terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Boyhood - da infância a juventude



Com direção de Richard Linklater, “Boyhood” mergulha profundo na vida de um garoto, da sua infância a juventude e por este caminho passa pelas suas dores, dúvidas, silêncios, mudanças e transformações.

O longa seria convencional, se não possuísse uma característica em particular: ele foi rodado durante doze anos com os mesmos atores, acompanhando as mudanças de seus personagens, seus medos, receios e perspectivas.

Por ser um trabalho ousado e diferente do que se vê no cinema, o longa tem conquistado ótimas criticas. Entretanto, todos os elogios são bem vindos, pois o longa possui uma trilha sonora muito gostosa, comovente e nada manipuladora. Possui uma edição e montagem muito perspicaz que consegue amarrar a trama em seus mais diversos pulos no tempo. Além disso, o elenco está muito afinado, os quatro atores principais que fazem parte da trama possuem uma afinidade entre eles muito forte. A direção de Richard confere graciosidade, profundidade e beleza ao drama, ao mesmo tempo em que há toda uma simplicidade guiando os personagens.

O filme começa com Mason (Ellar Coltrane) ainda pequeno, com seus doze anos. Ele mora com sua irmã e sua mãe. Os pais são separados, por conta disso, a figura do pai sempre é ausente na história. Por mais que o pai os visite, se mostre presente e tente se manter presente, ele não está. Quem sempre está ali, em cena e com sua presença forte é Olivia (Patricia Arquette), a mãe.

Olivia, apesar de possuir dois pequenos filhos, ainda tenta reestruturar sua vida, porém seus filhos sempre estão a frente de tudo e de certa forma, isso se torna algo difícil, conciliar um possível namoro com sua vida de mãe e provedora do lar torna-se numa missão impossível.

Devido a dificuldades ela resolve voltar a morar coma mãe e a estudar, para tentar dar uma condição de vida melhor a seus filhos. E assim a vida segue e vemos, fase por fase, momento por momento da vida de Mason e em consequência disso, da vida de todos os personagens ao seu redor também.




Richard é um diretor que consegue exprimir muitos sentimentos com fortes silêncios, entretanto também com diálogos. Seus trabalhos mais conhecidos e bem recebidos pela crítica “Antes que o dia termine”, “Antes do por do sol” e “Antes da meia noite” concentram essas qualidades e neste drama essas características também se fazem presente, porém com mais sutileza.

O drama é belamente guiado por uma gostosa trilha sonora, um som não pesado, ora moldado por músicas, ora moldado por um sútil instrumental. A montagem do filme recebe uma qualidade especial, pois o filme foi gravado durante doze anos, captando toda a mudança do personagem ao longo da vida. É incrível perceber como esta criança se tornou num jovem. Essa mudança é tão delicada que somente notamos essa transformação de um estágio primário a outro mais bem avançado.

O problema que percorre a vida deste garoto está ligado a problemas comuns, pais separados, dificuldade em compreender a vida, as mudanças pelo qual ele passa. Ele é um jovem muito calado, os diálogos em torno dele são poucos. A personagem de Olivia, apesar de estar dentro do elenco de apoio, é a que possui mais diálogos neste drama.

Sobre o elenco, também é interessante notar a força dos atores. Ellar Coltrane é novo no cinema, porém Patricia Arquette e Ethan Hawke completam o time, dando dramaticidade e força na atuação. Patricia é a que mais se destaca, com uma atuação forte, singela, delicada e soberana, ela se mostra presente do começo ao final.



De todas estas qualidades, o principal elemento deste drama está ligado a sua execução. Um trabalho pessoal e ousado do diretor. Todo ano, durante doze anos, por cerca de algumas semanas, ele e esse grupo de atores se reuniam para rodar estas cenas. Se desprendiam de seus trabalhos e se uniam a este filme. E mesmo diante desta dificuldade, o drama consegue manter uma coesão na história do começo ao fim.

Como de costume nos trabalhos deste diretor, ao final do longa os diálogos vão se tornando mais fortes, ríspidos e ousados. Toda verdade ou sofrimento são lançados sobre os quatro ventos. Toda dor guardada e silenciada é bradada. E esta dor envolve Olivia e o tempo, o tempo que passou por ela, moldou aos seus filhos e a colocou numa posição de medo e receio. Neste momento vemos toda beleza e profundidade do filme. Mason era uma criança, agora ele cresceu e assim como a mãe dele, vai viver, ter suas vivências, sofrimentos e depois o que irá lhe restar? A morte, o fim. Tudo é um caminho, um processo e receber a verdade pode ser dolorosa.

E é nesta profundidade e graciosidade que o longa caminha e entrega uma bela obra do cinema, um grande filme moldado pelo tempo e tendo este tempo como elemento fundamental para este drama. Ao final, a cena que fica é um olhar, um sorriso, um silêncio, seguida por uma sonoridade que nos remete ao começo do longa. Um ciclo sem fim.




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