quinta-feira, 24 de julho de 2014

Pecado da Carne




“Pecado da carne” é um drama contido, de poucos diálogos, mas muitos olhares e expressões. Uma trama que fala sobre tradições, fé e desejos. Que vai além da questão do homossexualismo para abordar um tema ainda mais complicado.

Aaron Fleishman (Zohar Shtrauss) é um judeu ultra-ortodoxo que segue todos os mandamentos de sua fé. Casado e pai de quatro filhos, herdou do pai um açougue e resolveu voltar a trabalhar nesse ramo. As carnes recebem por ele todo um cuidado para não se tornarem impuras. O açougue fica num bairro pequeno da cidade de Jerusalém, uma comunidade onde todos seguem a risca as leis do Talmude e todos vigiam todos para que a comunidade jamais perca sua moralidade e sigam as riscas estas leis. 

Num certo dia, chega a seu estabelecimento Ezri (Ran Danker) um jovem novo na cidade. Ele veio para estudar, porém a única pessoa que conhece na localidade não o recebe. Vendo o rapaz, num primeiro momento Aaron se resguarda, mas depois oferece a ele um emprego no açougue e o quarto vazio para ele se acomodar. Ezri, assim como Aaron, é praticante dos ensinamentos, são judeus ortodoxos e sempre vão a sinagoga fazer os rituais que a religião exige. 

Com o passar dos dias e a proximidade dos dois, nasce um desejo entre ambos. Ezri sempre que pode tenta seduzir Aaron e este por sua vez, nunca se deixa escapar pelos olhares, pelo contrário, deseja ficar cada vez mais perto do rapaz. Num certo dia, acontece a entrega e os dois iniciam um caso marcado pelo medo, desejo e pelo sentimento de culpa. 



Desejo, carne, pecado. É sobre esses temas que o filme trabalha. Porém o filme vai alem da questão de dois homens vivendo um caso para tocar num assunto mais emblemático que é a questão do corpo e suas representações dentro da fé e das tradições religiosas.

O corpo para Aaron está ligado ao pecado, aos prazeres e aos desejos e estes devem ser combatidos a todo custo. Este é o preço a se pagar para conseguir seguir fielmente seus preceitos, seus ritos e estar mais perto de Deus.  Assim como a carne em seu açougue deve ser bem trabalhada para jamais se tornar impura, o corpo também. Ou seja, há todo momento, todos os personagens desse filme estão presos a essa busca de não de se contaminarem, de não se deixarem levar pela sua carne, pelos seus pecados e desejos. Mas isso é um trabalho árduo e difícil. 

O casamento, o trabalho ou os rituais na vida de Aaron não estão ligados ao prazer, apenas a tradições e aos procedimentos que devem ser seguidos para a purificação do corpo e fortalecimento do espírito. Mas com a chegada de Ezri há um confronto desse desejo e a carne cobiça, quer sentir, quer ter o prazer e ao se lançar nesse caso, ele se sente finalmente vivo.  Porém viver esse caso, esse desejo é renegar suas tradições e ser mal visto pela comunidade. Entretanto, os dois vivem, sempre juntos, sempre próximos. A esposa de Aaron percebe a distancia do marido e desconfia. Ele por sua vez, não tenta esconder tal fato. 

Paralelamente a trama destes dois, há outra história sendo contada. Uma jovem chamada Sarah está prometida a um jovem de boa família do bairro, porém ela deseja outro jovem. Estes dois sempre estão a se encontrar, mas a comunidade não aceita e interfere nesse caso. O destino que guia essa jovem apenas revela a Aaron o destino que lhe guardará, pois em breve, todo caso dos dois também virá a tona e vem. 



“Pecado da Carne” trabalha com uma beleza nas imagens e em suas simbologias impressionante. Não há diálogos, palavras ou declarações, poucas frases são ditas, mas a carga de olhares, dos gestos e das representações falam, bradam e declamam o que estes personagens sentem. 

Apesar de Aaron estar preso a viver esse sentimento, ainda ele fica marcado pela culpa, afinal sua fé martiriza o prazer e o desejo e ele não compreende porque tudo deve ser assim. Ezri também sofre suas dores, não tem a ninguém nessa vida. Do seu passado não sabemos, apenas que chega a cidade a procura de um amigo, um possível namorado, mas é renegado por ele e é nos braços de Aaron que encontra proteção e segurança. 

Ainda no começo do drama, Aaron lança uma pergunta que é respondida por um dos homens mais respeitado da comunidade. Aaron não entende porque tanta renegação ou sofrimento. Renegar seus desejos é estar mais perto de Deus, entretanto ao mesmo tempo é viver uma vida marcada pela dor e pela autoflagelação. Já se lançar a seus desejos é se distanciar de sua fé, ou seja, o que fazer? Na visão desde senhor, Deus nos criou para que possamos ser felizes nesta vida e que a dor faz parte, porém ela faz parte apenas do nosso crescimento e não do todo. Percebe-se nessa explicação a posição deste diretor frente a esse tema. 

Um filme contido e sensível, que não levanta bandeiras, mas que apenas retrata os homens em seus desejos, em seus prazeres, em seus medos, em sua fé. 


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