sexta-feira, 27 de maio de 2016

Le Revenants - quando a morte se faz presente


Na busca de superar a dor, de compreender os males que nos cercam, nos batemos contra as verdades, contra o passado e contra o presente. O tempo que nos cerca pode muitas vezes nos trazer paz e consolo, em outros momentos nos aumenta a dor e aflição. Mas quando este passado resolve voltar para nos assombrar, trazendo seus sentimentos, instabilidades e esperanças, ficamos sem reação, num misto de dor a alegria.

Em “Le revanantes” temos esta dura e impossível verdade pairando sobre uma pequena cidade da França. A primeira cena nos mostra um ônibus seguindo para uma viagem escolar. Neste ônibus está Camile, mas um acidente acontece e o ônibus cai sobre um penhasco onde todos os passageiros morrem e dentre estas vítimas está esta adolescente.

Após o acidente, vemos estas famílias tentando se reestruturar, mas nada permanece igual. Esta ferida permanece a sangrar e toda estrutura da família se desmorona. O pai de Camile tenta em vão participar de reuniões de um grupo de pessoas que também perderam seus filhos. A mãe está cada vez mais distante do marido, sempre calada e com um olhar melancólico e a filha, irmã gêmea de Camile, tenta viver despreocupadamente.

Um certo dia, como qualquer dia, vemos Camile subindo de um penhasco e indo em direção a cidade como se nada tivesse acontecido. Ela caminha e caminha em direção à sua casa, à sua cidade.

Ao entrar em casa, come algo, corre para o quarto e liga o chuveiro, algo corriqueiro, normal que nunca notamos ou percebemos mas que quando se deixa de fazer, nos revela uma falta. Quando sua mãe se depara com ela, o que se percebe é um calar. É um medo misturado a surpresa, a felicidade, a estranhamento. Ela está louca ou está vendo de fato sua filha viva novamente?

Liga para seu marido e pede que ele vá com rapidez para casa. Ao chegar em casa, sem saber o que está acontecendo, ele também presencia a cena. Os dois estão em choque, perplexos. Mas não, não choram ou gritam ou saem correndo. Nem eles sabem o que sentem. Há uma naturalidade misturada com impossibilidade guiando a estes personagens. As cenas que modelam este encontro inesperado é marcada por tantos silêncios, por tantos olhares, por tantas expressões.



Assim como Camile, vamos acompanhando neste primeiro episódio, outros mortos que também se levantam. Cada um tem seu passado, sua família e seus entes que deixaram. Mas eles não tem lembrança ou ideia do que tenham acontecido com eles. Então, se tudo é irracional para estes vivos, para estes mortos, tal situação torna-se ainda mais emblemática. Tudo mudou na vida das pessoas, então como eles conseguirão encontrar seu local em meio há tantas mudanças. Há lugar ainda para eles nesta cidade, na vida destas pessoas?

Moldado em oito episódios, cada trama aborda um personagem do seriado, com o último retratando o que de fato aconteceu ao despertar destes mortos. Não há terror, suspense ou um clima de medo no ar, como é de praxe nas tramas envolvendo mortos-vivos, mas um drama, um profundo e intenso drama. 

O que se vê no seriado são pessoas que seguiram com suas vidas, mas ainda sim, estão, de alguma forma, presos ao passado. O retorno destes que foram, não traz apenas um sentimento de felicidade, traz também dúvidas. Será que estes ficarão com eles para sempre? Seria uma segunda chance? Todos irão retornar? Por que somente estes retornaram? É com ternura, frieza, delicadeza e muita calma que este seriado responde a estas perguntas com mais perguntas. 

Nos quatro primeiros episódios, conhecemos um pouco sobre cada sujeito que retorna. Após isso, vemos que algo envolvendo a cidade está ligada a este fenômeno, mas algo de misterioso guarda ao personagem do Victor. Não há como dizer que estes que retornaram são moldados por traços de maldade, mas por sentimentos corriqueiros. Camile, ao retornar, sofre medos, receios e incertezas, sentimentos estes ligados a qualquer adolescente. 

Já Simon tenta compreender o que lhe aconteceu, mas sabe que algo não está certo com ele. Há uma certa maturidade guiando seus atos por breves momentos. Serge ainda é tomado pelos seus instintos assassinos. Victor teme ser abandonado e a esposa do Sr. Costa observa a tudo atentamente, como se soubesse tudo o que acontece e nada fizesse para mudar nada, pois sabe que nesta vida, não temos o controle de nada, ou seja, há um olhar de aceitação pairando sobre o seu falar.




Todos os personagens desta trama estão interligados por algo, pelo passado. O passado guarda as respostas do presente, inclusive as respostas para tais retornos e se estes ainda permanecerão com eles. Em cada episódio conhecemos sobre cada personagem, sua vida e morte, ao mesmo tempo que entendemos um pouco melhor sobre a própria estrutura da série. 

Um personagem nos chama a atenção, pelo seu olhar e sua postura, este é Victor. Ele fora assassinado há 35 anos, não há ninguém que possa cuidar dele, entretanto, ele vai de encontro a Julie e desenvolve com ela uma relação fraternal muito delicada e tocante. Mas ao mesmo tempo, nunca temos certeza se ele está com ela por realmente desejá-la ou porque necessita desta ajuda neste momento.

Ao final da temporada, vemos que outros também retornam e desejam que estes que se levantaram vá com eles. Um final estarrecedor, tocante e intenso. O seriado tem apenas mais uma segunda temporada, fechando toda a trama. Algumas respostas nos são dadas, outras ficam no ar. Mas o seriado continua com a mesma estrutura.

Uma fotografia gelada paira sobre toda a trama. As cores são sempre moldadas por tons escuros e cinzas. Não há um sol que nos chame a atenção ou que prevaleça sobre todo o seriado. Os personagens são sempre apáticos, enfim, estão sempre vivenciando um constante luto sem fim. A dor reina, em todos cantos, lugares, olhares, subúrbios casas e paisagens. A trilha molda olhares e cenas, uma melodia calma e terna. Nada muito intenso que atrapalhe o peso das imagens.

Este seriado foi adaptado para os Estados Unidos, com a mesma estrutura, mesmos personagens, mesma história e até o mesmo roteiro seguindo os passos da série francesa, com seus diálogos, paisagens e ângulos de filmagens, mas algo não dá certo, deixando este seriado americano ineficaz e frágil. Talvez seja a estrutura ou olhar mais melancólico, com suas cores frias e um tom de constante solidão e olhar reflexivo que existem sobre as produções francesas. Talvez sejam ainda outros motivos que jamais venhamos compreender.






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