Uma história sobre perdas, culpas e diferenças. Um filme comovente que nos faz refletir sobre os nossos atos movidos pela dor e a raiva.
Andar sobre as águas é algo praticamente impossível, ou melhor dizendo, é impossível, mas que é usado numa passagem da bíblia para falar sobre fé. A fé pode remover montanhas e também fazer do impossível, possível. É sobre esse tema que o filme aborda
Eyal é um agente secreto da Mossad, serviço secreto israelense, que recebeu a missão de encontrar um dos últimos agentes vivos que operou no nazismo. Para isso, ele irá se envolver com o neto deste agente, Axel, como guia turístico, que veio para Israel se encontrar com a irmã Pia. Mas convivendo com estes dois jovens, ele será obrigado a lhe dar com o diferente, já que Axel é homossexual e os dois tem opiniões distintas da dele.
Eyal representa a tensão neste território. Ele é um homem marcado pela dor do passado. Seus pais foram obrigados a saírem da Alemanha durante o período nazista, largando tudo. Foram para Israel tentar uma nova vida. Quando cresceu, tomado pelo sentimento de raiva e vingança pelo qual seus pais e outros judeus sofreram durante o holocausto, entrou para o Mossad, agência do serviço secreto que realiza missões de forma ilegal.
No começo do longa vemos ele assassinar um homem que é ligado ao Hamas, por essa cena, podemos perceber a tensão que há nesse território entre palestinos e israelenses. Durante todo o filme é comentado pelas rádios, jornais e telejornais os atentados que acontecem em Israel por homens bombas. Isso se torna tão normal na rotina deles, que a certa altura, ele chega a brincar com o episódio.
Já Axel representa uma geração que têm um passado que não consegue compreender. Ele sendo alemão, sabe que seus pais permaneceram em silêncio e até ajudaram, no caso do seu avô, o nazismo a propagar o terror. Ele sendo liberal é confrontado por essa história. Se ele e outros da idade dele tem culpa, ele não sabe, pois como ele afirma em certa altura do filme, ninguém na Alemanha comenta sobre isso ou se quer fala sobre esse assunto. Já sua irmã Pia pertence à outra ala dessa história, a da geração que sabem que seus pais fizeram e carregam a culpa por isso. Ela sente raiva pelo que eles fizeram.
É com essas três personalidades distintas e carregadas por sentimentos que vão da dor a raiva, passando por compaixão e arrependimento, que o drama tentará tocar em temas tão delicados como a culpa alemã, homossexualismo e a tensão entre palestinos e israelenses.
Os diálogos são inteligentes, com perguntas diretas que tentam responder questões emblemáticas. A fotografia é bela, destaque para as paisagens, em especial, as da praia. Os atores estão muito bem: Ryal é fechado, Axel é cativante, expressivo e inocente e Pia tem um semblante que expressa dor.
A direção não peca, mantém seus personagens constantemente nesses questionamentos, a redenção não acontece simplesmente do nada. O que é certo e errado não é tão fácil julgar assim. Prova disso é a cena final do filme e as decisões que os personagens tomam em suas vidas.
A forma como o enredo tratou de colocar num único filme várias tensões foi ótimo. O homossexualismo está presente e o preconceito que estes sofrem por isso também, mas ele está em segundo plano, como um detalhe da obra, o que lhe confere mais autenticidade, pois afinal, menos é mais.
O final em off chega a deixar o filme, de certa forma, meio convencional, sem um desfecho mais criativo. Porém consegue invocar um lado mais poético, literário e metafórico sobre a relação atual dessas duas nacionalidades.
Enfim, Andando sobre as águas é um ótimo filme. Muito bem recebido pela crítica internacional, infelizmente esquecido pela mídia especializada aqui no Brasil e não é tão fácil achar essa película para comprar. Só é possível obter o longa em alguns blogs que tem uma linha bem independente, porém esse filme merece o sacrifício e as dificuldades de encontrá-lo, pois é uma história comovente e edificante sobre aceitação e culpa, seja sobre o passado, o preconceito ou as diferenças. A dor e a arrogância são um eterno ciclo que um pode ser quebrado.