sábado, 9 de abril de 2011

O leitor


 
Uma obra inquietante, um livro que nos leva a tentar entender os motivos que levaram uma geração a cometer uma das maiores atrocidades da História. A Segunda Guerra acabou, porém suas feridas ainda continuam, o passado sempre está presente em nossas vidas, seja para nos alertar de nosso erros, ou para tentarmos entendê-lo.
 
O Nazismo e o Holocausto foram fatos que provocaram várias mortes, sofrimento, dor e perdas. A própria Guerra em si foi algo que marcou muito. Vidas que se perderam, planos e sonhos que morreram, possibilidades que se desfragmentaram. Passados décadas após esse acontecimento, surgem na literatura e no cinema, algumas obras que tentam resgatar esse período, não para narrar uma história que já conhecemos, impregnados de reflexão sobre a vida, por meio de um romance, mas dramas que, sem tentar julgar, colocam os acontecimentos diante dos nossos olhos para que possamos repensá-lo e se é possível isso, encontrar algumas respostas. O leitor, do autor Bernhard Schilck é um desses exemplos.

A história é divida em três partes, na primeira conhecemos Michael, um garoto com saude frágil, que vive numa Alemanha em Guerra. Num dia de chuva, ele passa mal e é acudido por uma mulher chamada Hanna. Uma mulher de expressão gélida, fria e distante. Ela o leva para casa e cuida dele até melhorar. Em seguida ele agradece e eles se despedem. Aquela mulher, apesar de não ser tão bela, o instiga a procurá-la novamente. Michael vai até a casa dela, mas não encontra. Quando ela chega, ela o vê,trocam umas palavras, entram em casa e transam. Ela tira a virgindade dele, e ele, passa a desejá-la ainda mais. A partir daí, eles começam um caso, em que praticamente todos os dias ele vai visitá-la. Durante esse relacionamento, em todas as visitas, a pedido dela, ele lê para ela livros sobre os mais diversos temas, de literatura a história. Há uma ligação entre eles, pelos menos, é que pensa esse Michael. Dias e semanas se passam e Hanna simplesmente desaparece, sem deixar recados, ou algo do gênero. O mundo dele desaba, mas sua vida continua. Anos mais tarde, quando ele já está na faculdade de direito, ele entra para um seminário sobre os crimes nazistas e vendo uma audiência no tribunal sobre mulheres que foram acusadas de participarem de crimes envolvendo os campos de concentração, Michael a reconhece dentre as acusadas.

Por entre esses acontecimentos, o autor nos guia pelos pensamentos deste jovem que recorda esse momento tão inocente, delicado e doloroso de sua vida. Devido a história ser contada por ele, nunca sabemos quais são os reais sentimentos e pensamentos de Hanna, porém nem dele entendemos corretamente. Há um misto de dor, raiva, amor e saudades percorrendo sua mente. Aos olhos dele fica a questão: como ele pôde amar alguém que cometeu tantos crimes como aquele, a mulher que ele desejava e amava na sua adolescência e que o marcou fortemente, fez tais atrocidades. São essas dúvidas simbolizadas por esse romance, por essa dor que faz com que seja posto diante de nós essa dúvida. O personagem de Michael representa uma juventude que cresceu vendo os horrores da Guerra e suas consequências durante o decorrer dos anos, mas ainda não conseguiu assimilar a ideia que seus familiares, seus pais, amigos, professores, simpatizaram com a ideia.

Durante todo o livro, na segunda parte dessa história, são jogadas à Hanna e aos alunos, questões simples, porém que no fundo são emblemáticas e que guardam respostas ainda mais complexas e que jamais teremos uma resposta tão cedo. Uma delas dita por um juiz a Hanna fica explicito isso. Ele a questiona o motivo dela não ter libertado as prisioneiras quando teve oportunidades, mas ela rebate o perguntando o que ele teria feito. Duas perguntas que em sua essência há toda uma carga de incompreensão. Julgar é fácil, entender é o difícil. O que se percebe nessa história, nesse julgamento, é que todos querem fechar os olhos para o passado, mas eles devem vê-lo, devem visitá-lo e culpar alguém por esse crimes. É mais fácil punir um grupo de mulheres por tais fatos, do que toda uma nação assumir essa culpa. Outro ponto interessante abordado pelo autor é com relação ao segredo que Hanna guarda. Essa informação já se percebe desde o começo do livro, mas aos olhos dela, ninguém deve saber, ou jamais ter a certeza disso. Para ela, é melhor ser culpada pelas mortes das quais está sendo acusada do que revelar esse segredo. Isso nos faz pensar que o orgulho a guia em todos os momentos de sua vida, orgulho esse que pode estar ligado a toda uma nação.

O livro possui belos momentos que nos faz repensar sobre esse acontecimento, sobre esse fato. Jamais o autor julga, porém em contraposição, coloca o leitor diante desses fatos para que ele possa por sua consciência chegar a uma conclusão, lembrando que a pergunta que fica e permanece em nossas mentes é: o que você teria feito?

O final dessa história é comovente. Dor e raiva caminham lado a lado, de mãos dadas, tentando nos sufocar. Mas o amor, a compaixão e a solidariedade também. O autor, de forma simples, sem exageros ou falta de sentimentalismo, nos entrega um romance profundo e soberbo, cheios de questões e quase nenhuma resposta. Uma bela análise, sem julgamentos precipitados sobre um momento da história ainda tão doloroso para ser revisitado

Nenhum comentário:

Postar um comentário