Esse filme é bem antigo, década de noventa, para ser mais exato, o ano de lançamento foi 1997. O longa, uma ficção científica, aborda uma sociedade moderna (o ano não é estipulado) em que é possível, graças aos avanços da tecnologia e dos segredos da genética, escolher o filho que deseja ter, renegando as falhas, imperfeições, doenças e males que a criança poderia ter ao decorrer dos anos, ou seja, por meio de um processo, poderia se escolher o sexo do bebe, a cor da pele, dos olhos, cabelos e até ter conhecimento das tendências psicológicas. Nesse sentido, não haveria homens e mulheres imperfeitos, fracos ou limitados, pois todos seriam nascidos para obter os melhores resultados, estes são chamados “filhos da ciência”. Porém, em meio a tantos avanços, ainda haviam aqueles que adotavam o método antigo, inferior, natural, enfim, convencional. Esses por meio de apenas uma gota de sangue, poderia se ter conhecimento de todas as probabilidades a doenças, distúrbios psicológicos e até a estimativa de vida, dado as suas características genéticas.
Nesse novo mundo está Vincent Freeman (Ethan Hawke) um garoto que nasceu do acaso, da natureza e que possui inúmeras fraquezas genéticas que o faz inválido diante da sociedade praticamente perfeita. Nessa nova sociedade, não há mais questão de raça, cor de pele ou etnia, mas apenas os válidos, escolhidos geneticamente em laboratórios e os inválidos, nascidos do acaso, do modo convencional. Vincent é o primogênito dos seus pais, porém seu irmão nasceu em laboratório, escolhido a dedo pelos seus pais, isso fez com que ele sempre se sentisse inferior ao irmão em todos os quesitos, inclusive no amor dos pais. Prova desse sentimento é que seu irmão mais novo herdou o mesmo nome do pai.
Mas a vida ainda se complicaria mais com o passar dos anos, além de ser dito a ele que sua expectativa de vida era por volta dos 30 anos e que ele provavelmente morreria devido a problemas cardíacos, os sonhos de Vincent morreriam antes mesmo dele tentar colocá-los em prática. Seu sonho é ser astronauta, mas jamais poderia obter esse desejo, pois sua condição genética não o permite. Porém, anos se passam e ele para conseguir esse feito, se infiltrará numa corporação chamada Gattaca usando a identidade de outra pessoa, um válido. Quando seus objetivos estão prestes a serem realizados e ele poder obter a autorização de ir a uma viagem ao espaço, um assassinato acontece na corporação e isso coloca sua real identidade em exposição e sua fraude em jogo.
A abordagem desse filme, apesar de estar ligada mais a ficção, ela tem um pé em várias questões, como o preconceito sendo repaginado a outras questões, a busca por um sonho, mesmo que este seja inalcançável, os perigos envolvendo as questões genéticas e como essas podem trazer mais barreiras e problemas ao invés de soluções e como essas ainda podem ser falhas, tanto para o bem, quanto para o mal. Além disso, há questões familiares, um sentimento de solidariedade percorrendo o longa, mesmo que de forma indireta e uma questão existencial percorrendo um personagem.
Eu vi esse filme apenas uma vez, mas sua história me marcou muito. Se antes a ideia de homens criados em laboratório, com todas as perfeições que poderia existir como livres de doenças, das mais diversas até as mais complexas, era um fator interessante e positivo, nunca cheguei ao pensamento que isso poderia ocasionar um novo tipo de discriminação e preconceito, enfim, um problema Essa ideia exposta no filme, nos faz questionar como esses sentimentos de superioridade que nos percorre com relação aos outros possuí raízes ainda mais emblemáticas. Outro ponto forte do longa é com relação a perfeição destes homens, apesar de serem escolhidos para serem os melhores, eles ainda não escapam do fator destino incerto, prova disso é o personagem de Eugene Morrow (Jude Law), um homem com todas as características perfeitas para ser um grande vencedor, mas que devido a problemas e um acidente, ficou paraplégico ou o assassino que é descoberto ao final da história, que não possuía nenhum trajeto em seu código de tendências violentas.
O personagem de Vincent, apesar de ser o protagonista, é um dentre os vários cheios de nuances e detalhes, seu sonho é ser um astronauta, mesmo todos dizendo não, ele parte para a ilegalidade buscando este desejo, nesse sentido, um ato ilegal é justificado por um objeto mais nobre, nesse caso, há uma inversão de valores no quesito herói. Ethan Hawke está ótimo nesse papel, numa atuação firme, sufocante e visceral como um homem que precisa esconder a sua identidade para assumir uma outra e renegar seus jeitos, modos para incorporar um sujeito totalmente distinto de si, enfim, uma atuação rica em detalhes. Uma Thurmam como Irene é envolvente, ela transpira segredos, mas ela tem também a esconder.
O personagem de Morrow, em minha opinião, é o mais interessante, um sujeito que tinha tudo, mas que não possui nada e tem que se contentar em repassar sua vida para outra pessoa, para que seus gastos e o seu padrão de vida continuem e ainda sofrer a dor de ver que aquele que está se passando por ele, seja melhor do que ele foi em toda sua vida. A dor de saber que perdeu faz com que entendamos seus motivos ao final do longa. Ele já não tinha mais vida, apenas suportava a si mesmo. Outro personagem interessante é do detetive que está na cola de Vincent, ele tem muita ligação com esse caso e a ele ficará uma surpresa ao final.
Apesar da história ter um olhar tão pessimista para as questões científicas, o longa mostra pequenos detalhes de ternura e solidariedade, isso de forma indireta. Pessoas que mesmo tendo conhecimento da fraude de Vincent o ajudaram, mesmo sem ele ter conhecimento. Esses personagens e suas ações demonstram que em meio a tanta imperfeição geradas por uma busca pela perfeição, há ainda sentimentos tão humanos. Eles veem a luta dele e entendem o esforço de Vincent e o final é extremamente comovente e belo. Nunca gostei de fim de filme que acabasse com voz em off, mas a desse longa é simplesmente espetacular, uma pequena frase, mas que consegue captar toda ideia, emoção e sentimentos do filme.
A direção fica por conta de Andrew Niccol, esse sendo seu primeiro trabalho como diretor e roteirista mostrou um filme genial. Mesmo se passando mais de dez anos, a história do filme ainda continua bem atual em algumas questões como os estudos sobre o código genético a respeito das doenças que poderemos ter quando adulto, males esses que podem ser descobertos ainda quando crianças. Niccol ainda fez ótimos trabalhos dentro do cinema, é dele a direção e o roteiro do gracioso e excelente “O show de Trumam”, o roteiro do interessante “O terminal” e do bem feito, direto e ousado “Senhor das armas”. Um diretor brilhante, com excelentes projetos, boas histórias e competentes filmes. Por fim, esse é um drama extremamente bacana, que possui diversas linhas de pensamento, se for citar todas as que percebi ao vê-lo, os texto ficará um pouco grande, mas há uma única certeza, esse longa é muito bom.
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