Ágora, o drama sobre a vida de uma mulher que marcou a história, influenciou homens, questionou princípios existentes na época e pagou um alto preço por essa afronta.
Hypalia foi umas das grandes filosofas dos tempos antigos, se não, a única. Tinha como paixões a busca pelo conhecimento e a dúvida, dentre essas, em compreender a teoria que regia o mundo antigamente, em que afirmara que a Terra era o centro do Universo e todos os outros planetas e astros giravam em torno deste. Para ela, essa teoria não era válida, mas precisava primeiramente entender esse esquema, por esse motivo, concentrou tempo e estudos da sua vida para esse questionamento. Enquanto o mundo girava e Hypalia tentava entender esse processo, culturas eram modificadas, dentre elas, a religião. A história se passa em Alexandria, Egito do séc. IV, quando o império romano dominava a região.
Num período em que o cristianismo começava a se proliferar em todo império romano, adorar a o outros deuses passou a ser questionado e proibido. A cada crescimento da religião cristã, os que se recusavam a aceitar o batismo e a crença em Deus eram punidos com a vida, e nesse caminho Hypalia sofreu as consequências.
O longa mostra numa primeira parte Alexandria em plena influência romana que a cada dia que se passa, está fortemente ligada ao cristianismo. Enquanto o pior não acontece, a cidade vai mantendo em suas praças as diversas religiões existentes, porém, com o tempo, a tolerância entre essas vão se desfragmentando, levando a um choque e uma guerra sangrenta que só termina com a intervenção dos soldados romanos. A partir desse momento, os cristãos obtém a vitória e passam a ditar as regras. Nem o poder do prefeito tem mais efeito do que o do bispo, representante da igreja.
Hypalia tem dois jovens apaixonados por ela, um escravo que mais tarde torna-se num seguidor da fé cristã e Orestes, um jovem discípulo que posteriormente torna-se o prefeito de Alexandria e faz dela sua conselheira. Porém ela se mantém séria no seu posicionamento em não se relacionar com nenhum destes homens, um preço justo em sua opinião, para se ter a independência e liberdade desejados por ela. Apesar da rejeição dela, esses dois jovens, cada uma a seu modo, tentarão conquistá-la e protegê-la.
O que o novo filme do diretor Alejandro Amenábar conta não é apenas esse fato, mas tenta, acima de tudo, compreender a mulher por traz dessa história. Uma jovem sábia, que enfrentou o preconceito devido ao seu sexo e teve que se impor para obter respeito. Um drama épico, profundo e que traz para as telas do cinema inúmeros questionamentos, como a fé que cega, o preconceito contra a minoria e como todos estão sujeitos a tais práticas.
O diretor consegue compor um drama rico em detalhes, seja no figurino, na cidade criada para representar Alexandria ou em suas acomodações. Os questionamentos sobre a existência de Deus e sobre as ideias defendidas em cima do teocentrismo estão bem demarcadas e claras. Entretanto, o que fica mais nítido e interessante é o ponto de vista defendido por Amenábar em mostrar que todos estão passíveis a cometerem erros, falhas ou a se colocarem acima dos outros, seja pela sua crença ou pela sua condição. Nem Hypalia, que é a protagonista desta história sai ilesa. Suas ações também demonstram desigualdade, prova maior é que ela possui escravos. Ainda sobre esse assunto, é interessante perceber como esse tema foi abordado, nunca é levantado por ela ou pelo seu pai um posicionamento diante da escravidão.
A fotografia do filme em certas cenas consegue obter grandes momentos de beleza, destaque para cena de Hypalia sentada num rochedo observando o pôr do sol. A trilha sonora não chega a marcar ou ser brilhante, não que tenha percebido. No elenco, Rachel Weisz como Hypalia merece todos os créditos, uma atriz com atuações fortes, intensa, sempre profunda e delicada ao mesmo tempo. Oscar Isaac como Orestes também se sai muito bem, sua mudança de um jovem apaixonado para um prefeito tendo consciência de suas escolhas foi muito bem transmitida pelo ator.
Ágora foi lançado em 2009 e teve um orçamento de 50 milhões, acho eu que não tenha conseguido se pagar. Sua estréia em Cannes obteve ótimas críticas da mídia especializada, mas no Brasil, ou até mesmo na América, não teve o mesmo êxito. Apesar de ter uma atriz de peso no trabalho e ter como diretor o ótimo Alejandro Amenábar (Os outros, Mar adentro), pouco se comentou desse drama.
Bom, apesar desses detalhes, o longa só possui elogios de minha parte, ao vê-lo é chato perceber como pensamentos tão antigos como o preconceito à minoria e a ignorância derivada das religiões continuam tão presentes no nosso cotidiano. O final do filme nos deixa comovido, mas ainda somos poupados de ver um fim totalmente trágico para Hypalia. Algo que não consegui compreender é por quais motivos o nome dessa filosofa não está escrito na história da filosofia de forma acessível para leigos como eu, que só tive a chance de conhecer essa personagem real por meio desse filme. É, se a história as vezes peca, ainda temos o cinema pra reviver alguns episódios.
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