Personagens presos a suas condições de vida, mergulhados em ilusões que servem de escape para a realidade. Assim é Albert Nobbs, novo filme do diretor Rodrigo Garcia que nos apresenta uma gama de personagens marcados pela dor, pelas dificuldades, marcados por uma tristeza estampadas em seus semblantes.
Albert Nobb (Glenn Glose) é um garçom que trabalha dedicadamente ao serviço. Sempre o primeiro a acordar e o último a se deitar. É reservado, atencioso, conhece os gostos dos hóspedes e tudo mais, enfim um funcionário exemplar. Tanta dedicação esconde um segredo, ele é na verdade é uma mulher, escondida nos trajes de um homem. Estamos no século XIX, Irlanda, numa sociedade em crise, sérias dificuldades econômicas e numa época em que ser mulher e sozinha é algo muito complicado e perigoso, as chances de sobrevivência são mínimas.
Nesse mundo está Nobbs. Para sobreviver, esconde sua essência e muda completamente os seus trejeitos, esquecendo até mesmo de quem é realmente. Na verdade, ela tem um objetivo, juntar o dinheiro suficiente para comprar um pequeno comércio de tabacaria. Para isso, junta moeda por moeda e as guarda com todo o cuidado. Não gasta com nada e assim foi por ano e anos.
Num certo dia, Sra. Baker (Pauline Collins) pede para que Hubert Page (Janet McTeer), o pintor do Hotel, fiquei no quarto de Nobbs, para poder passar a noite e finalizar o trabalho pela manhã. Nobbs fica apreensivo, afinal, seu segredo pode ser descoberto e não dá outra, mas nessa verdade, é ela quem fica abismada, pois na verdade Page também é uma mulher, que trabalha como homem e além do mais, é casada com uma mulher mesmo.
Todos esses fatos impressionam Nobbs e a faz pensar se seria possível o mesmo acontecer a ela. É possível ver um brilho de esperança e chance de felicidade em seus olhos. No hotel, um novo funcionário aparece para trabalhar, Joe (Aaron Jhonson), um jovem arrogante e com o objetivo de viajar até a América tentar uma nova vida. Ele vai se envolver com Helen (Mia Wasikowska), uma garota bonita e ingênua. Ela por sua vez, será o interesse de Nobbs, Joel sabendo disso, vai tentar usar Helen para conseguir as coisas desse humilde garçom, desde bebidas até dinheiro para poderem viajar para América.
É com uma história trágica e fria que o diretor traz para as telas do cinema Glenn Glose num papel que merecidamente lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz como Albert Nobbs. Esse filme foi feito para ela, sendo que foi por insistência dela que esse projeto saiu do papel. Baseado numa peça de teatro em que a própria Glose interpreta esse garçom, ela entrou nesse projeto como produtora, roteirista, atriz principal e até a música que toca ao final, ajudou a compor. Apesar do filme ter uma bela atuação de Glose, ele não foi recebido muito bem pela crítica, talvez pelo fato dela se sobressair em cima do drama, não dando a possibilidade das pessoas perceberem o valor real dessa obra.
Rodrigo Garcia é um diretor que consegue trabalhar como ninguém temas ligados às mulheres. Destino Ligados e Coisa que você pode dizer só de olhar para ela são exemplos disso. Dramas calmos, calados, onde o foco estão nos olhos, nas expressões, onde nada se diz, mas tudo pode se compreender. E aqui nesse filme não é diferente. O olhar de Nobbs, a delicadeza de Helen, a impetuosidade de Joe, o esforço de Page são nos passado pelos seus olhares, não precisam falar o que pensam ou o que sentem para podermos entender.
Um ponto interessante a perceber nesse filme é como seus personagens estão presos a sua vidas. Uma prisão dura, que os levará às suas próprias ruínas. É Nobbs preso no corpo de um homem, sendo que há momentos em que nem ela sabe quem é realmente. É Helen presa a sua condição, Joe aos seus sonhos, Page ao seu modo de ser e até os frequentadores deste hotel estão presos a uma tentativa de vida baseada em mordomias que não possuem de verdade. Pois afinal, qual é o motivo que levaria um grupo de pessoas a morarem fixamente num hotel?
O personagem de Jonanthan Rhys Meyers até poderia dizer que está lá de graça, mas não, ele também representa um sujeito preso aos seus desejos sexuais. Em uma certa cena, percebe-se essa verdade, apesar de não se falar nesse assunto, essa é uma verdade que está lançada sobre a vida dele, que ele tenta esconder, mas que ainda prevalece: seu homossexualismo.
Outro ponto que se percebe é como o diretor joga com a ideia de ilusão e realidade. Todos os personagens estão amordaçados a uma ilusão de vida e a essa irrealidade se lançam. O principal personagem que exemplifica esse fato é mesmo Nobbs e a cena final mostra maravilhosamente bem isso.
Em falar em desfecho, o desse drama é tocante, comovente, gracioso e doloroso. Ele/ela caminhando para o seu quarto com o único intuito de fechar os seus olhos e descansar e sonhar com sua tabacaria é extremamente belo. Nesse momento, pode-se ver claramente a grande atuação de Glose, outra cena que merece destaque é a dela correndo pela praia com trajes de mulheres, ela sentindo uma real liberdade que há anos não experimentava. Ali ela sabe que é livre, é ela mesmo e seus olhos expressam isso.
Enfim,, Albert Nobbs é um filme delicado sobre verdades e mentiras, sobre como nos enganamos, nos iludimos e como essa ilusão pode nos levar a nossa ruína, afinal, o desejo de liberdade de Nobbs foi que o prendeu a essa situação e o que levou a esse fatídico destino.
Alguns disseram que o drama poderia ter trabalhado melhor com a questão do homossexualismo, já que o filme indiretamente trata desse assunto, mas não vejo que o objetivo do diretor tenha sido abordar esse tema, mas sim a questão de como a vida pode ser injusta e como criamos situações das quais não podemos mais nos desvencilhar. Ficamos presos a nossa própria vida, sem podermos respirar.