergman, esse filme com nada se parece com a cinebiografia de Allen. Aqui
não há aquele humor ou piadas sobre a vida. Os planos são estáticos, a abertura
é ótima e seu desfecho esplêndido. Há tanto silencio nessa abertura e tanta
calma, promovida pelos sons da maré no desfecho, um excelente trabalho do
diretor. A personagem de Pearl (Maureen Stapleton) representa a vida que toda
família não tem. Seu vermelho é pungente, é quente, é vivo, mexe e balança,
chama a atenção e provoca. Não há como não percebê-lo, ela traz a vida a tanta
morbidez e ao final, a uma personagem.
Referencia final a
Bergman é a cena final. A discussão entre Eve e Flyn é forte, dura e dilacerante.
Todas as palavras não ditas são jogadas com tanta voracidade. Realidade e delírio
se entrelaçam, jamais temos consciência do que esta acontecendo de verdade. Essa
cena, essa discussão é uma total alusão a grande obra de Bergman, “Sonata de
Outono”. Todas as palavras, sentimentos e dores são vividos nesse momento.
Luto, dor e angustia
são sentimentos que merecem serem trabalhados. Eles fazem parte de nós, são eles
que nos movem e nos fazem ser quem somos e “Interiores” trabalha nessa
temática. Uma bela obra de Allen. Não é a sua melhor, mas é especial, porque
ele trafega por um caminho não muito confortável e realiza um excelente filme.
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