Esse filme é um pouco antigo, é do ano de 1999 e bem pouco comentado, para se ter uma ideia, nem imagens consegui de fato na internet. A história é simples, há uns apelos embutidos no drama para que cause algumas lágrimas, mas o longa tem uma estrutura em cima da questão da imaginação e de como ela nos ajuda a suportar os males da vida, de uma forma muito bacana, comovente e até em certo ponto, meiga.
No longa conhecemos Mary, uma garota extremamente doente, sua irmã, Ann, para conseguir manter as despesas com remédios e os gastos rotineiros do dia como comida e lar, acaba por prostituir-se todas as noites e para suportar tal realidade, passa a usar drogas, ficando assim em boa parte dos programas drogada. Anos atrás Ann escreveu um livro de poemas que a ajudou financeiramente por um tempo. Um desse livro parou nas mãos de um prisioneiro, após ler os poemas, ele enviou uma carta para ela, agradecendo por ter escrito aquela obra, pois foi devido a ela que conseguiu suportar muitos dias na prisão. Ann, não querendo ler a carta, a deixa no canto, sua irmã a pega e ela mesmo passa a se corresponder com esse prisioneiro, iniciando assim, uma série de cartas. Ao mesmo tempo que isso acontece, um jovem muito silencioso e aparentemente sozinho se muda para o apartamento ao lado. Mary se interessa por ele e o convida para jantar, já sua irmã o acha meio estranho. Aos poucos, ele passa a também criar laços de amizade por Ann e por fim, as duas têm um grande amigo que as ajudam em diversos momentos, um professor, que em muitos casos, entra como um pai na história.
Dor, esse sentimento percorre a vida de todos esses personagens. A realidade tão dolorosa e dilacerante está presente na vida de cada um deles e todos tentam, de uma forma, sobreviver a ela por meio de um escape, uma fuga. É nesse ponto que se concentra a beleza desse filme. Mary se lança em sua imaginação, seja por meio de um livro, ou por meio de sua preocupação com um homem que está perdido no espaço. Ann mergulha cada vez mais nas drogas, o jovem vizinho delas, na música em que ouve todas noites, que o faz lembrar da sua família, o prisioneiro, nos poemas de Ann e nas cartas que escreve para ela e o professor, em seus livros. Mas por mais que tentamos nos desligar desse mundo, é a essa realidade que pertencemos, e uma hora ou outra, ela se levantará fortemente contra nós. Aceitá-la e continuar caminhando apesar de tudo é que tentamos aprender em nossas vidas.
O filme trabalha com a imaginação, percorrendo a personagem de Mary, de um jeito muito encantador. A todo tempo, realidade e sonhos se misturam. O quarto brilha intensamente, um sol aparece do nada na tela, o livro colorido dela ganha vida e nos mostra um astronauta perdido no espaço tentando alcançá-la e o final, que claro, não irei comentar, que também se utiliza desse recurso para deixar a cena menos trágica e mais sensível é de uma beleza única.
Dentre os atores, todos estão bem, mas o personagem do vizinho, que tem o seu nome revelado ao final do filme é o mais comovente e gracioso. Sua atuação é singela, quieta, segura, sem ser sofredora ou nos causar sentimento de pena. Sua aproximação com Mary será de forma delicada e com Ann também. É percebível o interesse dele pela Ann, porém mesmo assim, ele trata a pequena com tanta sinceridade e ternura que apenas fortalece essa amizade e até confunde os sentimentos dela. A única falha com relação ao seu personagem é pelo fato de não explicar corretamente o passado dele. O personagem do professor fica meio vago, perdido no drama. Ele está lá para ser um amigo, um pai, ou aquele que tenta mostrar a todos os custos a verdade para Ann, porém, mesmo assim, ele se destoa de todos do elenco. O prisioneiro foi bem inserido no filme, com sua história apenas sendo retratada por pequenas lembranças, isso faz com que nos identifiquemos com esse sujeito.
O trabalho com a iluminação separando flash, ilusão e realidade foi bem trabalhado. O drama é simples, possui alguns momentos muitos bonitos, como a relação de Mary com seu vizinho e a cena final, meio que metafórica, mas algumas cenas são desnecessárias, como as que estão próximas ao desfecho do longa.
Por falar nisso, esse fim que fica em aberto com a narração em off estraga o desfecho. Ainda não entendo por qual motivo, todos os dramas usam esse recurso, mas tudo bem, a forma como o diretor guia todo o longa, misturando realidade e ilusão e nos mostrando como sonhar é preciso, não apenas por ser um escape, mas por ser uma forma de ainda percebermos a vida, compensa esse final meloso e nada criativo para um filme tão singelo e sincero nos seus sentimentos e nas suas propostas.
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