Na
busca de superar a dor, de compreender os males que nos cercam, nos batemos
contra as verdades, contra o passado e contra o presente. O tempo que nos cerca
pode muitas vezes nos trazer paz e consolo, em outros momentos nos aumenta a
dor e aflição. Mas quando este passado resolve voltar para nos assombrar,
trazendo seus sentimentos, instabilidades e esperanças, ficamos sem reação, num
misto de dor a alegria.
Em
“Le revanantes” temos esta dura e impossível verdade pairando sobre uma pequena
cidade da França. A primeira cena nos mostra um ônibus seguindo para uma viagem
escolar. Neste ônibus está Camile, mas um acidente acontece e o ônibus cai
sobre um penhasco onde todos os passageiros morrem e dentre estas vítimas está
esta adolescente.
Após
o acidente, vemos estas famílias tentando se reestruturar, mas nada permanece
igual. Esta ferida permanece a sangrar e toda estrutura da família se
desmorona. O pai de Camile tenta em vão participar de reuniões de um grupo de
pessoas que também perderam seus filhos. A mãe está cada vez mais distante do
marido, sempre calada e com um olhar melancólico e a filha, irmã gêmea de
Camile, tenta viver despreocupadamente.
Um
certo dia, como qualquer dia, vemos Camile subindo de um penhasco e indo em
direção a cidade como se nada tivesse acontecido. Ela caminha e caminha em
direção à sua casa, à sua cidade.
Ao
entrar em casa, come algo, corre para o quarto e liga o chuveiro, algo
corriqueiro, normal que nunca notamos ou percebemos mas que quando se deixa de
fazer, nos revela uma falta. Quando sua mãe se depara com ela, o que se percebe
é um calar. É um medo misturado a surpresa, a felicidade, a estranhamento. Ela
está louca ou está vendo de fato sua filha viva novamente?
Liga
para seu marido e pede que ele vá com rapidez para casa. Ao chegar em casa, sem
saber o que está acontecendo, ele também presencia a cena. Os dois estão em
choque, perplexos. Mas não, não choram ou gritam ou saem correndo. Nem eles
sabem o que sentem. Há uma naturalidade misturada com impossibilidade guiando a
estes personagens. As cenas que modelam este encontro inesperado é marcada por
tantos silêncios, por tantos olhares, por tantas expressões.
Assim
como Camile, vamos acompanhando neste primeiro episódio, outros mortos que
também se levantam. Cada um tem seu passado, sua família e seus entes que
deixaram. Mas eles não tem lembrança ou ideia do que tenham acontecido com
eles. Então, se tudo é irracional para estes vivos, para estes mortos, tal
situação torna-se ainda mais emblemática. Tudo mudou na vida das pessoas, então
como eles conseguirão encontrar seu local em meio há tantas mudanças. Há lugar
ainda para eles nesta cidade, na vida destas pessoas?
Moldado
em oito episódios, cada trama aborda um personagem do seriado, com o último
retratando o que de fato aconteceu ao despertar destes mortos. Não há terror,
suspense ou um clima de medo no ar, como é de praxe nas tramas envolvendo
mortos-vivos, mas um drama, um profundo e intenso drama.
O que se vê no seriado
são pessoas que seguiram com suas vidas, mas ainda sim, estão, de alguma forma,
presos ao passado. O retorno destes que foram, não traz apenas um sentimento de
felicidade, traz também dúvidas. Será que estes ficarão com eles para sempre?
Seria uma segunda chance? Todos irão retornar? Por que somente estes
retornaram? É com ternura, frieza, delicadeza e muita calma que este seriado
responde a estas perguntas com mais perguntas.
Nos
quatro primeiros episódios, conhecemos um pouco sobre cada sujeito que retorna.
Após isso, vemos que algo envolvendo a cidade está ligada a este fenômeno, mas
algo de misterioso guarda ao personagem do Victor. Não há como dizer que estes
que retornaram são moldados por traços de maldade, mas por sentimentos
corriqueiros. Camile, ao retornar, sofre medos, receios e incertezas,
sentimentos estes ligados a qualquer adolescente.
Já Simon tenta compreender o
que lhe aconteceu, mas sabe que algo não está certo com ele. Há uma certa
maturidade guiando seus atos por breves momentos. Serge ainda é tomado pelos
seus instintos assassinos. Victor teme ser abandonado e a esposa do Sr. Costa
observa a tudo atentamente, como se soubesse tudo o que acontece e nada fizesse
para mudar nada, pois sabe que nesta vida, não temos o controle de nada, ou
seja, há um olhar de aceitação pairando sobre o seu falar.
Todos
os personagens desta trama estão interligados por algo, pelo passado. O passado
guarda as respostas do presente, inclusive as respostas para tais retornos e se
estes ainda permanecerão com eles. Em cada episódio conhecemos sobre cada
personagem, sua vida e morte, ao mesmo tempo que entendemos um pouco melhor
sobre a própria estrutura da série.
Um personagem nos chama a atenção, pelo seu
olhar e sua postura, este é Victor. Ele fora assassinado há 35 anos, não há
ninguém que possa cuidar dele, entretanto, ele vai de encontro a Julie e
desenvolve com ela uma relação fraternal muito delicada e tocante. Mas ao mesmo
tempo, nunca temos certeza se ele está com ela por realmente desejá-la ou
porque necessita desta ajuda neste momento.
Ao
final da temporada, vemos que outros também retornam e desejam que estes que se
levantaram vá com eles. Um final estarrecedor, tocante e intenso. O seriado tem
apenas mais uma segunda temporada, fechando toda a trama. Algumas respostas nos
são dadas, outras ficam no ar. Mas o seriado continua com a mesma estrutura.
Uma
fotografia gelada paira sobre toda a trama. As cores são sempre moldadas por
tons escuros e cinzas. Não há um sol que nos chame a atenção ou que prevaleça
sobre todo o seriado. Os personagens são sempre apáticos, enfim, estão sempre
vivenciando um constante luto sem fim. A dor reina, em todos cantos, lugares,
olhares, subúrbios casas e paisagens. A trilha molda olhares e cenas, uma
melodia calma e terna. Nada muito intenso que atrapalhe o peso das imagens.
Este
seriado foi adaptado para os Estados Unidos, com a mesma estrutura, mesmos personagens,
mesma história e até o mesmo roteiro seguindo os passos da série francesa, com
seus diálogos, paisagens e ângulos de filmagens, mas algo não dá certo,
deixando este seriado americano ineficaz e frágil. Talvez seja a estrutura ou
olhar mais melancólico, com suas cores frias e um tom de constante solidão e
olhar reflexivo que existem sobre as produções francesas. Talvez sejam ainda
outros motivos que jamais venhamos compreender.
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